Colunas 2006


Coluna "Acelerando no Tempo" - Bobby Rahal

Uma Questão de Competência e Credibilidade

 

Vexame histórico no Texas Motor Speedway.

 

A pergunta que poderíamos fazer após o lamentável boicote ao GP dos Estados Unidos disputado em Indianápolis no ano passado, devido à falta de segurança envolvendo as sete equipes que usam pneus Michelin, a FIA e o Indianapolis Motor Speedway é: se a mesma coisa acontecesse na Champ Car, o que seria da categoria?

Por mais incrível que pareça, algo assim já aconteceu em anos recentes e a solução dada na época foi a pior possível e imaginável. Por essas e outras a Champ Car entrou em decadência e quase acabou.

Os melhores anos para a Champ Car aconteceram certamente na década passada, os anos 1990. Beneficiado pela globalização, pela guerra dos motores, pneus e chassis, os carros se tornaram belos e potentes, com mais de 900 cavalos nos motores. A legião de fãs, alimentada pela expansão das televisões por assinatura e pelo início da Internet crescia e se consolidava. O futuro parecia brilhante.

O nível das corridas e dos pilotos era tão bom que em dado momento a categoria chegava a ser uma ameaça real para a própria Fórmula 1, que mergulhava numa década de profunda crise de talentos, talvez a mais fraca de sua história.

A Champ Car era o campeonato da Cart, presidida desde 1994 por Andrew Craig, um executivo profissional inglês oriundo da área de marketing esportivo e que tinha como idéia expandir a categoria para o mundo.

Com Craig na presidência a Champ Car cresceria de maneira consistente e conquistaria novos mercados, como o Brasil e o Japão. Também sob a batuta de Andrew Craig, a Cart se tornaria uma empresa de capital aberto, com ações negociadas na bolsa de Nova York.

As suas intenções poderiam ser boas e as suas decisões ousadas, mas ele acabaria renunciando no ano 2000, quando algumas dificuldades para a categoria como a diminuição do número de equipes na Champ Car e o interesse pela Indy 500 por parte de algumas equipes e a falta de pilotos norte-americanos começavam a se tornar incômodas.

Em seu lugar assumiu interinamente Bobby Rahal, dono de uma das principais equipes da Champ Car na época. Conforme se viu, Rahal pode ter sido excelente piloto e excelente dono de equipe, mas como presidente da Cart cometeria erros que colocariam a categoria em xeque. Nos poucos meses na presidência, Rahal montou o calendário da categoria para o ano 2001, com a inclusão de corridas no México (Fundidora Park, em Monterrey), na Inglaterra (Rockingham), na Alemanha (Eurospeedway, em Lausitz) e no Texas Motor Speedway.

Utilizando a sua amizade e influência, Bobby Rahal conseguiu convencer Bruton Smith, o poderoso dono da Speedway Motorsports Inc., a promover uma corrida da Champ Car no Texas Motor Speedway, uma pista oval perigosa e rapidíssima de 1,5 milhas de extensão e 24 graus de inclinação nas curvas, algo inédito para aquelas poderosas máquinas de 900 cavalos da moderna Champ Car. Em 11 de julho de 2000 era anunciada a prova no Texas Motor Speedway.

É óbvio que a notícia soou como uma bomba, pois até então o Texas Motor Speedway, inaugurado em 1997, tinha sido o reduto da Nascar e da IRL. Seria uma enorme chance de correr no mesmo circuito que essas categorias e mostrar ao público o que era correr rápido de verdade. Isso sem contar expandir a área de influência da categoria para a cobiçada região de Dallas/Forth Worth, no Texas.

A Champ Car da época sabia muito bem correr e dar um grande espetáculo em superspeedways. O desenvolvimento de um apêndice aerodinâmico na asa traseira chamado Handford Device tornavam as corridas da Champ Car nos superspeedways de Michigan e de Fontana verdadeiramente eletrizantes, com finais cinematográficos. Os fãs fervilhavam de entusiasmo e excitação. Tinha tudo para ser uma prova para entrar para a história e entrou mesmo. Da pior forma possível.

