A INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS
DE IMUNIDADE TRIBUTÁRIA -
CONTEÚDO E ALCANCE
I - HISTÓRICO DAS DESONERAÇÕES TRIBUTÁRIAS


Etimologicamente, o vocábulo “imunidade” procede do latim immunitas, immunitate. “Trata-se de vocábulo que indica ‘negação de munus’ (cargo, função ou encargo). O prefixo in oferece a sua verdadeira conotação (sem encargo, livre de encargos ou de munus).” Em princípio, pois, o vocábulo remete à noção de desobrigação de se suportar uma condição onerosa. Munus é também empregado, no latim, como sinônimo de imposto e ainda um outro significado do vocábulo é o de dádiva ou favor.

Ainda do ponto de vista etimológico, é interessante observar-se que a sílaba latina in que antecede a raiz, além de negação, assume também o significado de “em, para dentro de” e o termo “munitus”, que obedece o mesmo radical de munus, tem o sentido de “algo protegido por uma barreira”.

Im-munis - como sendo a qualidade daquele que goza da Immunitas - é, pois, tanto o “protegido de ‘munus’” (livre da tributação), como o que “insere no ‘munus’”, termo que aqui adquire a acepção de “favor ou dáviva’” (privilegiado). O vocábulo imune, em sua origem latina, revela intrinsecamente o significado de uma prerrogativa.

Em se tratando de tributos, tal concepção de imunidade, entendido o vocábulo “privilégio” em seu sentido vulgar, ao leigo parece denotar equivocadamente uma pretensa “regalia” ou “prerrogativa” de que gozam determinados entes que passam a ser “livres” da tributação. Ainda que essa acepção repugne o preceito científico da isonomia jurídica – tal como é entendida hodiernamente, há que se observar que existem razões históricas que determinaram tal sentido subjacente ao instituto da imunidade tributária.

Na análise histórica, o vocábulo “imunidade”, relativamente ao tributo, será tratado em seu sentido lato de desoneração tributária – abrangendo os conceitos de isenção, remissão e de outras formas desonerativas, não vindo a propósito da abordagem, neste primeiro momento, sua conceituação atual.

É curiosa a constatação de que a noção subliminar de imunidade relacionada ao senso de “benesse fiscal” a uns poucos privilegiados remonta a Antigüidade. A desoneração de tributos “baseava-se, precipuamente, na diferenciação das classes sociais, sendo concedida indiscriminadamente como graça ou favor aos amigos e protegidos do soberano. O privilégio tributário era decorrente do domínio político inicialmente, para, em seguida, manifestar-se em favor dos povos invasores e conquistadores em relação aos conquistados, como também, em favor das classes tidas como superiores diante dos menos privilegiados desprovidos de direitos civis e políticos. Todavia, com o passar dos tempos, não mais havendo razão para a distinção de classes, os privilégios fiscais foram sofrendo radical transformação, dando lugar à fundamentação jurídica com base nos supremos interesses sociais.”

Na Idade Antiga remota, as desonerações tributárias, tomadas como verdadeiras “prerrogativas fiscais”, baseavam-se na distinção entre classes sociais. Na China, Índia, Pérsia, Babilônia e em algumas cidades da Grécia antiga, às classes aristocráticas era simplesmente dispensado o pagamento de tributos. É no âmbito desse sistema de castas - onde quanto mais elevada a classe, tanto maiores favores fiscais eram atribuídos – que se operava a desoneração tributária, como forma de favoritismo dispensado pelos soberanos, que representavam o Estado, aos mais privilegiados socialmente.

No Direito Romano, muito embora houvesse uma estrutura tributária mais complexa , a situação não era diversa em relação a outras sociedades da Antigüidade. Também em Roma, "...com freqüência, as isenções eram concedidas, mais ou menos caprichosamente, como graça ou favor, aos seguidores ou amigos dos senhores e soberanos” .

