O Ponto
o ponto



















I
Tudo, simplesmente tudo. Nada a falar. Talvez sentir. Num equilíbrio sem fim. Ai de mim se não fossem meus pés que esquentam meu corpo e me fazem respirar. Tudo num só que sou. Um ser só. Tudo. Amado. Parado no amor. Sem dor para contar. Talvez cantar, dormir, renascer, viver. Sem fim. Ai de mim que ainda lamento. Sem dor. Para vida egoísta, pro corpo quente. Tranqüila medida de vida, que aspira e inspira cor. Tudo de cor. De um repertório apreendido e absolvido. Talvez sim, sem talvez. Num ponto que é vida. Numa vida que é ponto e vírgula. Num saber que é oculto e transparente.


II
Conto pra ti.
Tenho aqui bem no meio do peito um ponto. Sensível ponto que mede o direito e o esquerdo. Mas esse ponto recebe e dá e às vezes transborda. Tenta sempre equilibrar. O direito e o esquerdo, o esquerdo e o direito. Num equilíbrio assumido e responsável. Sabe que é um ponto que tem responsabilidades a cumprir. Ele é dono das leis dos meus pés. Ele dirige meu ser. Um ser que é só ele.
Tem mais: esse ponto é feliz. Gosta de trabalhar, nunca pára de trabalhar. Às vezes esquenta demais e dorme para esfriar. Acorda cintilante e feliz, doido pra viver. Esse ponto é tão vivo, porque é relativamente vivo e morto. O lado esquerdo que é ele é morto. O lado direito que é ele é vivo. O lado esquerdo é amor, o lado direito é paixão.
Como dizer mais: o lado esquerdo é o Sol, o lado direito é a terra. O lado esquerdo acalma o lado direito. O direito é tesão, ação; o esquerdo é bondade. O ponto é reflexão, é o consenso, o meio termo adequado. Aquele que julga e equilibra as partes. E mais. Não existe o eu, o ponto não é o eu, nem o outro. O ponto é a relação do eu e do outro.


III
Se eu pudesse retratar meu ponto e provar que o que digo é real, seria deveras cômodo para mim. No entanto, devo exigir de mim, do meu ponto que não pensa, um pensamento adequado pra que o meu ponto seja esclarecido.
No entanto, meu ponto não pensa. E justamente por não pensar que ele é ponto.
Meu ser antes de ser ponto pensou, mas enquanto pensava em ser ponto não era ponto. Agora que é ponto não quer pensar. Uma trajetória às avessas.
Não quero deixar de ser ponto, mas quero esclarecê-lo , mas para isto é preciso explicá-lo de uma forma lógica. Mas a lógica é substrato do meu ponto, foi fundamento dele. Hoje ela não é mais nada. Meu ponto é um canal livre. Loucamente livre e equilibrado. Percebe tudo sem pensar. Distingue sem ver. Numa real liberdade.
Amo meu ponto por não ser meu. Meu ponto é tudo e todos, num meu que é também seu.



IV
Sobre mim
Anteontem sentia-me inteira, hoje sinto-me prestes a tornar-me inteira. Cada vez um pouco mais inteira. Sentindo-me sempre inteira a cada momento. Algumas fases como ontem e hoje "transições", fazem-me sentir angústia. Perco-me, sinto-me insegura em relação "a mim", ao meu ponto; pareço perder minha identidade. Porém, momentos de integridade fazem perceber-me mais forte, mais inteira do que quando estava inteira pela última vez.
São alguns encontros com determinadas pessoas que me fazem transitar de um ponto a outro. Pessoas que trocam comigo forças intensas. Nessas trocas há um período de adaptação; nesse período desintegro-me. Anseio o ponto, mas sei que para alcançá-lo necessito de calma nesse período de transição. É preciso sentir-me profundamente na situação atual e aceitá-la como real. Meu ser carente, sem drama, dramaticamente tenta suavizar essas aflições sentidas. Trata-as com paciência e ardor, faz com que elas se tornem parte de si. Meu ponto mais apto, mais confiante ressurge. Amanhã serei mais digna de mim, do meu ponto.


