DonA Stella de Oxóssi
A suma sacerdotisa do Ilê Axé Opô Afonjá chega,aos 80 anos.


Uma festa para religiosa conhecida pela determinação
Cleidiana Ramos No dia 9 de junho de 1976 é bem provável que onde existisse área verde na Bahia o vento fizesse festa para a divindade iorubá Oxóssi.


Ele une a bravura e a sensibilidade próprias do caçador em sua habilidade com o arco. Uma filha sua era, então, escolhida para reinar em uma das mais tradicionais casas do culto aos orixás em Salvador, o Ilê Axé Opô Afonjá. Maria Stella de Azevedo Santos se tornava aos 49 anos a suma sacerdotisa da casa consagrada a Xangô e a partir daí seria mãe Stella de Oxóssi. A então mais jovem Yalorixá a assumir o cargo na capital da Bahia chega hoje aos 80 anos, uma festa para uma cultura que sabe respeitar a sabedoria que aumenta com a idade.

Uma série de comemorações desde a semana passada, organizada pela Sociedade Cruz Santa, entidade civil que representa o terreiro, marcam este aniversário especial. Mãe Stella não foi pioneira apenas quando o assunto é idade para assumir um cargo de tanta responsabilidade. Em 1983, na II Conferência Mundial da Tradição dos Orixás, foi a líder de uma carta aberta contra o sincretismo – a tradição de fazer a equivalência entre um orixá e um santo católico tão comum na Bahia.

Na justificativa, seu desejo de ver a religião de matriz africana reconhecida como tal e não apenas a sombra de uma outra. "Não adianta dizer que tal caboclo corresponde a um santo, que tal orixá a outro santo, se não existe base que fundamente isso. As energias são diferentes", justificou em uma entrevista, publicada em A TARDE, em 30 de abril de 1995.

Mais tarde, surpreenderia novamente com a publicação, em 1991, do livro Meu Tempo é Agora. Foi a primeira vez que uma sacerdotisa do candomblé enveredou pelo caminho das letras.
Para traçar um perfil dessa aniversariante que une a energia de uma guardiã da casa de Xangô à vitalidade de filha de Oxóssi, A TARDE ouviu a Agbeni Xangô do Opô Afonjá, Cléo Martins.

Advogada e escritora, Cléo Martins convive com mãe Stella, na mesma casa, como ela faz questão de frisar, há 20 anos. O cargo que ocupa no Opô Afonjá tem a missão de levar Xangô pelo mundo. "É uma honra tão grande que só de falar eu choro. Fui escolhida por mãe Stella e é muita responsabilidade levar a bandeira de Xangô para o mundo", resume Cléo. A sua missão aqui foi revelar um pouco dessa grande senhora que cuida de um patrimônio espiritual e cultural que não dá para medir.


A MENINA STELLA
Nascida em 2 de maio de 1925. Filha de Esmeraldo Antígono dos Santos e Tomásia de Azevedo Santos. Aos 6 anos, Stella perdeu a mãe. Foi então morar com uma tia, dona Arcanja, casada com o tabelião Antônio Carlos Fernandes. "Mãe Stella teve uma infância de menina rica. Tem fotos dela com colegas de escola em que é a única negra. Acho que isso fez com que ela sempre convivesse com o diferente. E ela tem uma consciência muito grande da sua própria negritude. É uma pessoa acima de qualquer coisa", diz Cléo. Iniciada no candomblé aos 13 anos, formou-se em enfermagem pela antiga Escola de Saúde Pública da Bahia. Aos 49, chegou ao posto mais alto da sua religião: suma sacerdotisa.


SENHORA DONA STELLA
Considerada uma mulher de vanguarda, mãe Stella fez história por motivos variados. Escreveu livros, defendeu sua religião com toda a energia que lhe foi possível. Nem por isso perde a
simplicidade. "Mãe Stella tem idéias altíssimas, mas consegue se fazer perceber pelo diálogo.Tem uma cabeça boa e sabe se dirigir a todo mundo. Da mesma maneira que ela anda de Mercedes Benz, anda de ônibus. Não é deslumbrada", descreve Cléo Martins. E nem precisa. Seria perda de energia para alguém que esbanja brilho próprio.