O período medieval reprisa, no campo tributário, o panorama dentro do qual a desoneração fiscal era tida como um privilégio do clero e da nobreza, em perfeita consonância com a estrutura social e econômica do feudalismo.

Nas palavras de Souto Maior Borges "...a existência dos privilégios tributários não contrastava com princípios de justiça vigorantes à época e consagrados nas Constituições medievais e em todas as Constituições cunhadas no ordenamento feudal. A organização social era então condicionada à distinção entre classes e comprometer a existência e a hegemonia dessas classes seria comprometer a existência do próprio Estado. Tais privilégios, portanto, eram tidos como condicionantes para assegurar a manutenção da ordem social e a consecução dos fins do Estado. Os privilégios tributários integravam todo um variado sistema de privilégios que o direito reconhecia às classes nobres. ... A nobreza e o clero, por mera tradição histórica, gozaram de privilégios até a Revolução Francesa.”

Em Portugal, com as Ordenações Filipinas, estatuía-se que estavam escusados do pagamento de contribuições extraordinárias (“fintas”) “os fidalgos, cavaleiros e escudeiros de linhagem, os doutores, licenciados, bacharéis, vereadores e procuradores”. Esse privilégio confirmou-se pela consolidação de 1773, assinada pelo Rei e pelo Marquês de Pombal, vigendo para Portugal, colônias e Brasil, onde a herança dos favores fiscais de nossos antecedentes lusitanos pôde ser percebida, ao longo do tempo, no tocante às desonerações fiscais.

Após uma era marcada pela instituição de privilégios fiscais em função do sistema de classes , é somente a partir de 1789, com a Revolução Francesa - de cuja inspiração iluminista nos ideais de liberdade, fraternidade e igualdade resultou a tentativa de se abolirem privilégios reprováveis na estrutura social que então exsurgia - instauram-se novos paradigmas que passam a nortear as relações de poder entre o Estado e seus súditos, com repercussões relevantes na tributação, inclusive.



II - EVOLUÇÃO DA CONCEPÇÃO DE DESONERAÇÃO


Antes de versar a Revolução Francesa, a análise histórica da desoneração fiscal pincelará rápidas observações, na crise do antigo regime, quanto aquela que é considerada a primeira revolução americana.

A independência dos Estados Unidos da América, infundida como influência da filosofia iluminista, originou-se, dentre outras causas, primordialmente a partir de reação das treze colônias contra a política de repressão adotada pela Inglaterra que, desfalcada em razão da Guerra dos Sete Anos contra a França, imputa aos colonos americanos medidas que visem a uma arrecadação forçada de quantia suficiente para reabastecer os cofres da Coroa.

Em 1764 e 1765 aprovam-se, respectivamente, no Parlamento Inglês, o Sugar Act - que taxava produtos que não viessem das Antilhas Britânicas - e o Stamp Act (Lei do Selo), pela qual passaram a ser tributados todos os documentos públicos . Seguiram-se os Townshend Acts, que impuseram a tributação sobre todas as mercadorias importadas – atos estes abolidos em função do boicote aos produtos externos, ao que se seguiu o Tea Act.

Esse ato é particularmente importante, posto que, a partir dele, segue-se um movimento que é considerado o estopim da Revolução para Independência Norte-Americana. Tendo permanecido somente a taxação externa do chá, a Lei do Chá passa a atribuir monopólio à Companhia das Índias Orientais, onde os ingleses tinham interesses econômicos. Contra esse expediente desvirtuado de tributação, ocorre o episódio conhecido como Boston Tea Party, em que comerciantes disfarçados de índios destróem trezentas caixas de chá tiradas dos porões de barcos ancorados no porto de Boston. Com esse incidente, onde a crise entre a colônia e a metrópole atinge o auge, deflagrou-se uma série de acontecimentos que culminaram com a Declaração da Independência e com a promulgação da primeira Constituição dos Estados Unidos, instaurando o regime republicano presidencialista e a tripartição de poderes baseada em Montesquieu.

