Jornalista comprova corrupção de Mário Kértesz

"E Salvador nunca teve um prefeito que tenha roubado tanto, a mim e a você, no município do que Mário Kértesz."

Fernando Conceição, jornalista

O jornalista Fernando Conceição, atualmente professor universitário e com formação de pós-graduação na Universidade de São Paulo (USP), em 1990 fez, na condição de free lancer, uma série de investigações a respeito da então recente gestão de Mário Kértesz na prefeitura de Salvador, no final dos anos 80.

A investigação resultou na descoberta de um grande esquema de corrupção, baseado no desvio de verbas públicas para alimentar duas empresas "fantasmas", criadas por Kértesz e outros dois empresários para receber financiamentos do Governo Federal e desviá-los para os cofres do então prefeito.

A corrupção, além de ter transformado Kértesz num homem riquíssimo, que havia comprado três rádios (Itaparica, Rádio Clube AM e Rádio Cidade, as duas últimas transformadas na Rádio Metrópole, com a mesma programação), prejudicou as gestões posteriores da prefeitura de Salvador, de Fernando José (já falecido) e Lídice da Matta. O sucessor desta, Antônio Imbassahy, teve que mover uma ação judicial para sanear financeiramente a prefeitura da capital baiana e obter autorização para voltar a receber financiamentos do Governo Federal.

"Mário Kértesz é um cara tão sujo, que até gato (de energia elétrica) na casa dele ele fez para não pagar energia. É verdade, o jornal A Tarde deu isto."

Aqui estão os trechos da entrevista de Fernando Conceição para o jornal Anedota Búlgara, reproduzidos aqui:

Amilcar - É verdade que você foi expulso do PT?

Fernando - Em 1985 eu resolvi, junto com todo o movimento negro, apoiar a candidatura de Edvaldo Brito. Aliás, as pessoas do movimento negro eram mais apaixonadas pelo Edvaldo Brito do que eu. Por ser do PT, eu olhava para ele até com uma certa desconfiança, porque ele tinha sido prefeito biônico, tampão, na época de Roberto Santos. Então o PT não aprovou a minha opção.

Amilcar - E quem era o candidato do PT?

Fernando - O dono do PT na Bahia, um cara chamado Jorge Almeida, vulgo Macarrão. Hoje ele é um intelectual que fez, inclusive, mestrado na FACOM. É um cara que trabalha agora com comunicação e política. Mas é um cara que nunca trabalhou na vida, filho de famílias abastadas. O PT na Bahia sempre foi dirigido pela classe média, os rebeldes sem causa. Pessoas não negras, que nunca fizeram nada. É o grupo onde está o Nelson Pellegrino. Eu apoiei o Edvaldo Brito até o fim, apesar daquele pessoal do movimento negro no último momento ter abandonado o Edvaldo Brito para apoiar o Mário Kértesz, que era o candidato que disputava com o Edvaldo. O Mário Kértesz é carlista de carteirinha, mas que abandonou o carlismo...

Bulcão - Ele ganhou a eleição.

Fernando - Ganhou. Abandonou o carlismo, e foi sustentado pela esquerda, que o apoiou. Toda a esquerda. Depois a esquerda receberia o troco de Mário Kértesz. Porque logo a seguir ele voltou para os braços de Antônio Carlos Magalhães. E Salvador nunca teve um prefeito que tenha roubado tanto, a mim e a você, no município do que Mário Kértesz. Existe processo na justiça contra ele. Eu não estou chutando, estou falando isto porque posso provar. Mário Kértesz deu um rombo no município de Salvador de 200 milhões de dólares. Ele fez uma falcatrua com duas empreiteiras pertencentes ao mesmo dono: a Sérvia e a Engepar, pertencentes a um cidadão chamado Tales Sarmento. Esses dois cidadãos roubaram a cidade em 200 milhões de dólares, dinheiro que foi para os cofres de Mário Kértesz.

Amaral - Foi aquela história do bonde?

Fernando - Bonde e mais mil falcatruas. Eu sei bem disso porque eu trabalhei no jornal A Tarde, e fui o repórter especial, designado por Jorge Calmon para acompanhar essa história do fórum Ruy Barbosa e descobri mais coisas. Durante todo o primeiro semestre de 1990, eu cobri esse fato. Em 1990, Mário Kértesz queria ser candidato a governador. Em janeiro de 1990 o Ibope publicava as primeiras pesquisas sobre a eleição que ocorreria em novembro. Ele despontava como candidato preferencial para governador. Jorge Calmon me chamou na sala dele e disse: "Olha esta pesquisa, Fernando. Mário Kértesz vai ser governador. Vamos jogar um pouco de areia nessa brincadeira? Eu quero que você acompanhe essa denúncia de Pedro Irujo desses contratos fraudulentos". O prefeito da época era o Fernando José. Eles haviam brigado e o Fernando José denunciou os contratos fraudulentos com essas duas empreiteiras. Então eu comecei a investigar. As minhas matérias não eram levadas direto para a redação do jornal. Quase todo final de tarde, eu despachava com Jorge Calmon na casa dele, tomando whisky, ele lia a matéria, dava risada, ligava para o jornal e eu além da matéria, fazia a chamada de primeira página. E o que eu escrevia, ia. A chamada da capa e a matéria. Vinha um boy na casa de Jorge Calmon e pegava o material e no outro dia estava lá. Claro que depois de algum tempo, Mário Kértesz e o grupo dele descobriram que era eu. Ele era dono do Jornal da Bahia, estava para comprar a TV Bandeirantes aqui em Salvador, ele queria ser governador. A campanha de A Tarde destruiu as pretensões de Mário Kértesz, tornou inviável a candidatura dele. Mas já havia um acordo para ele ser candidato governador e Antônio Carlos Magalhães ser candidato ao senado. Antônio Carlos não seria candidato a governador em 1990, inclusive ele estava saindo de um enfarto em 1989. Mas as matérias de A Tarde mudaram o quadro. Porque além dos contratos, nós investigamos também outras coisas.

