Desengano

Oh! não me fales da glória,
Não me fales da esperança!
Eu bem sei que são mentiras
Que se dissipam, criança!
Assim como a luz profliga
As sombras da imensidade,
O tempo desfaz em cinzas
Os sonhos da mocidade.
Tudo descora e se apaga:
É esta do mundo a lei,
Desde a choça do mendigo
Até aos paços do rei!
A poesia é um sopro,
A ciência uma ilusão,
Ambas tateiam nas trevas
A luz procurando em vão.
Caminham doidas, sem rumo,
Na senda que à dor conduz,
E vão cair soluçando
Aos pés de sangrenta cruz.
Oh! Não me fales da glória,
Não me fales da esperança!
Eu bem sei que são mentiras
Que se dissipam, criança!
Que me importa um nome impresso
No templo da humanidade,
E as coroas de poeta,
E o selo da eternidade,
Se para escrever os cantos
Que a multidão admira
É mister quebrar as penas
De minh'alma que suspira?
Se nos desertos da vida,
Romeiro da maldição,
Tenho de andar sem descanso
Como o Hebreu da tradição?...
Buscar das selvas o abrigo,
A sombra que a paz aninha,
E ouvir a selva bradar-me:
Ergue-te, doido, e caminha!
Caminha! dizer-me o mante!
Caminha! dizer-me o prado.
Oh! Mais não posso! - Caminha!
Responder-me o descampado?...
Ah! não me fales da glória,
Não me fales da esperança!
Eu bem sei que são mentiras
Que se dissipam, criança!

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