A noção de privilégio de classes e da tributação ilegítima, como instrumento de dominação, passa a ceder lugar à concepção de igualdade e de que o poder emana do consentimento dos governados, nada diversa daquela que inspirará a Revolução Francesa.

A expressão Ancien Régime, criada no final do século XVIII, designava a situação da sociedade européia antes de ser mudada por uma sucessão de fatos que irrompeu a Revolução Burguesa na França em 1789. A sociedade, sob o ponto de vista jurídico, apresentava-se dividida em três estamentos: clero, nobreza e povo, sendo que os dois primeiros gozavam de uma série de privilégios.

Tal como ocorreu na Revolução Americana, a Francesa tem também como causa a tributação: aqui a elevada exação imposta aos estamentos inferiores confronta-se com a desoneração fiscal das castas privilegiadas da sociedade. “De forma geral, a nobreza de sangue – cortesãos, nobres provinciais e alto clero – consistia numa classe decadente, vivendo de forma parasitária. Estavam livres da maioria dos impostos diretos, recebiam pensões, doações e outros privilégios do poder real. Possuíam tribunais próprios. Exploravam boa parte da população camponesa por meio de inúmeros ‘direitos feudais’: servidão, corvéias, banalidades” , que eram verdadeiros impostos. Sobre os servos, camponeses livres e arrendatários – a maioria da população rural – pesava o maior número de impostos, contribuições e exigência de prestação de serviços gratuita, devidos ao rei e ao clero, que também oneravam a camada da burguesia urbana.

Num quadro onde se propagavam os ideais do Iluminismo, os problemas políticos e sociais eram agravados. A crise provocada pelo déficit crônico nas finanças públicas, a demandar mais e mais tributação , culminou na necessidade de reformas urgentes: são convocados os Estados Gerais, marco inicial da Revolução Francesa. Em 1791, com a Constituição, consagra-se o princípio dos três poderes, exsurgem os ideais de “liberté, igualité et fraternité”. Os restos de feudalismo, os controles mercantilistas sobre a economia são suprimidos; abolidas são todas as desonerações fiscais, que constituíram durante largo período de tempo, os privilégios da nobreza e do clero ; foi proclamada a igualdade de todos perante a lei.

Surge, assim, nesse período histórico, o princípio da Generalidade da Tributação, numa tentativa de que ninguém – invocando condição privilegiada – pudesse se eximir do pagamento de tributos, vez que somente no interesse público é que devem ocorrer as desonerações tributárias.

Dessa forma, substituindo a antiga concepção de imunidade como um favor fiscal do soberano, com a evolução dos governos autocráticos e absolutistas para o Estado de Direito, o vocábulo assume sua atual representação. Desonerada (im-munus: livre de imposto) é somente aquela situação que deve ser protegida (im-munitus) da tributação, em torno da qual se deve colocar uma barreira à exação, para a preservação de um valor maior para o Estado que a própria arrecadação. Não se dando ao propósito de agasalhar favoritismos ou privilégios – no Moderno Estado de Direito onde não há lugar para favores fiscais, tem, hoje, a imunidade caráter excepcional, visto que – em regra - vige o princípio da generalidade da tributação , denotando “índole nitidamente política” .



III - DETERMINAÇÃO DA EVOLUÇÃO, NATUREZA E ESCOPO DO
INSTITUTO DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA


Evolução:


Inicialmente, teceremos algumas considerações sobre a tributação sob a ótica histórica, a evolução da imunidade e a visão do instituto sob o prisma do Direito Comparado, analisando-a em sistemas onde vigoram os sistemas constitucionais rígidos e os flexíveis.

Sob uma perspectiva histórica, o principal movimento de independência política do Brasil colônia em relação ao domínio de Portugal, a exemplo do que ocorreu com a Independência dos Estados Unidos da América do Norte e com a Revolução Francesa, tem seu substrato também na tributação: as rebeliões surgiam sempre que alguma nova medida contrariasse os interesses econômicos dos colonos: quando algum novo monopólio ou privilégio fosse criado ou quando eram aumentados os impostos.

