O QUARENTÃO DA GALERA
É PAPO FIRME
A turma da tarde: japoneses, italianos, suíços, eu e a professora de origem húngara.
Fui recebido por um "oi" .
A menina da agência não usou o "oi, tio" ou o "oi, o que o senhor deseja?" que ouço por aí. Tomei coragem: "É sobre intercâmbio". Fechei os olhos e fiquei esperando um "qual a idade do seu filho?" Qual nada.
"Você não quer se sentar?" adorei ser chamado de você. "Pra onde você quer ir?", mais um você e eu não quero sair daqui, já me sentindo um garotão.
"Pra Vancouver", respondi, "acho que deve ser jóia." Mordi a língua. Toda minha fachada adolescente desabou pés-de-galinha abaixo. Quem nesse mundo ainda fala "jóia"? Talvez eu, esposas com sugestões para aniversários de casamento, fãs da "Jovem Guarda" e mais ninguém.

A atendente chamou uma amiga que acabara de chegar de lá com fotos da escola, da família, e de outras tantas meninas e meninos de meia idade. Entenda-se: meia idade da minha, porque não passavam de uns 20 anos.
Via e revia aquela moçadinha revelando minha apreensão à recém-chegada que garantiu que tinha "gente mais velha". O "velha" saiu sem querer, mas pairou um cheiro de mofo no ar. Ela conseguiu piorar: "Até mais velha que você...", como se isso não fosse possível. Fingi que não ouvi. Que culpasse a idade pela perda de audição! E fechei negócio.
Restavam exigências quanto a hospedagem. Minhas únicas: que a casa fosse próxima à escola (porque é duro acordar esse "velhinho" de manhã) e preferencialmente de fumantes (porque meu vício, reprovado aqui, já sabia ser execrável da Terra do Tio Sam para cima).

Dias depois, fico sabendo: a casa era no subúrbio e o casal, ex-fumante. Não desisti. E adorei.
David e Gisela regulavam de idade e gostos. Gentis, engraçados, carinhosos, formados em hotelaria na Suíça, eram donos de uma linda sheepdog de nome Asta e de mãos habilidosas de chefs de cozinha que ofereciam pratos dignos de gourmet.

Fui recebido com um city-tour mostrando pontos turísticos e descrição detalhada do percurso do ônibus 210 (two-ten) da casa à escola.
Na manhã seguinte, me levaram até o ponto, debaixo de chuva, e Gisela, tal qual uma mãezona, pouco convencional, fez recomendações que fumasse o primeiro cigarro para agüentar a seco o longo trajeto. Era uma ex-fumante pra lá de compreensiva.
David fazia vinhos caseiros e bebê-los juntos crescia o teor do álcool, da conversa e da amizade. 
Fui para o primeiro dia de aula como todo adolescente em primeiro dia: nervoso. Fiz testes e cai em uma classe com mexicanos, suíços, japoneses, franceses e pasmem, muitos da mesma idade, mais velhos e alguns mais novos que eu.
Fiquei amigo de Jun, um coreano 17 anos mais novo, às vezes 16 quando desconsiderava o hábito de seu país de contar a idade pelo início da gravidez. De Jüerg, um suíço de coração tão grande quanto sua criatividade, que inventava palavras em inglês, misto do seu francês e nosso português, como "lagost", para me convidar a comer e "egoist", quando não podia ir. Do Brasil, o grande amigo até hoje é o Mário.

Fiz uma volta ao mundo em 40 dias. Fui à Europa, à Ásia e ao passado. A idade ficou em quarentena.

Vivi esses dias dando risadas que são mais freqüentes quando a maior preocupação na vida é a escolha da marca da cerveja no boteco.É um tempo em que as amizades que surgem, tem a juventude como promessa de eternidade.

Sai do Brasil com 40 e voltei renovado no idioma e no coração.

Canadá, me aguarde! Quando chegar aos 80, vou de novo e só volto com 30.
Mário, eu e Juerg no Hard Rock Cafe
Jun e eu em Vancouver
Quem é Milton?
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