Mário Kértesz é um cara tão sujo, que até gato (de energia elétrica) na casa dele ele fez para não pagar energia. É verdade, o jornal A Tarde deu isto. Ele tinha uma mansão ali no Caminho das Árvores e ele fez gato. Está lá publicado. O cara é um gatuno. Esse cara era para estar preso, mas esse processo dele já caducou. Porque eles fizeram um acordo. Por que Lídice não governou Salvador? Por que Fernando José não governou Salvador? Porque Mário Kértesz comprometeu todo o fundo de participação dos municípios e ICMS. O dinheiro quando entrava no banco, a Sérvia e a Engepar eram quem primeiro pegava... a empreiteira é que dizia quanto deixava para o município. Lídice da Mata não podia pegar em dinheiro algum. Nem Fernando José. Somente com a eleição de Imbassahy a justiça derrubou isso e o município voltou a ter dinheiro. Foi por isso que Fernando José entrou na justiça. Rapaz, eu me tornei amigo do procurador geral de justiça, um cara chamado Almir Brito. Eu vi a luta desse cara.

Amilcar - O Edvaldo Brito me passava uma coisa de negro de alma branca. Não acho que ele fosse identificado com a causa dos negros, pelo menos aparentemente.

Fernando - Eu concordo plenamente. O perfil do Edvaldo Brito era o do negro bom moço. Quando ele se candidatou ele era o PMDB da ala de Roberto Santos. Mário Kértesz entrou no PMDB e em três meses ele comprou cinco mil delegados para ganhar a convenção. Ele comprou o PMDB e também o PDT na mesma época. Então o Edvaldo Brito não era, para mim, o candidato ideal, mas ele correspondia às expectativas do próprio imaginário do negro baiano, porque era um advogado respeitado, reconhecidamente bom no que faz, um dos grandes mestres do direito tributário brasileiro, membro de diversos conselhos fiscais, etc. Por que Lula nunca é eleito? O próprio trabalhador o discrimina por achar-se igual a ele. Então, o Edvaldo Brito era um negro cheiroso (risos), um negro polido, duvido que ele saiba sambar... (risos). Então pensávamos: "esse é o cara". Mas nem assim, cara. E o pior é que todos aqueles caras do movimento negro, que chegaram a assinar cartas públicas amando Edvaldo Brito... eu nunca assinei nenhuma carta pública dizendo que Edvaldo Brito era o melhor. Mas o diretor do Olodum, João Jorge Rodrigues, sim. O vovô do Ilê, sim. Esses caras, logo a seguir, dois meses depois de escrever essas cartas, foram para a TV dizer que Edvaldo era racista, etc. Claro, houve uma recompensa por isso. Todos eles ganharam cargos de segundo e terceiro escalões, depois que Mário Kértesz foi eleito: a mulher do João Jorge, o João Jorge, do Olodum, Lilo Almeida, que é músico, todos eles. Foi aí também que o Olodum cresceu. Eu apoiei o Edvaldo Brito até o fim. E nunca negociei nada com ele. Fiz críticas internas a ele, na época em que ele começou com um discurso anti-comunista. E eu nunca pedi a ele um alfinete. Aliás, quando terminei o doutorado, em outubro de 2001, eu quis me mudar para São Paulo e procurei o Edvaldo, entreguei um curriculum para ele, pedi que ele entregasse ao coordenador do curso de jornalismo do Mackenzie, onde ele ensina. Ele ficou de me dar um retorno no dia seguinte, e nunca ligou. Mas quando o apoiei aqui, nunca negociei nada com ele.

Márcio - Como você vê a falta de politização do jovem de hoje?

Fernando - Os tempos são outros. Eu não compartilho da idéia de que todos os jovens de hoje são alienados, etc. Eu discuto com os jovens na faculdade, na rua... são pessoas que querem mudar. Eu acho que o nosso problema é de falta de renovação de lideranças. Mas isto não é um problema somente dos jovens. Está nos partidos, sindicatos, etc.

 

 

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