DETERMINADA E ACOLHEDORA
"Mãe Stella fez de mim gente em todos os aspectos". Dessa forma, Cléo Martins descreve sua convivência com a ialorixá. Segundo Cléo, mãe Stella sabe como ensinar disciplina ao mesmo tempo que sabe ser tolerante, paciente. "Ela é mais paternal do que maternal. É aquele tipo paizão, como Oxóssi. Uma pessoa de uma sagacidade imponente, de um humor finíssimo, o que é característico de pessoas brilhantes", completa. Essas qualidades fizeram do Opô Afonjá bem mais do que uma casa de culto, mas um lugar privilegiado para a sabedoria em todos os níveis, inclusive o formal, como a Escola Eugênia Ana dos Santos, onde as crianças são preparadas, por meio de oficinas, para as exigências do mundo. "O povo do candomblé tem que ter instrução", justificou mãe Stella numa entrevista à revista Neon em abril de 1999.


As coisas do seu jeitoO sorriso some do rosto de mãe Stella quando ela não consegue resolver as coisas do jeito que gostaria. Boa de garfo, ela adora feijão de leite. Não gosta de bacalhau. Adora massas e, para beber, prefere um bom uísque. Segundo Cléo, quando soube da sua escolha como ialorixá, "botou pra chorar", mas depois, "como uma boa filha de Oxóssi", mãe Stella deu ao seu sacerdócio um tom equilibrado, com jeito de quem sabe o que quer. "Mãe Stella é incapaz de afastar até uma pessoa que a chateie. O que ela não aceita é provocação", completa Cléo Martins. Louca por cachorros e pássaros, não suporta gatos. Para ouvir, gosta de MPB e é fã de novelas. "Mas não suporta o Big Brother", revela Cléo.

Serviço
Hoje, às 16 horas, na Reitoria da Ufba, Canela, mãe Stella recebe o título de Doutora Honoris Causa da universidade. Na sede do terreiro, em São Gonçalo do Retiro, acontece a apresentação da Orquestra de Câmara da Ufba.

 

 

Dona Stella de Oxóssi
A suma sacerdotisa do Ilê Axé Opô Afonjá chega, hoje, aos 80 anos.
Festa para religiosa conhecida pela determinação
Cleidiana Ramos. No dia 9 de junho de 1976 é bem provável que onde existisse área verde na Bahia o vento fizesse festa para a divindade iorubá Oxóssi.


Ele une a bravura e a sensibilidade próprias do caçador em sua habilidade com o arco. Uma filha sua era, então, escolhida para reinar em uma das mais tradicionais casas do culto aos orixás em Salvador, o Ilê Axé Opô Afonjá. Maria Stella de Azevedo Santos se tornava aos 49 anos a suma sacerdotisa da casa consagrada a Xangô e a partir daí seria mãe Stella de Oxóssi. A então mais jovem ialorixá a assumir o cargo na capital da Bahia chega hoje aos 80 anos, uma festa para uma cultura que sabe respeitar a sabedoria que aumenta com a idade.

Uma série de comemorações desde a semana passada, organizada pela Sociedade Cruz Santa, entidade civil que representa o terreiro, marcam este aniversário especial. Mãe Stella não foi pioneira apenas quando o assunto é idade para assumir um cargo de tanta responsabilidade. Em 1983, na II Conferência Mundial da Tradição dos Orixás, foi a líder de uma carta aberta contra o sincretismo – a tradição de fazer a equivalência entre um orixá e um santo católico tão comum na Bahia.

Na justificativa, seu desejo de ver a religião de matriz africana reconhecida como tal e não apenas a sombra de uma outra. "Não adianta dizer que tal caboclo corresponde a um santo, que tal orixá a outro santo, se não existe base que fundamente isso. As energias são diferentes", justificou em uma entrevista, publicada em A TARDE, em 30 de abril de 1995.