A Conjuração Mineira de 1789 eclodiu a partir de uma revolta contra a opressão portuguesa, exigindo o pagamento de impostos atrasados, mas, diversamente do que ocorrera com as Treze Colônias da América do Norte em relação à Inglaterra, a Inconfidência de Minas terminou violentamente sufocada pela metrópole. Mantiveram-se os privilégios e a exação abusiva.

Somente um século depois do movimento, com a proclamação da República e com a instauração do regime federativo no Brasil , fixaram-se regras e princípios jurídicos do Estado de Direito que passariam a delinear a ordem tributária , inclusive no tocante às limitações do poder de tributar, aí incluídas as hipóteses de imunidade. É na primeira Constituição republicana de 1891 que é adotada, pela primeira vez na federação brasileira, a figura da imunidade tributária.

“As imunidades foram criadas estribadas em considerações extrajurídicas, atendendo à orientação do Poder Constituinte, em função de idéias políticas vigentes, preservando determinados valores políticos, religiosos, educacionais, sociais, culturais e econômicos, todos eles fundamentais à sociedade brasileira.” “Dessa forma assegura-se, retirando das mãos do legislador infraconstitucional, a possibilidade de, por meio de exação imposta, atingi-los.”

Atualmente, não se deve conceber imunidade tributária como um favor fiscal, um benefício ou um privilégio de castas atribuído pelo poder do soberano, em seu próprio interesse; imunidade deve alcançar a significação de um instituto, intimamente vinculado à estrutura política do Estado, imprimida em interesses e valores da sociedade. E seus alvos supremos, em última instância, “são o princípio da dignidade humana, o da expansão de todas as possibilidades da criatura humana, além de outros que estão na Lei Fundamental. O Estado, as leis, os mecanismos da Constituição são os meios.” A imunidade tributária é um dos modos, através do qual a Constituição evita que, pela tributação, criem-se obstáculos ao efetivo exercício daqueles alvos.

“Sistematicamente, através de imunidade, resguardam-se princípios, idéias-forças ou postulados essenciais ao regime político. Conseqüentemente, pode-se afirmar que as imunidades representam muito mais um problema de direito constitucional do que um problema de direito tributário.” Daí sua natureza política e sua identidade própria – ainda que haja princípios universais comuns, variando de acordo com o estatuto particular que rege cada Estado.

Segundo Aliomar Baleeiro, “foi a experiência dos Estados Unidos a mestra do legislador brasileiro de 1891 e ainda o inspirou em 1946.” As realidades, entretanto, eram diferentes: enquanto o processo federativo norte-americano direcionou-se num movimento centrípeto, o Brasil, que era um país unitário, procura descentralizar o poder instituindo o regime da Federação por decreto. Essa distinção fundamental quanto a origem do poder reflete-se na natureza das Constituições e nos sistemas que daí se originaram, com repercussões importantes na área tributária.

Antes de se adentrar propriamente na análise da natureza e escopo da imunidade, caberá, neste estudo, um breve exame – em face da legislação comparada – do porquê da especial preocupação do legislador constituinte brasileiro em elevar conceitos tributários, dentre eles os que cuidam das limitações constitucionais, ao nível constitucional.

Com base em apontamentos extraídos de aulas proferidas pelo prof. Geraldo Ataliba, far-se-ão algumas observações sobre o Sistema Constitucional Tributário Brasileiro e suas peculiaridades em face do Direito Comparado, a título de mera exemplificação, para tentar-se extrair algumas conclusões. Os países tomados foram aqueles cuja cultura jurídica – especialmente a publicística – influiu no pensamento brasileiro.

