A INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS
DE IMUNIDADE TRIBUTÁRIA -
CONTEÚDO E ALCANCE
IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS - A INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS
I - CONCEITO DE INTERPRETAÇÃO DA NORMA

Interpretar é - a partir da identificação das características de determinado objeto - atribuir-lhe um sentido, apreender-lhe o significado.

Para a aplicação da norma jurídica, é necessário determinar-se seu conteúdo e alcance. “A interpretação é a perfeita relação entre sistemas de signos, pois, ao interpretarmos uma norma, construímos o mesmo pensamento com outro conjunto de signos mais simples.”

A interpretação jurídica é, pois, a conexão entre a linguagem natural e a linguagem normativa. Entretanto, já que as palavras são imprecisas para traduzir a complexidade da realidade – podendo denotar vagueza e ambigüidade, o processo interpretativo está sujeito a determinadas opções que se dão em função de uma atitude psicológica e valorativa do intérprete.

Para alguns autores, dentre eles Larenz, Betti, Gadamer e Esser, a tendência hermenêutica da chamada pós-modernidade é a de que ao exegeta seja dado valer-se de “pré-juízos” ou de “pré-compreensão”, no sentido de juízos antecedentes que dizem respeito à relação do intérprete com o mundo. Isso possibilita a construção de uma “convicção de justiça” calcada na experiência profissional ou técnica, o que pode se constituir uma visão parcial na apreensão do sentido da norma, com base em juízos e valores pessoais do intérprete.

Parte-se do resultado que se quer chegar, com a interpretação da norma, passando-se a justificar o seu enunciado, num processo hermenêutico às avessas.

“Daí, chegamos ao chamado ‘espaço de discricionariedade’ da interpretação:
1) o intérprete tem consciência de que há diferentes significados da norma em questão;
2) a partir de seus ‘sentimentos jurídicos’, formados por valores, experiências e ideologia, faz um ‘pré-juízo’ em torno do significado correto;
3) faz uma análise sobre o contexto textual, utilizando-se das técnicas interpretativas;
4) e, por fim, faz uma opção em que funcionou o contexto textual aliado a outra motivação como sentimento jurídico.

Ao realizar estas operação e realizar uma escolha, o intérprete estará utilizando de discricionariedade, pois lhe foi colocado em pauta opções de escolha, de número proporcional ao contexto da norma.”

Para minimizar-se o risco da discricionariedade na interpretação, a dogmática jurídica exerce um papel de estabilização e uniformidade na prática do Direito, visto que – estando o intérprete vinculado à lei – existe uma certa garantia e certeza jurídicas.

Uma questão a se levantar, preliminarmente, é a do silêncio da norma legal acerca de determinados conceitos não explicitados no texto. Por exemplo, como se interpretar o vocábulo “livro”, sujeito à imunidade nos termos da Constituição Federal vigente? Não obstante pretendamos abordar mais adiante esse caso em particular, há de se esboçar aqui algum raciocínio sobre as razões que ensejaram pinçar-se o conceito “livro” e omitir-se os que lhe equivalham.

“Pode-se procurar e definir a significação de conceitos e intenções, fatos e indícios; porque tudo se interpreta; inclusive o silêncio.”

Afastando-se do texto legal – não se querendo absolutamente prestigiar a interpretação exclusivamente literal, há muito relegada – ao intérprete caberá “empreender um particular esforço de fundamentação, a fim de garantir os limites que a dogmática jurídica impõe à sua decisão,” visto que o próprio silêncio pode implicar um critério de valoração por meio do qual determinadas palavras ficam excluídas do discurso normativo.



II - CRITÉRIOS DE INTERPRETAÇÃO


O capítulo limitar-se-á a uma rápida enumeração dos sistemas de hermenêutica e aplicação do direito, dos critérios interpretativos, bem como de algumas regras, extraídas de doutrinadores, aplicáveis à hermenêutica, dos quais redundarão conclusões na parte final da monografia, quando se discorrerá sobre os limites na interpretação das normas imunizantes.


