Sombras

Não me detestes, não! Se tu padeces
Também minh'alma teu sofrer partilha
E sigo em prantos de suplício a trilha
Curvado ao peso da tremenda cruz

Para nós ambos apagou-se a luz,
Tudo é tristeza no deserto vário,
Inda está longe o cimo do Calvário
Não para ti, mas para mim, precito!

Tenho na face o desespero escrito
Todos me odeiam - quando toco é pó!
Neste mundo tu me amaste, e só,
E em troco desse amor tiveste o inferno!

Pálida rosa do alcaçar eterno!
Cândida pomba que a inocência nutre!
Melhor te fôra a sanha de um abutre
Que estas profanas mãos que te roçaram!

Aos céus os anjos teu chorar levaram,
Irmãos preparam-te, amorosos,
E eu ainda fico!... E tenho por castigo
Sentir-me vivo quando tudo expira!

Oh! Quando à noite o vendaval se atira
Qubrando as vagas turbulentas, frias,
E lasca o raio as broncas penedias
Onde a chuva despenha-se escumando

Penso que Deus se abranda e vem chegando
A última cena de meu torvo drama
Mas do fuzil que passa à rubra chama
Vejo ainda longe o pouso derradeiro

Andar e sempre andar! O globo inteiro
Pendido atravessar como Caim!
Não achar um repouso, um termo, um fim
A dor que rói, lacera e não descansa

E jamais antever uma esperança!
Uma réstia de luz na escuridão!
Uma voz que me fale de perdão
E parta o bronzeo selo da agonia!

Ah! é cruel! Mas talvez um dia
Compreendas tão funda expiação
E o pobre nome que detestas hoje
Murmures entre lágrimas então!

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