Em Novembro de 2000 assumiria um novo presidente da Cart no lugar do temporário Bobby Rahal: era Joe Heitzler, oriundo da área de esportes na televisão. Heitzler faria a pior administração da história da Cart e quase a destruiria antes de ser demitido e entregá-la a Chris Pook, em dezembro de 2001.

Mas o calendário da Champ Car para 2001, montado por Bobby Rahal, seria divulgado naquele mesmo mês de novembro de 2000. A corrida no Texas Motor Speedway teria 600 km de extensão e aconteceria dia 29 de abril de 2001.

Em 18 de dezembro de 2000 o piloto sueco Kenny Brack, da equipe de Bobby Rahal, completaria os primeiros testes com um carro da categoria no circuito. Posteriormente, em 23 de fevereiro de 2001, vários pilotos e equipes testaram no circuito: Dario Franchitti (Green), Maurício Gugelmin e Scott Dixon (PacWest), Hélio Castro Neves (Penske) e Tora Takagi (Walker). Nada de anormal relatado, tudo parecia perfeito e maravilhoso.

Os promotores por sua vez fizeram a sua parte com louvor e o evento ganhou patrocinadores de peso: o nome da corrida seria Firestone Firehawk 600 presented by Pioneer. Foram vendidos algo em torno de 57.000 a 70.000 ingressos para a prova inaugural no Texas Motor Speedway, o que credenciava o evento a ser um sucesso retumbante.

Os carros foram então para o Texas na semana da corrida e durante os treinos de sexta e sábado, alguns estranhos acidentes começaram a acontecer. O mais violento foi com o carro de Maurício Gugelmin, que perdeu o controle na curva 1 do circuito e bateu muito forte. Segundo Gugelmin, ele havia sentido uma forte tontura que o havia levado a perder o controle do carro.

Os médicos da Cart começaram a receber uma série de queixas dos pilotos referentes a essa misteriosa tontura e concluíram ser ela resultante das elevadas forças centrífugas provocadas pelas curvas de alta inclinação do circuito quando os carros as percorriam em alta velocidade. O problema principal era que a pista possuía curvas longas e retas curtas. Ao percorrer as curvas o sangue do piloto tendia a ir todo para um lado do corpo e o trecho de reta seria insuficiente para que ele retornasse e o piloto se recuperasse antes da próxima curva.

Com isso a realização da corrida ficou ameaçada. Os carros eram excessivamente rápidos para o circuito, já que percorriam as curvas a velocidades da ordem de 235 milhas por hora (378 km/h). Se algo não fosse feito, poderia acontecer acidentes muito graves na corrida.

De qualquer forma os treinos oficiais para a definição do grid foram realizados e o Kenny Brack marcou a pole position para a corrida do domingo.

Mas os médicos foram irredutíveis. Se a corrida fosse realizada naquelas condições, seria obrigatório dar bandeira amarela a cada 20 voltas para reduzir a velocidade dos carros e permitir a recuperação dos pilotos. Ou isso ou então a corrida teria que ser cancelada.

As negociações entre a Cart e os organizadores se arrastaram sem que ninguém soubesse se haveria ou não a corrida. A largada foi atrasada em duas horas, para posteriormente ser anunciado o adiamento da corrida sem data definida. Então, 22 dias depois, a Cart anunciaria o cancelamento definitivo do evento.

Na época alguns chegaram até a elogiar a atitude dos médicos e dos pilotos da Champ Car pela sua suposta coragem de evitar um risco desnecessário que poderia ser até mortal. Mas alguém pensou no público que compareceu ao evento ou que assistia pela televisão e saiu frustrado do episódio? Havia algumas alternativas que não a Cart preferiu não seguir.