SISTEMAS DE HERMENÊUTICA E APLICAÇÃO DO DIREITO:

I – CONFORME O PROCESSO:

1) Histórico-Evolutivo: ante a impossibilidade de alterar com intervalos breves os textos positivos, adapta-se o Direito, pela interpretação, às exigências sociais imprevistas, às variações sucessivas do meio. O intérprete não cria prescrições, nem posterga as existentes; deduz nova regra, para um caso concreto, do conjunto das disposições vigentes, consentâneas com o progresso geral;

2) Teleológico: processo que exige a interpretação conforme o fim estimado pelo dispositivo ou pelo Direito em geral ( Rudolf von Jhering);

3) Sociológico: o sistema que obriga o juiz a aplicar o texto de acordo com as necessidades da sociedade contemporânea (Josef Kohler, Alemanha; Francesco Degni e Nicolao Coviello, na Itália).


II - CONFORME A ORIGEM:

(1) Interpretação Autêntica: interpretação que se origina em uma fonte jurídica, o que lhe dá força coativa; emana do próprio poder que fez ato cujo sentido e alcance ela declara;
(2) Interpretação Doutrinal: interpretação que se apresenta como produto da livre reflexão


III – CONFORME OS ELEMENTOS DE QUE SE SERVE:

Não se aceitam denominações impróprias para as interpretações. A interpretação é uma só; não se fraciona: exercita-se por vários processos, aproveita-se de elementos diversos.

Subdivide-se, conforme os elementos de que se serve, em interpretação:

(1) GRAMATICAL ou FILOLÓGICA
(2) LÓGICA, subdividida em:

- Lógica Propriamente Dita;
- Social ou Sociológica.
(3) SISTEMÁTICA.


( 1 ) PROCESSO INTERPRETATIVO GRAMATICAL OU FILOLÓGICO: atende à forma exterior do texto; preocupa-se com as várias acepções dos vocábulos; procura desvendar qual deve ou pode ser o sentido de uma frase, disposição ou norma.

Serão enumeradas, a seguir, algumas regras clássicas relativas à exegese literal, cuja aplicabilidade, atualmente, há de ser verificada:




Regras de Exegese Literal:

1) Cada palavra pode ter mais de um sentido; e acontece também o inverso – vários vocábulos se apresentam com o mesmo significado; por isso, da interpretação puramente verbal resulta ora mais, ora menos do que se pretendeu exprimir. Contorna-se em parte, o escolho referido, com examinar não só o vocábulo em si, mas também em conjunto, em conexão com outros; e indagar do seu significado em mais de um trecho da mesma lei ou repositório. Em regra, SÓ DO COMPLEXO DAS PALAVRAS EMPREGADAS SE DEDUZ A VERDADEIRA ACEPÇÃO DE CADA UMA, BEM COMO A IDÉIA INSERTA NO DISPOSITIVO;

2) No Direito Público são usados os vocábulos no sentido técnico; no Direito Privado, em sua acepção vulgar. “Em qualquer caso, entretanto, quando haja antinomia entre os dois significados, prefira-se o adotado geralmente pelo mesmo autor, ou legislador, conforme as inferências deduzidas do contexto;”

3) Mudado, com o tempo, o sentido de uma palavra, prefere-se o da época em que o texto foi redigido em caráter definitivo, e não o da época em que é interpretado;

4) Vale a presunção de que a lei não contenha palavras supérfluas, devendo todas ser entendidas como escritas para influir no sentido da frase respectiva;

5) Na dúvida, prefere-se o sentido que generaliza o princípio concretizado numa norma, ao invés daquele que importa numa exceção;

6) O lapso, o engano ou a obscuridade na redação não se presume: precisa ser demonstrado claramente;

7) Presume-se que o legislador se esmerou em escolher expressões claras e precisas, com a preocupação mediata e firme de ser bem compreendido e fielmente obedecido. Por isso, em não havendo elementos de convicção no sentido diverso, atém-se o intérprete à letra do texto - De fato, “o abandono da fórmula explícita constitui um perigo para a certeza do Direito, a segurança jurídica; por isso, só é justificável em face de mal maior, comprovado: o de uma solução contrária ao espírito dos dispositivos, examinados em conjunto. As audácias do hermeneuta não podem ir a ponto de substituir, de fato, a norma por outra”

8) O preceito da precisão verbal da norma positiva, entretanto, não é absoluto : deve-se ter em vista as realidades morais, econômicas, sociais, que constituem o “fundo material e conteúdo efetivo da norma jurídica” .

