TORONTO MAIS UMA VEZ - 1.a Parte
Por Milton Faro
Ir mais uma vez a Toronto não é repetir o passeio, é conhecer uma nova Toronto. Escrever sobre ela é a mesma coisa. Estive lá pela primeira vez em 1995. A última, aconteceu há dois meses. Toronto é tipo de cidade que sempre reserva uma surpresa, ao vivo ou ao ler sobre ela.
         Não é novidade para quem conhece Toronto, que a CN Tower, idealizada por empresas do ramo ferroviário, se tornou símbolo da cidade e domina seu perfil de metrópole com uma grandiosidade de tirar o chapéu. Para quem vai de elevador ao topo, tira também o fôlego. Numa velocidade de 22km/hora, em menos de um minuto, Toronto vai estar aos seus pés e seu astral lá no alto. Visitar o mirante é perceber que a torre é de longe (muito longe) a mais exemplar estrutura arquitetônica do gênero. Ou seja, pode ser que existam outros monumentos, outros prédios, outras construções mais altas que a CN Tower, mas nenhuma delas é tão imponente e construída sobre um único alicerce, que deixa um enorme vão livre, e põe livre nisso, entre seus pés e o calafrio que dá quando lááááá em cima você caminha sobre um chão de vidro, se tiver coragem, estômago, e pagar algo em torno de 20 dólares canadenses.
         
          Mas, não se assuste aquele que tem medo de altura. Por sorte, 98% da área não é de vidro. De vidro e vidro bem grosso é só um pedacinho de uma área transparente para dar o gostinho (ou o desgostinho) de caminhar “sem chão” a 342 metros do solo. Risadas nervosas serão difíceis de controlar, mesmo sabendo que ali é terra firme, num aparente vácuo suspenso, mas muito firme. O canadense é exagerado em segurança e extrapolou as normas de construção para garantir que aquele chão não quebre nem que 14 hipopótamos dancem flamenco sobre ele. E a referência não é exagero. É a verdade. Seu grau de resistência equivale ao peso de 14 hipopótamos. 
         
          Se nada disso o convencer a correr o risco e o medo de alturas não lhe permitir nem chegar perto, não precisa. Tem chão firme que leva você a admirar a vista de qualquer um dos lados da torre, à lojinha, aos banheiros, à lanchonete, ao Skypod (um mirante ainda mais alto), ou a tomar um drinque especial no barzinho. Se sua sede maior é por novidade: tem outra parte do chão que os construtores optaram por ser diferente. Embora de ferragem, carpete e nada de vidro, traz uma deliciosa sensação: gira. O chão gira devagarinho, mas gira. Assustado com a idéia? Não precisa. Seu giro é só um convite a dar uma voltinha em outro ponto turístico da torre.
         O restaurante da CN Tower é famoso por uma carta de vinhos que mais parece um relatório porque exagera em oferecer 500 opções de deliciosas marcas. A comida também é divina, talvez porque naquela altura seja preparada mais próxima aos céus.
          Batizado de “360º”, o restaurante não ganhou esse nome á toa. O primeiro gole de vinho pode acontecer com vista deslumbrante para o lago Ontário e o último, olhando diretamente para a Yongue St e seus prédios modernos e envidraçados. Não, você não bebeu demais. Mesmo que a vontade seja grande e oferta etílica gigantesca. Mas, é que acima dessas vantagens gastronômicas e um preço não tão gastronômico assim, o principal diferencial do restaurante é que precisos 72 minutos depois do início da sua refeição, quando cruzar os talheres já com saudade daquele delicioso salmão que estava ali no seu prato 360º atrás, você vai estar de volta ao lago Ontário.        
         O maior restaurante giratório do mundo tem um movimento bastante suave e a sensação é apenas a de um filme maravilhoso sendo projetado à sua volta. E nesse caso: o filme é Toronto - um sucesso de bilheteria. Toronto tem tudo que toda a cidade grande tem, só que com espírito de vila do interior. Essa sensação deve-se primeiro ao canadense que é um povo muito amável e simpático. Nada de tapinhas na costas e inventar logo um apelido para o seu mais novo amigo norte-americano (sim, ele é norte-americano e não é dos Estados Unidos, você acredita? Nem o povo dos Estados Unidos, mas isso é outra história).

