O Proscrito

(FRAGMENTO)

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Se a luz d´aurora que enrubesce as nuvens
Trouxer-te um dia festival e belo,
Se o tênue arbusto de teus verdes anos
Ergue-se altivo e se cobrir de flores,
Se a mágoa, o ódio, a maldição, o opróbrio
O mundo e os homens, que mancharam ímpios
As vestes alvas de meus puros sonhos,
Não te embargarem na jornada os passos,
Vota, meu filho, um canto de tu´alma,
Uma página brnaca e perfumada
De teu dourado livro á pobre sombra
De teu mísero pai; dá-lhe um lamento,
Lembra-te dele que adorou-te e muito.

* * *

Tu és tão tenro ainda, ainda tão débil,
Inda sagrado dos divinos beijos
Dos Arcanjos do céu, e a fronte ungida
Da benção do Senhor na despedida,
No teu sono infantil teus irmãozinhos
Filhos do éter e da luz se cruzam,
Roçam e brincam sacudindo os sonhos,
Os sonhos dessa plaga que deixaste
Tão bela, tão esplêndida, tão santa!
Eu os vejo, meu filho, eu os escuto,
Eu sinto refrescar-me a fronte cálida
O sussurar das asas, quando triste
Nas longas noites me debruço ouvindo
Teu brando respirar, quando doudejo
Entre o gôzo e a esperança, o riso e a mágoa,
Alongando ao porvir fundos olhares.

* * *

Ah! que eu não possa divisar no espaço
Tua estrela fatal... e a veja fúlgida...
E não te leve como a minha ao orco
De um contínuo chorar!... Ah! que eu não possa
Romper o muro dos vindouros tempos
E contemplar as cenas de teu drama,
Que eu não possa as traçar!Mas não, é cedo!
Muito cedo, meu Deus! que lei sinistra
Me impele a povoar de treva e luto
Tudo o que há de mais belo e mais formoso
No teu vasto poema? encher de espinhos
As mais suaves sendas da existência
E rodear de lívidos espectros
O mole berço onde o inocente dorme
Lembrando-se do Empíreo e seus deleites?

* * *

Ah! não, meu pobre filho, o teu destino
É lindo como a aurora e como as flores
Banhadas de luar; sublime e grande
Como o sol que levanta-se das ondas,
Ondas de chamas derramando aos orbes.
Tu te erguerás robusto como o cedro
A cuja copa se debruça a nuvem
Palpitante de amor; irás tão alto
Como o pássaro-rei do Novo-Mundo!

* * *

Então se ouvires murmurar meu nome
Talvez envolto num cruel desprezo,
Ninguém maldigas, pois; vai no silêncio,
Quando a noite for calma e os ventos mudos,
Orar em meu jazigo e com teu pranto
O leito serenar. - Pobre dormente,
Não entendeu-me o mundo e inexorável
Lavrou minha sentença, sobre a campa
No epitáfio do olvido ela se grava!

* * *

Oh! filho de minh´alma, último lume
Que neneste céu nublado aparecia!
Minha esperança amargamente doce,
Quando as aves passarem do ocidente
Buscando um novo clima onde pousarem,
Não mais te embalarei sobre os joelhos,
Nem de teus olhos no cerúleo brilho
Acharei um consolo a meus tormentos!
Jamais! a areia tem corrido, e a folha
De minha treda história está completa!

* * *

Não proves nunca do existir na taça
O fel que eu hei tragado, e a dor intensa;
Às angústias mais íntimas do espírito
Nunca recebas o sarcasmo acerbo
Que ao leito da desgraça o mundo cospe!
Nunca vejas a lenda de teus dias
Salpicada de lama e de veneno
Como poluta vi passar-se a minha!

* * *

Cresce, meu filho amado, inda te vejo,
Inda me é dado te apertar no seio,
Beijar-te a rósea face! este momento
É mais que a eternidade! Cresce, vive,
E se algum dia no meu livro escuro
Esta folha encontrares, vota ao menos
À fronte que a pensou um triste pranto,
Vê que teu pai sofreu e não mentiu.

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