A interpretação literal é apenas um dentre os vários meios de se buscar o correto sentido e alcance da norma jurídica, sendo esse processo exegético “incomparavelmente inferior ao sistemático e ao que invoca fatores sociais”, na lição de Carlos Maximiliano .



( 2 ) PROCESSO INTERPRETATIVO LÓGICO: é o processo segundo o qual parte-se do simples estudo das normas jurídicas, em si, ou em conjunto, e – por meio de raciocínio dedutivo – obtém-se a interpretação correta.

Em conclusão, os extremos atribuídos à interpretação essencialmente rígida e dogmática da exegese filológica são tão perniciosos quanto aos excessos dos contemporâneos hermeneutas lógicos que, como Maximiliano sublinha, são “arrastados pelo entusiasmo pelos elementos sociológicos, erram e resvalam ao julgamento independente dos códigos, aos arestos praeter e contra legem.”

Os vários processos, gramatical e lógico, completam-se reciprocamente, contribuindo todos os elementos para a maior aproximação do ideal de verdade, na escorreita interpretação da norma jurídica.


( 3 ) PROCESSO INTERPRETATIVO SISTEMÁTICO: consiste em comparar o dispositivo interpretado, com outros do mesmo repositório normativo ou de leis diversas, relativamente ao mesmo objeto.

O Direito positivo não é um conglomerado caótico de preceitos, sendo uma vasta unidade de normas interdependentes, fixadas cada qual em seu lugar próprio. Dos princípios jurídicos gerais deduzem-se os corolários: uns e outros se condicionam e se restringem reciprocamente, operando, porém, em campos diversos. O exame conjunto de um dispositivo, pois, implica na análise de todos os princípios aplicáveis ao caso, na criteriosa decisão de se a adoção de um não violará outro, na apreensão do sentido dos vocábulos, “bem como se um dispositivo deve ser tomado na acepção ampla, ou na estrita, como preceito comum, ou especial.”


A seguir, enumeramos algumas regras gerais de interpretação clássicas e outras relativas à tributação, de forma exemplificativa, sem se ater quanto à sua aplicabilidade:

- Regras Gerais de Interpretação

(1) Se existe antinomia entre a regra geral e a peculiar, específica, esta, no caso particular tem supremacia. Na lição de Caldara, “em toda disposição do Direito, o gênero é derrogado pela espécie, e considera-se de importância preponderante o que respeita diretamente à espécie” . Em outras palavras, lei especial prefere à lei geral.

(2) Deve o intérprete apurar “se é possível considerar um texto como afirmador de princípio ou regra geral; o outro, como dispositivo de exceção; o que estritamente não cabe neste, deixa-se para a esfera de domínio daquele” ;

(3) Em disposições aparentemente contraditórias, deve-se verificar se os dispositivos antagônicos referem-se a hipóteses diversas. Se assim for, cessa o conflito, “porque tem cada um sua esfera de ação especial, distinta, cujos limites o aplicador arguto fixará precisamente.” : em casos de antinomia evidente, prevalecerá a Constituição Federal sobre a Estadual e esta sobre o Estatuto Orgânico do Município; a lei fundamental sobre a ordinária, e esta, por sua vez, sobre regulamentos e instruções; o Direito escrito sobre o consuetudinário.


- Regras para Interpretação Tributária:

(1) Interpretam-se estritamente as disposições que limitam a liberdade (liberdade de locomoção, trabalho, profissão, indústria e comércio, etc.);

(2) Sofrem exegese estrita as disposições que impõem limites ao exercício normal dos direitos de propriedade (uso, fruição e disposição);

(3) “Os privilégios financeiros do fisco se não estendem a pessoas, nem a casos não contemplados no texto; porém, não se interpretam de modo que resultem diminuídas as garantias do erário. Constituíram estas o fim, a razão do dispositivo excepcional.” ;

(4) “As isenções e as simples atenuações de impostos e taxas, decretadas em proveito de determinados indivíduos ou corporações sofrem exegese estrita; e não se presumem, precisam ser amplamente provadas” ;

(5) Quando um ato dispensa de praticar o estabelecido em lei, assume o caráter de exceção, interpretando-se em tom limitativo e aplicando-se às pessoas e aos casos e tempos expressos, exclusivamente;

(6) As disposições de Direito Público não se interpretam do mesmo modo que as do Direito Privado;

(7) Aplica-se à exegese constitucional o processo sistemático de Hermenêutica, e também o teleológico, assegurada ao último a preponderância.

