AGRIÃO EM
PANE
Era a primeira viagem do casal: Argentina.

Novinhos de tudo. Cheios de planos e de vontade de tudo dar certo. Ele não parava de pensar em tango, ela, em cashmere. Ele, no delicioso churrasco com
papas fritas e ela, em manter a forma.

Foram ao restaurante. Ele, delicado, deixa por conta dela a escolha do prato.

"Uma saladinha de agrião para dois", ela diz para o garçom.

Agrião?, ele arregala os olhos e faz a costumeira careta de quando pensa em agrião. Sente um pavor que só entende quem odeia agrião, mas está apaixonado.

Era a primeira viagem a dois. Era para dar certo. Mas agrião?
Se fosse alface, rúcula, ou até mesmo grama... Mas agrião?

Ela ainda tropeçou no "erre" para colocar um quê castelhano no nome da folha e saiu
agrrião, conferindo charme àquele verde horroroso.

Agrião se rumina, ele pensou; ela, não. Ela cortava pequenininho e comia fazendo biquinho. Era tão charmoso, algo irresistível, mesmo para quem está engolindo agrião.

E quem - diga-me quem? - na mais santa honestidade, teria dito a um passarinho, no primeiro passeio a dois, “ok, pode pedir qualquer coisa
menos agrião”? Até jiló ele encarava. Mas cadê coragem de negar o pedido da amada.

Quando viu aquele saladão verde como pasto, foi difícil. E ela ali, delicadinha. E ele, com o prato cheio, falando como doido para evitar a salada.

"Não vai comer?”, ela perguntou.
Ele arriscou. Colocou na boca só o cabo. O resto virou uma barba verde no queixo. Ela riu e baixou os olhos. Ele engoliu.

Ela se distraiu e ele pegou dois ou três raminhos e enfiou no arranjo de mesa: margaridas, crisântemos e agrião. Por pouco não foi pego no flagra. Fingiu estar arrumando o tal arranjo.

“Lindo vaso”, ele disse.
“Verdinho”, ela completou.
Ela no verde e ele completamente vermelho.

A mão suava.

Aproveitou enquanto ela dava uma garfada distraída, pegou um tanto do agrião e enfiou nos bolsos da calça. O suor fez grudar um ramo que, quando levou a mão aos cabelos, alojou-se atrás da orelha.

Ele não percebeu. Ela não tirava os olhos.
Ele foi checar para onde ia aquele olhar fixo e achou o agrião.

"Arruda", ele disse. "Tira mau-olhado, qualquer inveja desse amor que vai durar para sempre", e se beijaram.

Os dois se casaram logo depois dessa viagem à Argentina e são casados até hoje.

Ela nunca perguntou, mas ele nunca mais viu agrião pela frente.
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