Coluna "Acelerando no
Tempo"
- Bobby Rahal
Uma Questão de Competência e Credibilidade
Vexame histórico no
Texas Motor Speedway.
A pergunta que
poderíamos fazer após o lamentável boicote ao GP dos Estados Unidos
disputado em Indianápolis no ano passado, devido à falta de
segurança envolvendo as sete equipes que usam pneus Michelin, a FIA
e o Indianapolis Motor Speedway é: se a mesma coisa acontecesse na
Champ Car, o que seria da categoria?
Por mais incrível que pareça, algo assim já aconteceu em anos
recentes e a solução dada na época foi a pior possível e imaginável.
Por essas e outras a Champ Car entrou em decadência e quase acabou.
Os melhores anos para a Champ Car aconteceram certamente na década
passada, os anos 1990. Beneficiado pela globalização, pela guerra
dos motores, pneus e chassis, os carros se tornaram belos e
potentes, com mais de 900 cavalos nos motores. A legião de fãs,
alimentada pela expansão das televisões por assinatura e pelo início
da Internet crescia e se consolidava. O futuro parecia brilhante.
O nível das corridas e dos pilotos era tão bom que em dado momento a
categoria chegava a ser uma ameaça real para a própria Fórmula 1,
que mergulhava numa década de profunda crise de talentos, talvez a
mais fraca de sua história.
A Champ Car era o campeonato da Cart, presidida desde 1994 por
Andrew Craig, um executivo profissional inglês oriundo da área de
marketing esportivo e que tinha como idéia expandir a categoria para
o mundo.
Com Craig na presidência a Champ Car cresceria de maneira
consistente e conquistaria novos mercados, como o Brasil e o Japão.
Também sob a batuta de Andrew Craig, a Cart se tornaria uma empresa
de capital aberto, com ações negociadas na bolsa de Nova York.
As suas intenções poderiam ser boas e as suas decisões ousadas, mas
ele acabaria renunciando no ano 2000, quando algumas dificuldades
para a categoria como a diminuição do número de equipes na Champ Car
e o interesse pela Indy 500 por parte de algumas equipes e a falta
de pilotos norte-americanos começavam a se tornar incômodas.
Em seu lugar assumiu interinamente Bobby Rahal, dono de uma das
principais equipes da Champ Car na época. Conforme se viu, Rahal
pode ter sido excelente piloto e excelente dono de equipe, mas como
presidente da Cart cometeria erros que colocariam a categoria em
xeque. Nos poucos meses na presidência, Rahal montou o calendário da
categoria para o ano 2001, com a inclusão de corridas no México
(Fundidora Park, em Monterrey), na Inglaterra (Rockingham), na
Alemanha (Eurospeedway, em Lausitz) e no Texas Motor Speedway.
Utilizando a sua amizade e influência, Bobby Rahal conseguiu
convencer Bruton Smith, o poderoso dono da Speedway Motorsports
Inc., a promover uma corrida da Champ Car no Texas Motor Speedway,
uma pista oval perigosa e rapidíssima de 1,5 milhas de extensão e 24
graus de inclinação nas curvas, algo inédito para aquelas poderosas
máquinas de 900 cavalos da moderna Champ Car. Em 11 de julho de 2000
era anunciada a prova no Texas Motor Speedway.
É óbvio que a notícia soou como uma bomba, pois até então o Texas
Motor Speedway, inaugurado em 1997, tinha sido o reduto da Nascar e
da IRL. Seria uma enorme chance de correr no mesmo circuito que
essas categorias e mostrar ao público o que era correr rápido de
verdade. Isso sem contar expandir a área de influência da categoria
para a cobiçada região de Dallas/Forth Worth, no Texas.
A Champ Car da época sabia muito bem correr e dar um grande
espetáculo em superspeedways. O desenvolvimento de um apêndice
aerodinâmico na asa traseira chamado Handford Device tornavam as
corridas da Champ Car nos superspeedways de Michigan e de Fontana
verdadeiramente eletrizantes, com finais cinematográficos. Os fãs
fervilhavam de entusiasmo e excitação. Tinha tudo para ser uma prova
para entrar para a história e entrou mesmo. Da pior forma possível.