(8) “É um direito soberano o de lançar impostos e taxas para custear as despesas com os serviços públicos. A sua amplitude sofre apenas as limitações expressas no estatuto básico e consagradas pelas ciências econômicas. Quanto ao poder federal, nenhuma restrição se presume: observa-se apenas a que o texto supremo homologa explicita ou implicitamente.”

(9) Pressupõe-se ter havido o maior cuidado ao redigir as disposições tributárias, designadas em linguagem clara e precisa, as pessoas e coisas alvejadas pelo tributo – ou aquelas cuja competência do Estado não atinge – e bem determinados o modo, lugar e tempo do lançamento e da arrecadação, assim como quaisquer outras circunstâncias relativas à incidência e à cobrança. “Tratam-se as normas de tal espécie como se foram rigorosamente taxativas; deve, por isso, abster-se o aplicador de lhes restringir ou dilatar o sentido. Muito se aproximam das penais, quanto à exegese; porque encerram prescrições de ordem pública, imperativas ou proibitivas, e afetam o livre exercício dos direitos patrimoniais. Não suportam o recurso à analogia, nem a interpretação extensiva; as suas disposições aplicam-se no sentido rigoroso, estrito.”

(10 )Assim, “não se interpreta a lei tendo em vista só a defesa do contribuinte, nem tampouco a do Tesouro apenas. O cuidado do exegeta não pode ser unilateral: deve mostrar-se equânime o hermeneuta e conciliar os interesses em momentâneo, ocasional, contraste” .

(11)“O rigor é maior em se tratando de disposição excepcional, de isenções ou abrandamentos de ônus em proveito de indivíduos ou de corporações. Não se presume o intuito de abrir mão de direitos inerentes à autoridade suprema. A outorga deve ser feita em termos claros, irretorquíveis; ficar provada até à evidência, e se não estender além das hipóteses figuradas no texto; jamais será inferida de fatos que não indiquem irresistivelmente a existência da concessão ou de um contrato que a envolva. No caso, não tem cabimento o brocado célebre; na dúvida se decide contra as isenções totais ou parciais, e a favor do fisco; ou, melhor, presume-se não haver o Estado aberto mão da sua autoridade para exigir tributos.”

(12)Prevalecem os mesmos preceitos ainda que as isenções sejam concedidas com referência a coisas, e não a pessoas: p. ex., quando libertam de imposto predial imóveis de institutos profissionais, igrejas, edifícios para escolas, etc.; bem como a importação de máquinas agrícolas, ou o funcionamento de indústrias dignas de proteção animadora.”


Abordaremos, a seguir, aspectos sobre a interpretação restritiva e ampliativa, bem como as regras aplicáveis, segundo a teoria da hermenêutica clássica:


INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA E RESTRITIVA


Atualmente as palavras extensiva ou restritiva não mais indicam o critério fundamental da exegese, nem se referem a processos que visam a descobrir o sentido e o alcance de um preceito; antes, exprimem o efeito conseguido a que chegará o intérprete “empenhado em atingir o conteúdo verdadeiro e integral da norma” .

As circunstâncias extrínsecas à norma jurídica revelam se a lei deve conter algo de mais ou de menos do que a letra parece exprimir, devendo-se ter em vista o fim colimado com a regra, “os valores jurídico-sociais que lhe presidiram à elaboração e lhe condicionam a aplicabilidade” .

Enquanto a interpretação extensiva consiste em realçar regras e princípios não expressos, porém não contidos implicitamente no teor da norma jurídica, a restritiva evita a dilatação da regra positiva, entretanto nada lhe suprimindo. Assim, tanto com relação à interpretação restritiva quanto à extensiva, não se trata de acrescentar ou excluir coisa alguma à lei, mas antes de atribuir à letra o significado que lhe compete, ora mais amplo, ora mais estrito.



