Sobre a Grandeza e a Miséria do Homem

Pascal

"O coração tem suas razões, que a razão não conhece". O homem que criou esta frase entre outras tantas chamava-se Blaise Pascal, e nasceu em Clermont, França, a 19 de junho de 1623. Seu pai, Étienne Pascal, era um homem culto, que além dos

seus conhecimentos linguísticos e filosóficos era um destacado matemático. Coletor de Impostos do Rei da França, tinha como desafeto o Cardeal Richelieu, o mesmo imortalizado pela história e pelo célebre conto "Os Três Mosqueteiros" de Alexandre Dumas. Sua mãe, Antoinette Bérjone, faleceu quando Pascal anos; e deixou ainda duas filhas, que se tinha 3

Observando o desenvolvimento de seu filho, Étienne decide educá-lo por conta própria, utilizando-se do fraco argumento de que dificilmente encontraria alguém que pudesse satisfazer as perguntas sempre intrigantes daquele menino. Ensinou-lhe primeiro as letras e o latim e,até quanto o pode, evitou a matemática. Pois, acreditava o sr. Pascal, quando entendida a Ciência das formas, das grandezas e quantidades, da beleza em si e perfeita por excelência, poderia tomar de tal modo uma mente inquiridora como aquela que, achava o pai Pascal, prejudicaria seus outros estudos de línguas, filosofia e religião.

Aos doze anos, depois de muita insistência começou a ler os livros de geometria de Euclides, e quão grande a surpresa ao descobrir que tinha demonstrado algumas de suas proposições - uma delas, a de número 32 - que diz ser a soma dos ângulos internos de um triângulo qualquer igual a 180 graus, pode ser pelo menos demonstrada pelo leitor, fazendo um triângulo qualquer e depois cortando as suas bordas. Colocando um pedaço ao lado do outro obterá uma demonstração da Proposição de Euclides.

Desde então Étienne passa a levar Pascal às reuniões que tinha com os maiores pensadores e cientistas franceses da época: Descartes, Desargues, Mersenne, entre outros. Aos dezesseis assombra a todos com a demonstração do seu chamado "Hexagrama Místico". Afortunadamente existe uma demonstração simples e compreensível deste teorema, talvez um dos mais belos da geometria: desenhe duas linhas L e L' não-paralelas e escolha em cada uma delas três pontos - chamemos de A, B, C e A', B', C' para aproveitar a notação. Pois bem, ligue A com B' e C' , B com A' e C' ,C com A' e B' . Estes 3 pares de retas se interceptam sempre em três pontos que estão sempre em linha reta - o que é um exagero pois para se criar uma reta bastam 2 apenas pontos.

O "Hexagrama Místico" tem também esta propriedade dos 3 pontos e é criado da seguinte forma: escolha uma secção cônica qualquer - círculo, elipse, parábola ou hipérbole.

Na figura marque 6 pontos:A,B,C,D,E,F e una-os, nesta ordem, por linhas retas. Teremos então um hexágono inscrito na secção cônica, em que AB e DE, BC e EF, CD e FA são pares de lados opostos; as intersecções das duas linhas provenientes de cada um destes 3 pares estarão sobre uma outra linha reta.

O "misticismo" do hexagrama vem do fato que a geometria que Pascal exercia não é a geometria convencional dos quadrados e círculos dos prédios e dos carros da vida diária, e sim de uma geometria que só seria estudada profundamente 130 anos depois por um engenheiro de Napoleão - Gaspard Monge - e receberia o nome de Geometria Projetiva ou Descritiva. Se desenhássemos este hexagrama num vidro e projetássemos sua sombra num anteparo com a ajuda de uma lanterna, o círculo viraria uma elipse, ou parábola, e o hexagrama se deformaria, mas os 3 pontos ainda estariam sobre uma linha reta. Pascal ainda trabalharia no campo da Física, e é dele o estudo inicial da pressão do ar a diferentes alturas, algumas delas feitas por seu cunhado Périer, casado com Gilberte, na lua de mel do casal.

