Trevas sem Memória

Em 2001, foi lançado um livro "Memórias das Trevas - Uma devassa na vida de Antônio Carlos Magalhães", de autoria do jornalista João Carlos Teixeira Gomes, conhecido como "Joca". É um documento que muitas editoras se recusaram a lançar, para não se comprometerem com o poderio do político baiano.

É um livro bem escrito, bastante informativo, no que se diz ao passado do Jornal da Bahia e da trajetória pessoal do autor, vítima de vários processos judiciais, frutos da campanha do então prefeito (1969) de Salvador e depois governador da Bahia, Antônio Carlos Magalhães, de derrubar o Jornal da Bahia, que seguia orientação oposicionista ao regime militar e aos políticos biônicos baianos.

Joca (que escreve para A Tarde) prende a atenção do leitor com seu testemunho, acompanhado de detalhes, reprodução de documentos, notas de imprensa e dotado de uma intensa pesquisa bibliográfica. Em certa passagem, ele dá um pouco de seus ensinamentos sobre jornalismo, baseados na sua experiência como editor-chefe, articulista e repórter do referido jornal, que nos seus primórdios tinha o então futuro cineasta Glauber Rocha e o escritor João Ubaldo Ribeiro na sua equipe.

Mas o maior erro de Joca, que aparentemente passa despercebido, é querer culpar o mandante e não o executor da "morte" do Jornal da Bahia. Quem viveu em Salvador, no início da década de 1990, sabe que o ex-prefeito de Salvador, Mário Kértesz, foi nomeado interventor do periódico naquele ano, e foi este que mudou a linha do jornal, que antes era um veículo de grande força cultural. Mário fez o Jornal da Bahia cair drasticamente de qualidade, adotando a linha mista do policialesco sensacionalista com fofocas da tevê com o mesmo teor.

Apesar disso, Joca se limita a descrever Mário Kértesz como um dos que foram traídos por ACM, como se a partir dos anos 80 o político que foi xingado de "judeu fedorento" por Magalhães tivesse se tornado oposicionista. Grande engano. Kértesz, também ex-prefeito biônico de Salvador nos anos 70, rompeu o cordão umbilical com ACM assim como este de Juracy Magalhães (nenhum parentesco com o famoso "malvadeza", o Magalhães de Juracy, já falecido, era um clã de militares do Ceará; Juracy foi interventor nomeado por Getúlio Vargas no período do Estado Novo). Sair da tutela de um poderoso é uma coisa, agora daí para classificar isso de "atitude de esquerda" ou de "corajosa oposição" é um enorme absurdo.

Joca, por isso, errou ao querer "capturar" o mandante, mas deixando escapulir o capataz. A história do fim do Jornal da Bahia acaba tendo uma séria lacuna. Será que temos que esperar 25 anos para que haja uma obra como "Memória das Trevas" dedicada a Mário Kértesz?

DOM CARLOS CORLEONE - O escritor Francisco Alexandria, faleccido em 2003, havia lançado dois anos antes o livro Dom Corleone, sobre o mesmo ACM de Memórias das Trevas. Em sua primeira edição, Alexandria falava um pouco do caso do Jornal da Bahia, embora cometesse o mesmo pecado de "Joca", que não atribuiu a Mário Kértesz o golpe mortal contra o histórico jornal. Como dito acima, os dois se preocuparam em querer punir o mandante, mas deixando escapar o executor do fim do Jornal da Bahia.

Para piorar, o episódio do Jornal da Bahia sumiu completamente na edição recente de Dom Carlos Corleone, lançada pouco antes da morte do autor. Francisco Alexandria nem sequer mencionou o nome de Mário Kértesz em trecho nenhum. Dessa forma, o ensaísta morreu com uma dívida enorme à cidadania e à democracia, pois, mesmo com um livro bem escrito com passagens interessantes até sobre o culto ao finado Luís Eduardo Magalhães, se omitiu diante da ascensão de Mário Kértesz que, como todos sabem, é "filhote" político de ACM e em nome dele transformou o Jornal da Bahia num cortiço impresso em papel jornal, para depois botá-lo para falir.

 

 

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