A Constituição da Alemanha e a da Espanha têm pouco mais que dez preceitos que interessam para reger a matéria tributária; Itália, França e Estados Unidos têm dois; o Brasil tem, no mínimo, trezentos ou quatrocentos. É surpreendente a discrepância, embora tal fato possa ser explicado em função da própria rigidez constitucional que caracteriza o sistema jurídico brasileiro, comparativamente aos outros, muito provavelmente como resultante da forma como a Federação se estabeleceu e do que a motivou.

A consideração conjunta do Direito Comparado e da evolução do Direito Brasileiro, o qual demonstra uma abundância de preceitos, princípios e regras constitucionais em matéria tributária, demonstra em o Sistema Constitucional Tributário brasileiro é rígido e minucioso, posto que a Constituição é também rígida e extremamente minuciosa. A conseqüência desse fato é que o legislador infraconstitucional, no Brasil, não têm a mesma liberdade que a têm os dos outros países.

Nos Estados Unidos da América, União e Estados fazem suas leis tributárias, segundo o que lhes aprouver – inclusive com superposição de tributos, estabelecendo competências e desonerações fiscais, com alguns estritos limites: o de que o comércio exterior é somente tributado pelo Poder Central , o de que há imunidade para o comércio interior e o de que aos entes políticos é vedada a tributação recíproca . Há também hipóteses de imunidades tributárias construídas pela Jurisprudência da Suprema Corte Americana , as relativas às Constituições dos Estados-Membros e aquelas para alguns casos isolados .

Tanto em casos de sistemas abertos como no de sistemas fechados, são as diretrizes constitucionais que estabelecem os parâmetros e limites dentro dos quais deve-se desenvolver a atividade legislativa, quer nominando-os genericamente através de princípios – como no caso dos sistemas flexíveis, quer inserindo dispositivos específicos, relativos a determinadas áreas, como por exemplo os do campo tributário – na hipótese de sistemas rígidos como o Brasil.

A rigidez e minudência positiva do sistema constitucional brasileiro, nem por isso, traduz-se em garantia plena da efetividade desse rol encadeado de disposições contra abusos legislativos; tampouco que o fato de que os sistemas jurídicos comparados, aparentemente mais flexíveis, dispensem menor controle contra exorbitância de poderes do legislador ordinário.

Dada a natureza eminentemente política da imunidade e a impossibilidade de dissociação do instituto do âmbito da Lei Maior, tem-se que, nos sistemas rígidos, suas hipóteses são nominadas e positivadas, o que não exclui a hipótese de que o instituto não esteja também latente no âmago dos princípios constitucionais que são albergados pelas Constituições flexíveis.

É curioso observar-se que, “as Constituições da Comunidade Européia, em regra, não consagram imunidades expressas (nem mesmo a norte-americana) ainda que sejam necessariamente decorrentes da forma federal de Estado, como a recíproca ou corolário lógico da ausência de capacidade econômica.” Crê-se que essa opção legislativa pelas isenções decorre da desnecessidade de elevar-se a um patamar constitucional hipóteses casuísticas de desoneração tributária, deixando-as ao trato de disposições normativas ordinárias, como sói acontecer em geral nas normas do Sistema Tributário da maioria dos países europeus .

Retomando o raciocínio da existência de desonerações constitucionais tácitas, é Baleeiro quem a traduz, ao discorrer sobre a evolução do princípio da imunidade recíproca no direito americano – o primeiro a ser adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro na Constituição Republicana de 1891 : “em nenhum dispositivo da Constituição dos Estados Unidos ou de suas emendas se contém expressamente o princípio da reciprocal immunity of Federal and State Instrumentalities. Ela é conseqüência remota e indireta da teoria dos “poderes implícitos”, inseparável do nome de Hamilton, que, desde a Convenção de Filadélfia, defendeu a necessidade de expansão da competência federal, em detrimento da ciumenta autonomia dos Estados.”

Portanto, no resguardo dos valores constitucionais eleitos por uma Nação, o mero fato de que princípios não estejam positivados e explicitados nas Cartas não pressupõe a sua inexistência. O mesmo se aplica no tocante às imunidades tributárias, que são normas que visam a preservar os valores que a carta política escolheu. É nesse sentido que sua interpretação tenderia a ser ampliativa e coerente dentro do regime onde se insere.

