O X DA REFEIÇÃO

Tem gente que bota os pés no avião e já sente falta da comidinha brasileira. “Vai ter feijão preto e polenta?”, pergunta para a aeromoça que se pergunta de onde saiu aquele tipo. Se a moça ainda for conterrânea, o vôo numa quarta ou sábado, dias sagrados de feijoada, ela sorrirá condescendente: “há muito tempo eu não sei o que é isso...”

Se americana, alemã ou japonesa, vai precisar muito gesto para ela entender que o que foi dito se refere à comida, fome, pança cheia, saudade de Caracu com tremoço para só então obter como resposta: “chicken or beaf”. Pelo ar de estômago vazio daquele que perguntou e não entendeu, ela ainda é simpática e traduz num português tão carregado quanto curry em comida indiana: “freenguu ooou carrny”.

Ou seja, a partir de agora, adeus vatapá e torresmo!

O avião decola e quando você aterriza em qualquer restaurante, o tempero mais próximo vai estar a milhas do que você está acostumado. O mais simples filé a parmegiana ganha ares de bife com molho de melancia, vermelho, mas de melancia. O garçom jura que é de tomate, um tomate grande, mas nunca uma melancia. Você duvida. Busca um saquinho plástico na bolsa, pega uma amostra, traz para exame de laboratório no Brasil e... Negativo. Não é melancia. O laboratório tem um nome americano e você suspeita. É um complô. Só pode ser. Gente da CIA infiltrada na CICA ou vice-versa. É fácil criar uma confusão.

Mas, confuso mesmo é escolher o prato em países exóticos num menu que parece ter sido psicografado em iídiche por um polaco bêbado e no lugar das letras existem rabiscos.

Você ainda procura qualquer coisa que pareça uma vogal entre duas consoantes. Nada! O negócio é pedir pelo número (por sorte, o cardápio tem números).

"Vou apostar no 17", diz para o garçom. E torça para que não dê o cachorro, pois a sorte vai estar lançada e da cozinha poderá vir qualquer coisa de fígado de iguana a cérebro de macaco, inclusive o pobre totó, parente distante do poodle do seu vizinho, mas um totó, considerado iguaria em alguns rincões asiáticos.

Mesmo para quem tem um inglês razoável, um cardápio ainda pode vir cheio de surpresas. Seu olho segue faminto em busca de um termo fácil que o alimente.

Salvo pelo gongo: tem um prato que tem cheese e, como cheese você sabe que é queijo, vai ser esse mesmo. Como sua pronúncia não é das melhores, lembra-se que cheese no Brasil, virou X, de X-salada, X-maionese, e você opta por desenhar no guardanapo um X acompanhado de bacon.

A moça grita.

(A tempo: X -  pronuncia-se
eks - pode se relacionar a algo pornográfico como X-rated para classificar filmes de cinema)

E você é o louco que acaba de pedir um bacon proibido para menores.
Como percebe o clima de mal-entendido, pede para trocar o bacon por salsicha. E como salsicha em inglês você não tem a menor idéia como se fala, tenta explicar a ela com as mãos.

É quando ela chama a polícia e você vai parar no xadrez.  E não é no frango xadrez que, mesmo se fosse, não seria jamais igual ao daqui.

Comer nos Estados Unidos é sempre um problema. Não que não existam coisas boas por lá, porque existem. Sou apaixonado por
cheesecake. Sinto água na boca só de pensar na Caeser’s salad ou na coleslaw. O que não tem é o jeitinho brasileiro.

Se você chega no fast-food e pede o número 1, é número 1 que você irá ter: sem tirar, nem por. Exceto quando quem pedia era a minha mãe. Ela abalava a rigidez da economia e quando voltava ao Brasil era possível ouvir um “ufa” de alívio dos gringos de lá. Isso porque minha mãe não se intimidava, chegava no balcão e dizia para o atendente “o pão, eu quero sem gergelim, please”

Como assim, sem gergelim? Afinal eu, você, minha mãe e metade da população de São Paulo, o que dirá da terra do Tio Sam, saibamos e ainda sabemos que para abraçar dois hamburgers, alface, queijo, molho especial, cebola, picles só o pão com gergelim. E, nunca, sem gergelim.

“Pois é”, minha mãe dizia como se não soubesse o que o comercial ensinou, a TV martelou, a memória não deixou esquecer, e insistia “sem gergelim, por favor”. O atendente abria um olho maior que seu atraso de cinco segundos dos precisos 30 segundos que eram reservados ao atendimento e prometidos em outro comercial de TV. Só restava chamar o supervisor, que chamava minha mãe de lado e tentava dissuadi-la do pedido estapafúrdio.

Ela explicava “eu gosto daqui, mas não gosto de gergelim”. E o supervisor chamava o gerente, que chamava o franqueado, que chamava o dono da franquia, que sem saber quem chamar, ligava para um amigo do Pentágono que ligava para Casa Branca: “Gergelim is a problem, Mr. President”

O Busch ou um presidente similar qualquer respondia: “Gergelim? Gergilim? Gergilim?”, tentando puxar pela memória, “Where is it? Near Bagda? Melhor checar se tem armas químicas por lá?”

Minha mãe ainda fazia pior quando pedia Nuggets:
“posso pegar dois tipos diferentes de molho?”
Era motivo para outra Guerra Mundial.