 

Mais tarde, surpreenderia novamente com a publicação, em 1991, do livro Meu Tempo é Agora. Foi a primeira vez que uma sacerdotisa do candomblé enveredou pelo caminho das letras.
Para traçar um perfil dessa aniversariante que une a energia de uma guardiã da casa de Xangô à vitalidade de filha de Oxóssi, A TARDE ouviu a Agbeni Xangô do Opô Afonjá, Cléo Martins.Advogada e escritora, Cléo Martins convive com mãe Stella, na mesma casa, como ela faz questão de frisar, há 20 anos. O cargo que ocupa no Opô Afonjá tem a missão de levar Xangô pelo mundo. "É uma honra tão grande que só de falar eu choro. Fui escolhida por mãe Stella e é muita responsabilidade levar a bandeira de Xangô para o mundo", resume Cléo. A sua missão aqui foi revelar um pouco dessa grande senhora que cuida de um patrimônio espiritual e cultural que não dá para medir.


A menina Stella
Nascida em 2 de maio de 1925. Filha de Esmeraldo Antígono dos Santos e Tomásia de Azevedo Santos. Aos 6 anos, Stella perdeu a mãe. Foi então morar com uma tia, dona Arcanja, casada com o tabelião Antônio Carlos Fernandes. "Mãe Stella teve uma infância de menina rica. Tem fotos dela com colegas de escola em que é a única negra. Acho que isso fez com que ela sempre convivesse com o diferente. E ela tem uma consciência muito grande da sua própria negritude. É uma pessoa acima de qualquer coisa", diz Cléo. Iniciada no candomblé aos 13 anos, formou-se em enfermagem pela antiga Escola de Saúde Pública da Bahia. Aos 49, chegou ao posto mais alto da sua religião: suma sacerdotisa.


Senhora dona Stella

Considerada uma mulher de vanguarda, mãe Stella fez história por motivos variados. Escreveu livros, defendeu sua religião com toda a energia que lhe foi possível. Nem por isso perde a
simplicidade. "Mãe Stella tem idéias altíssimas, mas consegue se fazer perceber pelo diálogo.Tem uma cabeça boa e sabe se dirigir a todo mundo. Da mesma maneira que ela anda de Mercedes Benz, anda de ônibus. Não é deslumbrada", descreve Cléo Martins. E nem precisa. Seria perda de energia para alguém que esbanja brilho próprio.


Determinada e acolhedora
"Mãe Stella fez de mim gente em todos os aspectos". Dessa forma, Cléo Martins descreve sua convivência com a ialorixá. Segundo Cléo, mãe Stella sabe como ensinar disciplina ao mesmo tempo que sabe ser tolerante, paciente. "Ela é mais paternal do que maternal. É aquele tipo paizão, como Oxóssi. Uma pessoa de uma sagacidade imponente, de um humor finíssimo, o que é característico de pessoas brilhantes",
completa. Essas qualidades fizeram do Opô Afonjá bem mais do que uma casa de culto, mas um lugar privilegiado para a sabedoria em todos os níveis, inclusive o formal, como a Escola Eugênia Ana dos Santos, onde as crianças são preparadas, por meio de oficinas, para as exigências do mundo. "O povo do candomblé tem que ter instrução",
justificou mãe Stella numa entrevista à revista Neon em abril de 1999.


As coisas do seu jeito
O sorriso some do rosto de mãe Stella quando ela não consegue
resolver as coisas do jeito que gostaria. Boa de garfo, ela adora feijão de leite. Não gosta de bacalhau. Adora massas e, para beber, prefere um bom uísque. Segundo Cléo, quando soube da sua escolha como ialorixá, "botou pra chorar", mas depois, "como uma boa filha de Oxóssi", mãe Stella deu ao seu sacerdócio um tom equilibrado, com jeito de quem sabe o que quer. "Mãe Stella é incapaz de afastar até uma pessoa que a chateie. O que ela não aceita é provocação", completa Cléo Martins. Louca por cachorros e pássaros, não suporta
gatos. Para ouvir, gosta de MPB e é fã de novelas. "Mas não suporta o Big Brother", revela Cléo.

Serviço
Hoje, às 16 horas, na Reitoria da Ufba, Canela, mãe Stella recebe o título de Doutora Honoris Causa da universidade. Na sede do terreiro, em São Gonçalo do Retiro, acontece a apresentação da Orquestra de Câmara da Ufba.