PONTO DE
VISTA: Albert Einstein |
VEJA,
Agosto de 1945 |
Quando bombas
atômicas arrasaram Hiroxima e Nagasaki, o físico
Albert Einstein foi chamado de responsável indireto
pelas tragédias. Neste artigo, ele nega esse papel,
sugere a criação de uma nova organização global e se
diz alarmado com a hipótese de uma nova guerra: ela
aniquilaria a Terra. |
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inha responsabilidade na questão da
bomba atômica se limita a uma única intervenção: escrevi uma
carta ao presidente Franklin Roosevelt. Eu sabia ser
necessária e urgente a organização de experiências de grande
envergadura para o estudo e a realização da bomba atômica.
Foi o que disse a ele. Conhecia também o risco universal
causado pela descoberta da bomba. Mas os sábios alemães se
encarniçavam sobre o mesmo problema e tinham todas as
chances para resolvê-lo. Assumi, portanto, minhas
responsabilidades. Sou, no entanto, um pacifista apaixonado,
e minha maneira de ver as coisas não é diferente diante da
mortandade em tempo de guerra e diante de um crime em tempo
de paz.
Já que as nações não resolvem suprimir a guerra por uma ação
conjunta, já que não superam os conflitos por uma arbitragem
pacifica e não baseiam seu direito sobre a lei, elas se vêem
inexoravelmente obrigadas a preparar a guerra. O horror
nesta escalada consiste em sua aparente inevitabilidade.
Cada progresso parece a conseqüência inevitável do progresso
precedente. Participando da corrida geral dos armamentos e
não querendo perder, as nações concebem e executam os planos
mais detestáveis. Precipitam-se para a guerra. Mas hoje, a
guerra se chama o aniquilamento da humanidade.
"O perigo
está em
que cada um, sem
fazer nada, espere
que ajam em seu
favor. Cada um de
nós tem culpa." |
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Os gênios mais
notáveis das antigas civilizações sempre preconizaram a paz
entre as nações. Compreendiam sua importância. Agora, esta
posição moral é rechaçada pelos progressos técnicos. E nossa
humanidade civilizada conhece o novo sentido da palavra paz:
significa sobrevivência. A descoberta das reações atômicas
em cadeia não constitui para a humanidade perigo maior do
que a invenção dos fósforos. Mas temos de empregar tudo para
suprimir o seu mau uso. Quando tivermos reconhecido isto,
encontraremos então a força de realizar os sacrificios
necessários para a salvaguarda do gênero humano. Cada um de
nós seria o culpado se o objetivo não fosse atingido a
tempo. O perigo está em que cada um, sem fazer nada, espere
que ajam em seu favor.
A indústria dos armamentos representa concretamente o mais
terrível perigo para a humanidade hoje. Em todos os países
do mundo, grupos poderosos fabricam amas ou participam de
sua fabricação; em todos os paises do mundo, eles se opõem à
resolução pacifica do menor litígio internacional. Contra
eles, porém, os governos atingirão este objetivo essencial
da paz quando a maioria dos eleitores os apoiar
energicamente. Porque vivemos em regimes democráticos e
nosso destino e o de nossos povos dependem inteiramente de
nós. A vontade coletiva se inspirará nesta intima convicção
pessoal. Só a supressão definitiva do risco universal da
guerra dá sentido e oportunidade à sobrevivência do mundo.
Daqui em diante, eis nosso labor cotidiano e nossa
inabalável decisão: lutar contra a raiz do mal e não contra
os efeitos. O homem aceita lucidamente esta exigência. Que
importa que seja acusado de anti-social ou de utópico?
Autoridade internacional
- Os progressos da técnica militar
tornam possível o extermínio de toda a vida humana, a menos
que os homens descubram, e bem depressa, os meios de se
protegerem contra a guerra. Este ideal é capital e os
esforços até hoje empregados para atingi-lo são ainda
ridiculamente insuficientes. Procura-se atenuar o perigo
pela diminuição dos armamentos e por regras limitativas no
exercício do direito à guerra. Mas a guerra não é um jogo de
sociedade onde os parceiros respeitam escrupulosamente as
negras. Quando se trata de ser ou de não ser, regras e
compromissos não valem nada. somente a rejeição
incondicional da guerra pede salvar-nos.
