Cismas à Noite

Doce brisa da noite, aura mais frouxa
Que o débil sopro de adormido infante,
Tu és, quem sabe? a perfumada aragem
Das asas de ouro algum gênio errante.

Tu és, quem sabe? a gemedora endecha
De um ente amigo que afastado chora,
E ao som das fibras do saltério ebúrneo
Conta-me as dores que padece agora!

Ai! não te arredes, viração tardia,
Zéfiro pleno da estival fragrância!
Sinto a teus beijos ressurgir-me nalma
O drama inteiro da rosada infância!

Bem com a aurora faz brotar as clícias,
Chama das selvas os festivais cantores,
Assim dos tempos na penumbra elevas
Todos os quadros da estação das flores.

Sim, vejo ao longe os matagais extensos,
O lago azul, os palmeirais airosos,
A grei sem conta de ovelhinhas brancas
Balindo alegre nos sarçais viçosos;

Diviso a choça paternal no outeiro,
Alva, gentil, dos laranjais no seio,
Como a gaivota descuidosa e calma
Das verdes ondas a boiar no meio;

Sinto o perfume das roçadas frescas,
Ouço a canção do lenhador sombrio,
Sigo o barqueiro que tranqüilo fende
A lisa face do profundo rio...

Oh! minhas noites de ilusões celestes!
Visões brilhantes da primeira idade!
Como de novo reviveis tão lindas
Por entre as balsas da nativa herdade!

Como no espaço derramais, suaves,
Tão langue aroma, vibração tão grata!
Como das sombras do passado, mesmo,
Tantas promessas o porvir desata!

Exalte embora o insensato as trevas,
Chame o descrido a solidão e a morte,
Não quero ainda fenecer, é cedo!
Creio na sina, tenho fé na sorte!

Creio que as dores que suporto alcancem
Um prêmio ainda da justiça eterna!
Oh! Basta um sonho!... o respirar de um silfo,
O amor duma alma compassiva e terna!

Basta uma noite de luar nos campos,
O brando eflúvio dos vergéis do sul,
Dois olhos belos, como a crença belos,
Fitos do espaço no fulgente azul!

Ah! não te afastes, viração amiga!
Além não passes com teu mole adejo!
Tens nas delícias que as torrentes vertes
Toda a doçura de um materno beijo!

Fala-me ainda desses tempos idos,
Rasga-me a tela da sazão que vem,
Foge depois, e mais sutil, mais tênue,
Vai meus suspiros repetir além.

A noite, o orvalho, a viração e a calma!

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