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Vida no campo é divertida. Vida no campo é divertida, pelo menos no começo.

Você sai de uma poluída São Paulo ansioso para um final de semana a céu aberto e mesmo que não perceba, respira, ou finge respirar melhor, tão logo o carro saia dos limites da cidade. Não sei em outras metrópoles, mas é assim que começa a aventura do desbravador paulistano.

Chega sexta-feira e ele decide ir com a família para aquela pousada que hospedou seus sonhos nos cinco dias anteriores. E aí é sexta, e sexta é dia de trânsito pesado, de enfrentar as marginais do Pinheiros e do Tietê, que como são rios, nosso Tarzã de terno e gravata, ganha ares de piloto em pleno Amazonas, numa embarcação que na verdade tem quatro rodas, direção hidramática, CD player e ar condicionado.

Alguns quilômetros mais tarde, ele olha para o céu e quando o percebe mais claro, insiste: “olha como está estrelado”. É Campinas que está chegando ou São José dos Campos. Mas o desbravador é teimoso. Tem um lado Robson Crusoé, incontrolável, que começa a tomar forma tão logo ele entre numa estrada paralela a caminho daquela pousada que fica em meio ao mato, com toda infra-estrutura, mas em meio ao mato.

“E não tinha TV a cabo”, ele vai contar orgulhoso na volta aos amigos.

“No café da manhã”, ele exagera, “a gente comia o que caçava”. Essa, só quem é da nossa capital consegue entender.

Deixe-me tentar explicar. Como eu disse anteriormente, sexta-feira é dia de congestionamento pesado. Isso significa três horas para sair da cidade, mais três na rodovia principal, umas duas no caminho alternativo até chegar a uma cidade adormecida, lá pelas quatro da manhã, que é hora de acordar e não de dormir.

Sem referência, mais uma meia hora para achar a pousada, acordar o dono, encontrar a cama, e despedir-se do humor, se é que ainda lhe resta algum. São quase cinco da matina. No dia seguinte, lógico que o horário de acordar se transfere para depois do meio-dia, quando o café da manhã, incluso na diária, já era.

Então é um tal de
caçar uma padaria que ainda tenha pão fresco, caçar um boteco em que o café não esteja requentado, caça daqui, caça dali, até que nosso aventureiro alimentado e revigorado, decide visitar uma tal cachoeira que fica a uns quinze quilômetros de terra. Ou seja, umas três horas estragando o carro, depois a roupa até que acaba por estragar mais uma vez o humor.

Ele volta para a pousada e está p... da vida, mas nega!

Ecologistas, me perdoem, mas  me digam se isso não é verdade?

Eu mesmo sou um pouco assim. Eu me lembro que, ainda pequeno, numas férias no campo, fiz um pacto com o verde de que sempre que estivéssemos juntos faria um brinde à natureza. Eu devia ter uns sete ou oito anos, fechei os olhos e fiquei sentindo o vento bater no rosto e o perfume das árvores encherem os pulmões de alegria. É tudo o que você pode imaginar para que um sujeito quando adulto torne-se o maior amante do ecoturismo. Engano seu. Ou pior ainda, engano meu.

Continuo a amar a natureza, mas quando num jantar em noite quente na varanda, um inseto misto de barata e alguma coisa pré-histórica se aconchega sobre a salada, e eu não sei o que é alface e o que é asa, não é pra mim.

Pra mim, campo é sinônimo de inseto e inseto, só em comercial de aerosol. Melhor ainda se for um comercial que use duble como aqueles de dentadura que, por questões estéticas, substituem a falsa arcada dentária por um círculo de plástico azul. Só assisto a comercial de inseticida se os insetos de verdade forem substituídos por de plástico e sem movimento.

Respeito formigas que são trabalhadoras e coisa e tal. Gosto de abelhas, que além de trabalhadoras, fazem mel, que eu adoro. E quem não fica doido por joaninhas, que parecem bicho de desenho animado.

Mas qualquer outra coisa que passe a cinqüenta centímetros dos meus dois pés e que ele próprio tenha mais de quatro pés, não gosto.

Uma vez, um canadense me perguntou “é verdade que existem baratas no Brasil e elas entram voando pela janela?” Ele tinha um olhar de filme de King Kong. Tive vontade de mentir, dizer que não, que era lenda como a do Boitatá ou da Cuca.

Por mim, jogava uma bomba atômica sobre elas, mas pelo que dizem, até a isso elas resistem. Vai ser bicho ruim no inferno, no Brasil ou em qualquer país de clima quente.

Por essas e outras que penso que não sou muito de mato. Gosto mesmo de área verde. Vida a céu aberto? Prefiro teto retrátil. Vento na cara? Sou mais um ar condicionado.

Ecoturismo? Tô fora. Pra mim, o que é bom mesmo é o egoturismo.
Sabe como funciona? Você entra num hotel cinco estrelas, vem um sujeito e carrega sua mala; você dá um gole do vinho e logo vem alguém o serve de mais; vai se deitar e encontra um bombom sobre o travesseiro. Que ego não ficaria lá em cima?

Nem precisa ir tão longe. Fico feliz até mesmo numa lojinha dessas de R$1,99. É entrar e gastar. Faz bem para o ego.

Claro que sou assim sem exageros. Pode me convidar para acampar junto a uma cachoeira, que eu aceito. Só preciso saber se eu encotro um McDonald’s a menos de 500 metros.
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