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"Não é
possível o
desarmamento por
etapas, só de uma
vez por todas. E a
solução é clara -
é tudo ou nada." |
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Enquanto a
possibilidade da guerra não for radicalmente extinta, as
nações não consentirão em se despojar do direito de se
equipar militarmente do melhor modo prossivel para esmagar o
inimigo de uma futura guerra. Não se poderá evitar que a
juventude seja educada com os tradições guerreiras, nem que
o ridículo orgulho nacional seja exaltado paralelamente com
a mitologia heróica do guerreiro, enquanto for necessário
fazer vibrar nos cidadãos esta ideologia para a resolução
armada dos conflitos. Armar-se significa exatamente isto:
não aprovar e nem organizar a paz, mas dizer sim à guerra e
prepará-la. Sendo assim, não se pode desarmar por etapas,
mas de uma vez por todas ou nunca. A solução é clara: tudo
ou nada. Até este momento, os esforços empregados para
conseguir a paz fracassaram, porque ambicionavam somente
resultados parciais insuficientes.
Não se pode chegar a uma paz verdadeira se se determina sua
política exclusivamente pela eventualidade de um futuro
conflito, sobretudo quando se tornou evidente que semelhante
conflito significaria a completa ruína. A linha diretriz de
toda a política deveria ser: Que podemos nós fazer para
incitar as nações a viverem em comum pacificamente e tão bem
quanto for possível? A eliminação do medo e da defesa
recíproca, eis o primeiro problema. A solene recusa de
empregar a força, uns contra os outros, impõe-se
absolutamente. Tal recusa somente será eficaz se se referir
à criação de uma autoridade internacional judiciária e
executiva, à qual se delegaria a resolução de qualquer
problema concernente diretamente à segurança das nações. A
declaração por parte das nações de participar lealmente da
instalação de um governo mundial restrito já diminuiria
singularmente o risco da guerra. A coexistência pacifica dos
homens baseia-se em primeiro lugar na confiança mútua.
"Nós
não podemos
nos desesperar dos
homens, pois nós
somos homens. A
solução, acredito,
está com o povo." |
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Uma nova etapa - As gerações anteriores talvez tenham
julgado que os progressos intelectuais e sociais apenas
representavam os frutos do trabalho de seus antepassados,
que conseguiram uma vida mais fácil, mais bela. As cruéis
provações de nosso tempo mostram que há aí uma ilusão.
Compreendemos melhor agora que os esforços mais
consideráveis devem ser empregados no sentido de que nossa
herança se torne, para a humanidade, não uma catástrofe, mas
uma uma oportunidade. Continuo inabalável neste ponto: a
solução está no povo, somente no povo. Não podemos nos
desesperar dos homens, pois nós mesmos somos homens. Se os
povos quiserem escapar da escravidão abjeta do serviço
militar, têm de se pronunciar categoricamente pelo
desarmamento geral. Enquanto existirem exércitos, cada
conflito delicado se arrisca a levar à guerra.
Que os povos compreendam. Que se manifeste sua consciência.
Desta forma galgaríamos uma nova etapa no progresso dos
povos entre si e nos recordaríamos do quanto a guerra foi a
incompreensível loucura de nossos antepassados. O destino da
humanidade repousa essencialmente e mais do que nunca sobre
as forças morais do homem. Se quisermos uma vida livre e
feliz, será absolutamente necessário haver renúncia e
restrição. Desarmamento e segurança só se conquistam juntos.
A segurança não será verdadeira a não ser que todas as
nações tomem o compromisso de executar por completo as
decisões internacionais. Estamos portanto na encruzilhada
dos caminhos. Ou tomaremos a estrada da paz ou a estrada já
freqüentada da força cega, indigna de nossa civilização. É
esta nossa escolha e por ela seremos responsáveis. De um
lado, liberdade dos indivíduos e segurança das comunidades
nos esperam. Do outro, servidão dos indivíduos e
aniquilamento da civilização nos ameaçam. Nosso destino será
o que escolhermos.
Albert
Einstein,
de
66 anos, é professor de Física na Universidade de
Princeton, nos EUA. Alemão naturalizado americano,
ele recebeu o Prêmio Nobel em 1921 e realizou
dezenas de estudos científicos de espetacular
impacto nas últimas décadas. |
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