Mas por que então um gênio tão promissor, que construiu até a primeira máquina de calcular moderna do mundo (para ajudar seu pai no trabalho), não continuou seus estudos? Não se aprofundou em assuntos tão novos como o da Geometria Projetiva ou da Pressão nos Fluídos? Por que não aperfeiçoou sua máquina de calcular que só fazia somas e subtrações? Neste caso específico, não subestime o leitor a existência de um aparato como aquele, tamanha a facilidade que temos hoje de obter uma maquininha destas de calcular eletrônicas. Naquela época um aparelho como aquele significava nada mais nada menos do que "reduzir a uma máquina uma ciência que se encontra no espírito", algo de fato assombroso. Sabe-se que foi neste período que Pascal encontrou o prazer em vinho e mulheres e a partir daí carregou até o fim da vida o tormento de fortes dores estomacais (dispepsia aguda), que o impediam até de comer, além de insuportáveis dores de cabeça e insônia.

Aos 23 Pascal sofre sua primeira "conversão". Seguidor do Janseísmo, uma dissidência da Igreja Católica, passa a escrever seus pensamentos e volta-se ao próximo. Dizia que "tudo que é objeto da fé não o pode ser da razão e nem a esta submetida", e meditava: "Se o homem não é feito para Deus, por que só se sente feliz em Deus? Se o homem é feito para Deus, por que é tão contrário a Deus?".

A cura duma fístula lacrimal da sua sobrinha, filha de Gilberte, feita por um Santo Espinho que acreditavam pertencer à coroa de Cristo, o fez escrever: "Se há milagres, há algo acima do que denominamos Natureza; a consequência está no bom senso: basta averiguarmo-nos da certeza e da verdade dos milagres".

Sua outra irmã Jacqueline fazia muito sucesso nas rodas de leitura de romances pela sua oratória e inteligência. Entra no convento da mesma seita de seu irmão mas falece tempo depois, um pouco antes do pai, Étienne. A família passa por dificuldades e Pascal parece se amaldiçoar por pensar em ciências e matemática, esquecendo-se por vezes dos seus afazeres e de sua obrigação com Deus. Certa vez escreveu: "O conhecimento de Deus sem o da nossa miséria faz o orgulho. O da nossa miséria sem Jesus Cristo faz o desespero; mas o conhecimento de Jesus Cristo isenta-nos do orgulho e do desespero, por que nele encontramos Deus, único consolador da nossa miséria e único meio de repará-la".

Certa noite uma terrível dor de dente o abala e o deixa sem dormir. Para tentar distrair-se passa a observar o desenho de uma ciclóide, ou seja, a trajetória de um ponto numa roda em movimento, um problema que assombrava os matemáticos da época. Para se ter uma idéia da importância desta curva, ela é ideal para se construir os arcos das pontes e das cúpulas das igrejas; ela também se encontra na barriga da gestante, na casca do ovo, na da tartaruga e no mecanismo interno de relógios de corda.

Confessou Pascal que a dor tinha passado ao estudar a ciclóide e viu nisto um sinal de aprovação divina à volta de seus trabalhos. Passa então a estudar freneticamente mas não conseguiria terminar - falece pouco tempo depois . É uma pena, pois todos os pesquisadores são unânimes em afirmar que Pascal foi o homem que mais perto chegou, junto com seu amigo Fermat, da criação da primeira e mais poderosa ferramenta da Matemática Moderna - o Cálculo, assunto comumente abordado nas Universidades.

Sua irmã Gilberte escreveu um prefácio intitulado "Vida de Pascal", que abre os livros "Pensamentos" e "Cartas Provinciais", donde extraímos algumas das citações. Neste prefácio ela escreve os últimos dias de seu irmão: "Quando nos falava da morte, referia-se ao mesmo tempo a Jesus Cristo, e dizia que a morte, horrível sem Jesus, em Cristo é amável e santa (...) que, em verdade, se fóssemos inocentes, o horror à morte seria razoável, porque, sendo contra a ordem da natureza que o inocente seja punido, seria justo odiá-la quando visse a separar uma alma santa de um corpo santo; mas que era justo amá-la porque separava uma alma santa de um corpo impuro".

Pascal faleceu a 29 de agosto de 1662, aos 39 anos. No seu "Pensamentos" deixou um, de número 346, entre tantos outros que escrevera em pedaços de papel quando lhe vinha a inspiração, ou ditava a alguém quando a dor não o deixava escrever. Assim como muitos outros, como o primeiro que abre este artigo (é de número 277), ele escreveu para os homens e mulheres de seu tempo e para a posteridade: "O pensamento faz a grandeza do homem".