Usando como exemplo o princípio da igualdade, subsumido no conceito republicano, “não teria sentido que os cidadãos se reunissem em república, erigissem um estado, outorgassem a si mesmos uma constituição, em termos republicanos, para consagrar instituições que tolerassem ou permitissem, seja de modo direto, seja indireto, a violação da igualdade fundamental, que foi o próprio postulado básico, condicional da ereção do regime. Que dessem ao estado – que criaram em rigorosa isonomia cidadã – poderes para serem usados criando privilégios, engendrando desigualações, favorecendo grupos ou pessoas, ou atuando em detrimento de quem quer que seja.”

Assim, se a substância do regime republicano em si é a igualdade entre os cidadãos, não é o fato de que esse princípio não esteja formalmente explicitado por meio de um campo demarcado na letra da Constituição que terá o condão de o desnaturar.

Observou-se, linhas atrás, que a Constituição dos Estados Unidos da América do Norte não trazia formalmente expressa a imunidade. Entretanto, no sistema tributário da Federação Americana, há um princípio basilar a nortear essa forma de desoneração: “o governo não pode regular ou instituir imposto sobre um direito.” Assim sendo, por determinação constitucional, é vedada a instituição de qualquer taxação sobre uma hipótese concreta resguardada, pelo direito, como um valor a ser preservado. Trata-se de uma norma de imunidade aberta, onde a subsunção do caso concreto à norma constitucional fica ao encargo da jurisprudência, imprimindo maior agilidade e efetividade face às mudanças sociais que se operam, não havendo a necessidade de constantes alterações no texto da Constituição a cada possibilidade fática que venha surgir.

Ante esse breve panorama, conclui-se que, diversamente dos outros Estados – onde existem princípios imunizantes implícitos e poucas regras desonerativas positivadas, a postura do constituinte brasileiro – desde a Constituição de 1891 até a vigente a partir de 1988 – tem sido, em sua evolução, cada vez mais minuciosa, extensa e rígida na formulação de regras, pela preocupação de marcar claramente os campos materiais de competência tributária – hipóteses de incidência – e de excluir da tributação aquelas situações que reflitam valores a ser preservados – exclusão das hipóteses de incidência.



Natureza e Escopo:


A evolução das instituições publicísticas, sob perspectiva histórica, culmina com a consagração da regra segundo a qual “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, podendo-se daí extrair-se o princípio implícito da legalidade tributária, que será visto no capítulo seguinte.

O poder de tributar no Estado de Direito moderno passa, pois, a sofrer uma série de limitações, dentre as quais destaca-se a que exige que seu exercício se faça por meio de lei. O próprio princípio da legalidade, por seu turno, encontra também suas balizas nas competências legislativas e nos direitos individuais.

Sistemas constitucionais rígidos – dentre eles a do Brasil – e mesmo a legislação ordinária de alguns países consagram, nomeadamente, o princípio da estrita legalidade tributária, empenhando-se em acautelar os direitos dos contribuintes, através de disposição legal expressa que estabeleça o limite intransponível à atuação do Fisco. A lei se impõe, determinando competências ou as excluindo, casos em que se estabelece uma limitação ao exercício da competência tributária do Estado.

Dentro dessas vedações constitucionais aos poderes tributantes, surgem as normas imunizantes. No dizer do Professor Ives Gandra da Silva Martins , a imunidade é o mais relevante dos institutos desonerativos, uma vedação absoluta ao poder de tributar, criando-se um território constitucionalmente protegido e posto fora do alcance impositivo do Estado, visando a salvaguardar determinados valores prestigiados pela Constituição que guardam conexão com determinadas situações e pessoas.

A valoração, pelo sistema normativo constitucional, das hipóteses de imunidade é avaliada a seguir.
IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS - NATUREZA E ESCOPO
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