Os motores da Cart são turbocomprimidos e possuem uma válvula que se abre e limita a pressão do turbo a um determinado valor. Se a categoria tivesse tomado a providência de alterar a abertura da válvula, diminuindo a potência e alterando a programação eletrônica dos motores, a corrida não poderia acontecer com os carros andando mais devagar? Afinal de contas a IRL corria ali também a velocidades que na época quase batiam nas 230 milhas por hora.

E por outro lado a corrida não poderia ter sido reprogramada para o circuito misto do Texas Motor Speedway, que aproveita parte do miolo do circuito? Os carros estavam com configuração para superspeedways, com pouquíssima asa, mas eles não são pilotos profissionais muito bons? Então que se virassem assim mesmo no circuito misto. Ia ser muito engraçado.

Realmente nada disso foi feito e nenhuma alternativa foi dada aos organizadores senão cancelar a prova. Um atestado da incompetência e incapacidade da direção da Cart da época. Ela nada fez para diminuir a velocidade dos carros e salvar o evento e ele foi cancelado de maneira vexatória.

Sem uma solução, os organizadores entraram com uma ação judicial contra a Cart exigindo uma indenização de mais de 2 milhões de dólares pelos prejuízos sofridos e obviamente ganharam a causa, com um acordo firmado em 16 de outubro daquele mesmo ano.

Depois desse fiasco, a Champ Car nunca mais retornaria ao estado do Texas (até 2006) e sua relação com a Speedway Motorsports Inc., dona do Texas Motor Speedway, ficou bastante abalada. Uma corrida num circuito dessa corporação só aconteceria novamente em 2004, com a prova no Las Vegas Motor Speedway.

Houve também uma grande perda de credibilidade junto ao público local, que passou a ostentar cartazes xingando e ironizando a Champ Car e os seus pilotos nas provas que a IRL disputou no mesmo circuito. Dá para calcular o que aconteceu com o preço das ações da Cart na Bolsa de Nova York a partir dali?

O certame entraria então em parafuso com decisões erradas, prejuízos e muitas trapalhadas. Ela desceria até o fundo do poço, culminando com a falência e a extinção ao final da temporada de 2003. Das suas cinzas surgiria a atual Champ Car, capitaneada pela OWRS de Kevin Kalkhoven, Gerry Forsythe e Paul Gentilozzi.

Esta é uma página negra na história da Champ Car e que se repetiu de maneira parecida com a Fórmula 1 em Indianápolis.

Que lições tirar disso tudo? Que segurança é fundamental e expor-se a riscos desnecessários é irracional. Mas por que deixaram para descobrir isso só na véspera da corrida e por que não se tomaram as providências necessárias para salvar a corrida, para não haver desrespeito ao público pagante? Quem está à frente do negócio está lá para pensar em soluções e para que a credibilidade e a imagem desse negócio sejam mantidas a todo custo.

Os prejuízos que a Cart teve com a sua prova cancelada de 2001 contribuíram para o seu fim. Estaria agora a sobrevivência da atual Fórmula 1 por um fio nos Estados Unidos depois do fiasco do GP de Indianápolis? Só o tempo dirá, mas que a incompetência demonstrada em ambos os casos dói, isso dói e muito.

 

Um abraço, cuidem-se bem e tenham uma grande semana!

 

Bobby Rahal
bobby-rahal@bol.com.br                                                                                           

 

 

Uso o nick de “Bobby Rahal” mas devo dizer que nem fã dele eu sou e muito menos sósia. Esse nick surgiu quando eu era forista do saudoso fórum Warmup (do site do Flavio Gomes) e um colega meu (esse sim um careca sósia do Bobby Rahal) postou no fórum Warmup com esse nick e foi embora deixando o cadastro feito. Sendo assim, já que estava cadastrado mesmo, continuei usando o nick até que o fórum Warmup acabou. Fui para o fórum SuperLicença e me cadastrei como “Bobby Rahal”, já que estava acostumado com o nick e assim permaneço até hoje com ele.

 

 

 

Voltar


 

Copyright© 2005 Champ Car Brasil.