Em Novembro de 2000 assumiria um novo presidente da Cart no lugar do
temporário Bobby Rahal: era Joe Heitzler, oriundo da área de
esportes na televisão. Heitzler faria a pior administração da
história da Cart e quase a destruiria antes de ser demitido e
entregá-la a Chris Pook, em dezembro de 2001.
Mas o calendário da Champ Car para 2001, montado por Bobby Rahal,
seria divulgado naquele mesmo mês de novembro de 2000. A corrida no
Texas Motor Speedway teria 600 km de extensão e aconteceria dia 29
de abril de 2001.
Em 18 de dezembro de 2000 o piloto sueco Kenny Brack, da equipe de
Bobby Rahal, completaria os primeiros testes com um carro da
categoria no circuito. Posteriormente, em 23 de fevereiro de 2001,
vários pilotos e equipes testaram no circuito: Dario Franchitti (Green),
Maurício Gugelmin e Scott Dixon (PacWest), Hélio Castro Neves
(Penske) e Tora Takagi (Walker). Nada de anormal relatado, tudo
parecia perfeito e maravilhoso.
Os promotores por sua vez fizeram a sua parte com louvor e o evento
ganhou patrocinadores de peso: o nome da corrida seria Firestone
Firehawk 600 presented by Pioneer. Foram vendidos algo em torno de
57.000 a 70.000 ingressos para a prova inaugural no Texas Motor
Speedway, o que credenciava o evento a ser um sucesso retumbante.
Os carros foram então para o Texas na semana da corrida e durante os
treinos de sexta e sábado, alguns estranhos acidentes começaram a
acontecer. O mais violento foi com o carro de Maurício Gugelmin, que
perdeu o controle na curva 1 do circuito e bateu muito forte.
Segundo Gugelmin, ele havia sentido uma forte tontura que o havia
levado a perder o controle do carro.
Os médicos da Cart começaram a receber uma série de queixas dos
pilotos referentes a essa misteriosa tontura e concluíram ser ela
resultante das elevadas forças centrífugas provocadas pelas curvas
de alta inclinação do circuito quando os carros as percorriam em
alta velocidade. O problema principal era que a pista possuía curvas
longas e retas curtas. Ao percorrer as curvas o sangue do piloto
tendia a ir todo para um lado do corpo e o trecho de reta seria
insuficiente para que ele retornasse e o piloto se recuperasse antes
da próxima curva.
Com isso a realização da corrida ficou ameaçada. Os carros eram
excessivamente rápidos para o circuito, já que percorriam as curvas
a velocidades da ordem de 235 milhas por hora (378 km/h). Se algo
não fosse feito, poderia acontecer acidentes muito graves na
corrida.
De qualquer forma os treinos oficiais para a definição do grid foram
realizados e o Kenny Brack marcou a pole position para a corrida do
domingo.
Mas os médicos foram irredutíveis. Se a corrida fosse realizada
naquelas condições, seria obrigatório dar bandeira amarela a cada 20
voltas para reduzir a velocidade dos carros e permitir a recuperação
dos pilotos. Ou isso ou então a corrida teria que ser cancelada.
As negociações entre a Cart e os organizadores se arrastaram sem que
ninguém soubesse se haveria ou não a corrida. A largada foi atrasada
em duas horas, para posteriormente ser anunciado o adiamento da
corrida sem data definida. Então, 22 dias depois, a Cart anunciaria
o cancelamento definitivo do evento.
Na época alguns chegaram até a elogiar a atitude dos médicos e dos
pilotos da Champ Car pela sua suposta coragem de evitar um risco
desnecessário que poderia ser até mortal. Mas alguém pensou no
público que compareceu ao evento ou que assistia pela televisão e
saiu frustrado do episódio? Havia algumas alternativas que não a
Cart preferiu não seguir.
