Recitativo

Se eu te dissesse, Madalena pálida,
Fundo mistério que meu peito oculta,
Se eu dissesse que amargura estólida
Em mar de prantos meu viver sepulta;

Se eu te contasse que tristezas fúnebres
Meio seio rasgam por febrentas horas,
Que chamas vivas, que delírios lúgubres
Cercam-me o leito de infantis auroras;

Ah! tu que aos males desconheces, pérfida,
O saibro impuro, o lacerante anseio,
Erguendo os olhos sobre o véu da dúvida
Talvez disseras a sorrir: - Não creio!

E no entanto quantas horas pávido
Passei fitando teu divino rosto!
Que longas noites ao deixar-te, trêmulo,
Torci-me em crises de infernal desgosto!

Ah! tíbia estátua, na friez do mármor
Sequer um broto de paixão se oculta!
A vida esvai-se de meu peito débil
E junto à campa mais a dor se avulta.

Dize, impiedosa, que rigor satânico
Fez de minh´alma o pedestal da tua,
E a teus olhares me encandeia fátuo
Bem como o lago refletindo a lua!...

Se, o peito opresso, a teus joelhos, lívido,
Gemesse - eu te amo! em derradeiro anseio,
Sei que mostravas-me um sorriso irônico,
Sei que disseras a sorrir: - Não creio.

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