O que é um agroecossistema*

Carlos José  Esteves Gondim**

 

            "Toda unidade que inclua a totalidade dos organismos vivos de um lugar, interagindo entre si e com o meio físico, de modo que um fluxo de energia conduza a uma diversidade biótica, a uma estrutura trófica e à ciclagem de materiais, facilmente identificáveis, é um ecossistema", escreveu Eugene P. Odum, professor e ecologista americano. Quando esta unidade tem objetivos e funções claramente definidos de agricultura (aqui entendida no sentido amplo do termo) passa a ser chamado de agroecossistema.

            Portanto, um sistema agrícola para ser também um sistema ecológico, tem necessariamente de satisfazer aquelas três características fundamentais dos ecossistemas: diversidade biótica, estrutura trófica e ciclos de materiais. E o que elas significam? vejamos: Diversidade biótica ou biodiversidade são as diferentes espécies de formas de vida -- microorganismos, plantas e animais -- existentes em um determinado lugar. Assim, o ecossistema com maior diversidade biótica do mundo é a floresta amazônica (daí toda a polêmica em torno da assinatura do Tratado da Biodiversidade na Eco-92). Hoje, cientificamente está comprovado que existem mais formas diferentes de organismos vivos (espécies distintas) em alguns metros quadrados de floresta amazônica, do que a presente em todo um continente, a Europa!

            A estrutura trófica ou estrutura alimentar significa as inúmeras cadeias alimentares (quem come quem e é comido por quem) que ocorrem em um ambiente natural. Da mesma forma, na floresta amazônica existem inúmeras plantas e suas partes -- cascas, raízes, folhas, frutos, flores e sementes -- que servem de alimento para um grande número de animais herbívoros e estes, por sua vez, servirão de alimento para o carnívoro. Formam-se, assim, o que muito propriamente chamamos de teias alimentares ou redes alimentares.

            Finalmente, a ciclagem de materiais diz respeito aos movimentos que os materiais naturais (elementos e substâncias que fazem parte da Terra e dos organismos vivos) empreendem pelas diversas partes do planeta (biosfera, litosfera, hidrosfera e atmosfera). O exemplo mais simples e perfeito deles é o ciclo hidrológico ou também chamado ciclo da água. A água evapora; forma nuvens; chove; infiltra no solo; as plantas e animais à usam; respiram e transpiram; vai para os rios e oceanos; evapora novamente e o ciclo se repete, ininterruptamente.

            Para que tudo isso aconteça é necessária energia, muita energia. Esta é fornecida pelo Sol, a grandiosa usina nuclear do sistema planetário do qual fazemos parte.

            Fica claro, que um sistema agrícola convencional moderno (aquele que se baseia no emprego maciço de energia fóssil, na utilização de variedades de alta produção e resistência às pragas e doenças e emprego intensivo de capital), aquelas características fundamentais não são de forma nenhuma atendidas. O homem reduz drasticamente a biodiversidade; simplifica fortemente a estrutura alimentar, e o que é mais grave ainda, interfere e modifica abruptamente a ciclagem de materiais.

            Se é um cultivo, de milho por exemplo, ele só deixará crescer o que for planta de milho. Se aparecerem as chamadas ervas daninhas, eles às combate com capinas ou herbicidas. A cadeia alimentar, neste caso, se resume à própria planta de milho (com suas sementes, especialmente) e o homem, se for para a sua alimentação, ou os animais domésticos, se o destino for a alimentação animal. Portanto, nos sistemas convencionais agrícolas os efeitos provocados pelas alterações na biodiversidade e na estrutura alimentar tornam a ciclagem de nutrientes (materiais) integralmente abertas. devemos nos lembrar, ainda, que os produtos obtidos pela agricultura são exportados, ou seja, saem do lugar onde foram produzidos. Daí, a necessidade permanente de adubações periódicas.

            Os processos agrícolas ecológicos modernos -- os agroecossistemas -- devem ser, segundo Vogtman & Wagner, 1989, os seguintes princípios básicos: harmonia com os mecanismos reguladores da natureza; diversificação planejada; emprego de recursos renováveis para a manutenção e melhoria da fertilidade do solo; compreensão melhor dos dos sistemas biológicos naturais no desenvolvimento de tecnologias novas e adequadas; alimentos com valor nutritivo-fisiológico ótimos; beneficiamento, armazenamento e comercialização feitos com tecnologia adequadas, por exemplo, estruturas descentralizadas de mercado; inclusão das pessoas que vivem nos campos dentro dos objetivos da produção agrícola; os animais incluídos nos sistemas de produção devem ser mantidos e alimentados conforme raça e espécie; e, satisfazer esteticamente não só aqueles que trabalham em tal sistema, como também aqueles que estão à margem dele. Por exemplo, embelezar a paisagem e não destruí-la.

            Uma monocultura de seringueira, de dendê, ou de outra qualquer cultura industrial ou de subsistência não são de forma nenhuma um ecossistema, nem tampouco um agroecossistema.

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* Artigo originalmente publicado no jornal O Liberal, 04.12.1992.

** O autor é engenheiro agrônomo, professor da Universidade Federal Rural da Amazônia, UFRA e presidente da ONG Novos Curupiras.