REGRAS RELATIVAS À AMPLITUDE OU RESTRITIVIDADE DA INTERPRETAÇÃO:


(1) “Guiam o intérprete empenhado em saber se deve colimar o resultado amplo ou estrito: a) o espírito do texto; b) eqüidade; c) o interesse geral; d) o paralelo entre a regra em apreço e outras da mesma lei; e) o paralelo com outras leis simultâneas” ;

(2) Cada disposição se estende a todos os casos que, por identidade de motivos, devam se considerar enquadrados no preceito, bem como às coisas compreendidas no objeto da norma;

(3) Quando se proíbe um fato, ficam implicitamente vedados todos os meios que conduzem a realizar o ato condenado ou a frustrar a disposição impeditiva;

(4) “Quando a lei, ou ato, estatui sobre um assunto como princípio ou origem, suas disposições aplicam-se a tudo o que do mesmo assunto deriva lógica e necessariamente” ;

(5) Interpretam-se amplamente as leis feitas para corrigir os defeitos de outras; abolir ou remediar males, dificuldades, injustiças, ônus, gravames; cercar de garantias pessoas e bens;

(6) “As leis que tendem a maior proveito do Estado entendem-se extensivamente, uma vez que não fiquem mais onerosas às partes” ;

(7) Usa-se exegese rigorosa, quando o texto, entendido em termos latos, contraria outro preceito de lei, ou ainda quando um princípio aplicado na íntegra vai além do escopo evidente para o qual foi feito o dispositivo;

(8) “Em regra, é estrita a interpretação das leis excepcionais, das fiscais e das punitivas” , bem assim aquelas relativas à ordem pública




III - REFLEXÕES SOBRE O CRITÉRIO ECONÔMICO
DE INTERPRETAÇÃO



Interpretação da Lei Tributária Segundo o Critério Econômico:

Do Direito positivo alemão surgiu a consagração da teoria do critério econômico , com inspiração em Enno Becker, inserindo no Código Tributário de 1919 o dispositivo abaixo transcrito, que – lado a lado com o princípio do abuso de formas, hoje inserto no § 42 novo codex de 1977, a seguir reproduzido – revolucionando o direito tributário dentro e fora da Alemanha:

“§ 4. Na interpretação das leis tributárias devem ser considerados a sua finalidade, o seu significado econômico e o desenvolvimento das circunstâncias”;

“§ 42. A lei tributária não pode ser fraudada através de abuso de formas jurídicas. Sempre que ocorrer abuso, a pretensão do imposto surgirá, como se para os fenômenos econômicos tivesse sido adotada a forma jurídica adequada”.

Pretendeu-se no Brasil introduzir-se semelhante preceito (art. 131, parágrafo único, do anteprojeto ao Código Tributário Nacional), dispondo que a utilização de formas de direito privado não deveria dar lugar à evasão ou redução do tributo devido com base nos resultados efetivos, quando as formas utilizadas pelas partes não correspondessem aos legal ou usualmente aplicáveis à hipótese de que se tratasse.

A teoria da interpretação econômica, veiculada por Becker, nasceu da situação aflitiva da economia alemã, após a I Guerra Mundial, a demandar a instituição de normas tributárias rígidas, capazes de combater a evasão da receita pública.

Tais instrumentos legais visavam a coibir que os contribuintes, mediante expedientes de rearranjo de seus negócios, evitassem a ocorrência do fato gerador tributário, o que redundava no mesmo resultado econômico, porém sem o ônus da tributação. À teoria do critério econômico conjugou-se a regra do abuso de formas, traduzida no preceito do § 5º do Código Tributário Alemão de 1919:

"Art. 5. A obrigação tributária não pode ser eludida ou reduzida mediante o emprego abusivo de formas e formulações do Direito Civil.
Haverá abuso ...:
1. quando, nos casos em que a lei submete a um imposto fenômenos, fatos e relações econômicos em sua forma jurídica correspondente, as partes contratantes escolhem formas ou negócios jurídicos inusitados para eludir o imposto, e
2. quando, segundo as circunstâncias e a forma como é ou deve ser processado, obtêm as partes contratantes, em substância, o mesmo resultado econômico que seria obtido, se escolhida fosse a forma jurídica correspondente aos fenômenos, fatos e relações econômicos."