Os motores da Cart são turbocomprimidos e possuem uma válvula que se
abre e limita a pressão do turbo a um determinado valor. Se a
categoria tivesse tomado a providência de alterar a abertura da
válvula, diminuindo a potência e alterando a programação eletrônica
dos motores, a corrida não poderia acontecer com os carros andando
mais devagar? Afinal de contas a IRL corria ali também a velocidades
que na época quase batiam nas 230 milhas por hora.
E por outro lado a corrida não poderia ter sido reprogramada para o
circuito misto do Texas Motor Speedway, que aproveita parte do miolo
do circuito? Os carros estavam com configuração para superspeedways,
com pouquíssima asa, mas eles não são pilotos profissionais muito
bons? Então que se virassem assim mesmo no circuito misto. Ia ser
muito engraçado.
Realmente nada disso foi feito e nenhuma alternativa foi dada aos
organizadores senão cancelar a prova. Um atestado da incompetência e
incapacidade da direção da Cart da época. Ela nada fez para diminuir
a velocidade dos carros e salvar o evento e ele foi cancelado de
maneira vexatória.
Sem uma solução, os organizadores entraram com uma ação judicial
contra a Cart exigindo uma indenização de mais de 2 milhões de
dólares pelos prejuízos sofridos e obviamente ganharam a causa, com
um acordo firmado em 16 de outubro daquele mesmo ano.
Depois desse fiasco, a Champ Car nunca mais retornaria ao estado do
Texas (até 2006) e sua relação com a Speedway Motorsports Inc., dona
do Texas Motor Speedway, ficou bastante abalada. Uma corrida num
circuito dessa corporação só aconteceria novamente em 2004, com a
prova no Las Vegas Motor Speedway.
Houve também uma grande perda de credibilidade junto ao público
local, que passou a ostentar cartazes xingando e ironizando a Champ
Car e os seus pilotos nas provas que a IRL disputou no mesmo
circuito. Dá para calcular o que aconteceu com o preço das ações da
Cart na Bolsa de Nova York a partir dali?
O certame entraria então em parafuso com decisões erradas, prejuízos
e muitas trapalhadas. Ela desceria até o fundo do poço, culminando
com a falência e a extinção ao final da temporada de 2003. Das suas
cinzas surgiria a atual Champ Car, capitaneada pela OWRS de Kevin
Kalkhoven, Gerry Forsythe e Paul Gentilozzi.
Esta é uma página negra na história da Champ Car e que se repetiu de
maneira parecida com a Fórmula 1 em Indianápolis.
Que lições tirar disso tudo? Que segurança é fundamental e expor-se
a riscos desnecessários é irracional. Mas por que deixaram para
descobrir isso só na véspera da corrida e por que não se tomaram as
providências necessárias para salvar a corrida, para não haver
desrespeito ao público pagante? Quem está à frente do negócio está
lá para pensar em soluções e para que a credibilidade e a imagem
desse negócio sejam mantidas a todo custo.
Os prejuízos que a Cart teve com a sua prova cancelada de 2001
contribuíram para o seu fim. Estaria agora a sobrevivência da atual
Fórmula 1 por um fio nos Estados Unidos depois do fiasco do GP de
Indianápolis? Só o tempo dirá, mas que a incompetência demonstrada
em ambos os casos dói, isso dói e muito.
Um abraço, cuidem-se bem e
tenham uma grande semana!
Bobby Rahal
bobby-rahal@bol.com.br
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Uso o nick de “Bobby Rahal” mas devo dizer que nem fã dele eu sou e
muito menos sósia. Esse nick surgiu quando eu era forista do saudoso
fórum Warmup (do site do Flavio Gomes) e um colega meu (esse sim um
careca sósia do Bobby Rahal) postou no fórum Warmup com esse nick e
foi embora deixando o cadastro feito. Sendo assim, já que estava
cadastrado mesmo, continuei usando o nick até que o fórum Warmup
acabou. Fui para o fórum SuperLicença e me cadastrei como “Bobby
Rahal”, já que estava acostumado com o nick e assim permaneço até
hoje com ele.
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