          O canadense é simpático mas não tem em sua cultura uma comunicação não-verbal tão chegada como a nossa. Ou seja, entenda que no Brasil, dois dedos de prosa permitem mais outros três numa mão inteira colocada no ombro no outro. Dez minutos de conversa, a gente troca telefone, promete amizade eterna e se despede com abraço. No Canadá, esse tempo é um pouco maior, talvez, oito ou nove anos. E só para a mão no ombro. Se não é assim, é quase assim. Portanto, mesmo que vá encontrar aquela amiga canadense da sua melhor amiga brasileira, controle-se no nosso velho e comum beijinho de “oi, tudo bem?”. Se você for homem, controle-se ainda mais, nem que precise colocar um esparadrapo na boca. “Hi”, ela diz. “Humppfff”, você responde. Ela vai achar estranho, mas tem amigos brasileiros e sabe o quanto somos estranhos.
         
          Ela ouviu falar que no Carnaval, todo mundo anda pelado, e dança e pula até suar vinte litros de cerveja só para beber mais outros vinte. E quando eles me perguntavam como era isso, eu respondia: não sei, eu não pulo Carnaval. Era o mesmo que falar que sou do Polo Sul e não conheço gelo. Quando dizia que nunca tinha visto desfile de escola de samba, a cara era de puro “pera aí, você é mesmo brasileiro?”. Minha origem se confirmava quando após dez minutos de prosa queria me despedir com abraço. Inevitavelmente, meus braços terminavam num cruzamento ao ar livre, as mãos bobas penduradas ao léu  e um canadense recuado a uma distância segura. Mesmo assim, eu ou qualquer turista como eu, é e sempre será bem tratado. Faz parte da educação canadense.
         
          Comigo, esse sentimento de “seja bem-vindo” aconteceu tão logo desembarquei no aeroporto – uma ala nova, por sinal, inaugurada há pouquíssimo tempo e muito caprichada. Ali, ao sair pela porta principal em busca de condução, um habitante local me vendo perdido no rumo ao hotel, não só ofereceu ajuda, como me acompanhou ao ponto do ônibus e ficou por perto para ter certeza de que não erraria o destino. Em terras tropicais, ao menos em cidades com perfil de Rio ou São Paulo, sorry Brasil, isso teria cara de uma nova modalidade de golpe ou assalto. No final só me restaria entregar a carteira ou, no mínimo, uma boa gorjeta. No Canadá, bastou um sorriso. Mais um pouco eu e a esposa descíamos do ônibus para convidar o rapaz para um café e despedir dele daqui a oito anos com um bom e caloroso abraço brasileiro de muito obrigado. Não faltou nem o tchauzinho pela janela. A esposa quase chorou. Eles são legais.
          E estamos falando de um canadense de Toronto, terra de mais de 3 milhões de habitantes, um dos principais polos econômicos do país, cujo povo é considerado pelos do interior como “rude, com pressa e sem modos”, e já que o assunto é linguagem corporal, por favor, faça como eles - para demonstrar que a colocação é apenas ironia, suba e desça seus dedos indicador e médio das duas mãos, duas vezes seguidas na altura dos ombros, como aspas numa linguagem não-verbal que eles adoram usar quando lhes falta papel e lápis.
         
          E, já que o assunto ainda é corpo, num corpo a corpo Canadá - Brasil dá quase empate. Ambos são grandes, ambos são formados por gente simpática, ambos tem gente de todo lugar do mundo. O Canadá é um país irmãozão do nosso e, num aspecto, fica com cara de brasileiro pois abriu (e ainda abre) os braços para deixar seus quase 8 mil quilômetros de costa a costa abraçar diferentes povos de imigrantes que hoje fazem desse simpático Canadá, um delicioso destino de viagem.

          Toronto é somente a porta de entrada para brasileiros. E garanto: é entrar com o pé direito.



Milton Faro já esteve em Toronto mais vezes, tem paixão pelo Canadá e acabou de chegar de lá. Foi trazido à força e só se convenceu porque, tão logo chegou, abriu uma poupança para juntar dinheiro e voltar à Toronto de novo.