Conferia-se ao Estado verdadeiro poder arbitrário, já que o Código Tributário Alemão não fixava qualquer critério para definição do conceito econômico, não distinguia forma jurídica adequada da abusiva, repousando, em última instância, a decisão no critério subjetivo do intérprete e do aplicador da lei. Disso resultava insegurança econômica e jurídica.

"A Corte Financeira do Reich fez largo uso da interpretação extensiva; modificou a redação do texto legal, freqüentemente restringindo-o ou ampliando-o, ou invertendo-lhe o sentido; completou preceitos legais que, em sua opinião eram omissos; interpretou conceitos com maior liberdade, passando por cima da vontade evidente do legislador; proferiu decisões que criavam obrigações ou isenções tributárias por meio de ampliação analógica de fato delineado na lei, e fez extensa aplicação da interpretação de conteúdo econômico." (grifo nosso)

A questão da interpretação econômica, ainda que – segundo a maioria dos autores – não seja aplicável no ordenamento jurídico brasileiro, é abordada nesta exposição apenas para explanar que diferentes sistemas normativos prestigiam determinados valores em dado momento histórico e que, em última análise, cabe ao intérprete também participar do processo de produção normativa, na medida em que, por sua vez, atribua uma certa hierarquia, fruto de sua visão pessoal, a esses valores.

“Assim, por exemplo, diante de mesmo texto e de mesmo fato um intérprete que dê maior relevância ao valor ‘solidariedade’ poderá chegar a conclusões diferentes do que aquele que dê maior relevância ao valor ‘propriedade’”. A interpretação neutra afigura-se, pois, como um mito; o intérprete sempre agrega algo na produção normativa, de acordo com a maneira como enxerga a realidade, daí resultando um conjunto de valores diferentemente organizado.

Em última instância, a quem incumbe a tomada de decisão, no conflito de interpretações sobre o mesmo texto e o mesmo fato, caberá ponderar e decidir sobre esses critérios, inclinando-se para aqueles que guardem identidade com os valores que, segundo sua visão, tiverem maior relevância de acordo com a sua concepção. Nesse sentido, surge o aspecto ideológico da interpretação.

Há que se sopesar que, em matéria tributária, o relacionamento Fisco-Contribuinte caracteriza-se por um binômio, representando forças de tensão: de um lado, uma maior eficácia nas leis que visam a arrecadação, de outro, a menor oneração possível na carga tributária.

Criou-se, no Brasil atual – até por conta de incontáveis abusos cometidos – a ideologia antifiscalista, que permeia os órgãos judicantes, dando relevância ao valor ´patrimônio individual’ contra as agressões e a chamada ‘voracidade’ do Fisco. Esse critério ideológico induz o intérprete a uma interpretação restritiva das normas de exação e ampliativa das garantias individuais – diversamente do que se verifica em países de alto grau de amadurecimento democrático, como os Estados Unidos. Ocorre que, no contexto brasileiro, a tributação é encarada tão-somente como uma forma de atingimento do patrimônio individual.

Por outro lado, não menos adequada é a interpretação excessivamente ‘ampliativa’ de regras, tais como as relativas à imunidade constitucional, alcançando situações que atingem pessoas estranhas à hipótese legal, com potencial capacidade contributiva, às quais se instituem verdadeiros privilégios de que gozavam os ‘desonerados’ em tempos remotos.

Se passarmos a ver a tributação não mais como instrumento de atingimento do patrimônio, ou seja, se o mundo diante do texto passar a ver a tributação como instrumento para assegurar a participação de todos no rateio das despesas do Estado, ou instrumento de reequilíbrio de disparidades econômicas, instrumento de solidariedade e de fraternidade ou, enfim, se passarmos a ver a tributação como tendo uma outra natureza, poder-se-á interpretar diferentemente aquele mesmo tipo que consta da lei.

Daí, não se poderá afirmar tão conclusivamente que as imunidades tributárias devam ser interpretadas ampliativamente. A interpretação mais apropriada deve ponderar os princípios constitucionais e sistematicamente aplicá-los, sem desprestígio a qualquer deles.
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