V
Sabe, é importante que tudo parta de mim. De dentro pra fora. É importante que meu ser filtre perceptivelmente todo o exterior, à sua maneira. É essa a compreensão do meu ser.
O que se adequa a mim e como se adequa.
Mesmo uma leitura qualquer não é absorvida por meu ponto se ele não quiser. O meu ponto é dono de mim.
Ele só aceita o que lhe convém. E sempre sabe o que lhe convém. Sabe absorver o que é novo. Sabe repelir restos de "lógica viciada". De detalhes imperfeitos e ásperos.
De outros seres recebe quando o Solicitam. Sempre numa troca árdua e constante.
Tudo faz parte de um círculo que roda. Esse círculo cada vez mais aumenta sua circunferência e roda com maior lentidão.
O ponto é superfície do meu ser, é claro. Sou eu que não sei-me, esquecida. E meu corpo dá-me possibilidade de agir. Os impulsos fazem parte do movimento do círculo que é meu ponto. Um ponto nítido e amparado.
Meu ponto ama a vida, gosta de ser igual, de se relacionar, de agir.
Meu ponto detecta outros pontos, às vezes círculos com circunferências maiores, ou menores. Gosta de detectar isso; empreende-se em procurar e situar pontos em seres sem ponto. Essa é sua maior alegria.
Às vezes, porém, fica triste, mas a própria tristeza é alegre, faz parte do ponto. Ele é tudo e todos sempre. Quando recebe ajuda, agradece e recebe, quando é Solicitado se empenha e dá. Gosta de dar, tanto quanto gosta de receber. Sempre numa medida exata de necessidades.
Sobrevive na medida da terra e do Sol. É elástico, absorvente, criativo. "Creio nele tanto como em mim. Na vida e em ti." Tudo é parte. Todas as partes são necessárias.
Por vezes mete-se na escuridão, fica cego, acostuma-se com o escuro e torna o escuro claro pra ele. De início amedronta-se, teme perder a visão, mas torna-se atencioso, prestativo, cauteloso ou às vezes áspero, frio e calculista até visualizar com clareza as formas escondidas pela escuridão.
Meu ponto é O. K., não tem pátria. É surfista, corajoso e cheio de medidas.
Não é nadador por profissão, mas não tem medo de se afogar.
Meu ponto é sensual, gosta dos suaves prazeres da vida.




VI
Vou te contar tudo.
Às vezes penso que tudo sempre se supera. Pois meu ponto que era um só, sempre se relacionando, agora se transformou em infinitos pontos.
É difícil ainda dizer. É como se um ponto tivesse sido dividido milhões de vezes. Cada momento mil pontos que devem se equilibrar. A tarefa tornou-se mais difícil. Às vezes um desarranjo em meu peito descentrado. Dou-me conta por vezes de uma transformação no meu modo de sentir e perceber tudo, que são muitos detalhes que antes passavam desapercebidos. Penetro mais na vida. Adquiro uma instabilidade já esquecida. Às vezes penso que regrido, algum ponto que não pontuou, mas deixou-se pontuar. Volto a pedir socorro à mãe terra. Duvido às vezes. Esqueço de mim, flutuo no ar e pulo, tento bater forte os pés no chão reclamando terra. Acredito no destino e sei que só tenho a aprender, sei que hoje recebo mais que ontem, mesmo sem pedir, sem querer.
Na verdade um homem modificou o meu ponto pra mil pontos. Um homem que não sei direito o que sinto por ele, só sei que ainda não sei deixá-lo.
Por vezes fico sem voz num grito de socorro, mas eu acalmo, meu ponto acalma e quero vê-lo novamente. Recuo; dou voltas, cambalhotas, numa vontade infinita de amor. Numa vontade de pontuá-lo, de lhe dar o meu ponto perdido. Por vezes duvido da minha força, mas é preciso sempre encontrá-la. Meu ponto diz: é preciso andar e viver bem e percebo tranqüila que tudo corre bem, ele cada vez mais pontuado e eu cada vez mais aprendendo a pontuar. Aprendendo a ver o que antes não via.
E o pior é que aprendo o pior, é que reflito nos seres meus mil pontos, da mesma maneira como antes refletia meu ponto estável. E o melhor é que meu trabalho torna-se me pontuar novamente pontuando todos novamente. Sempre um círculo, um círculo de vida. E a cada aprendizagem do pior torno-me melhor, uma mais inteira que é sem fim. Torno-me mais horizontal, mais retilínea, quase nada que é quase tudo.
Maior facilidade pra relatar, num mundo, detalhado e dividido. Chego lá, novamente no meu ponto perdido: uma meta a alcançar. Talvez ele e eu, talvez eu e ele, ou talvez nós, num dueto de amor.


VII
Tão pouco tempo. Tudo novamente atemporal, na justa medida. Um ponto que é tantos pontos sem fim. Numa instabilidade estável, meu ser ganhou mais espaço, meu ponto não se perdeu, ampliou-se. Talvez um ponto mais receptivo, mais esperto. Antes não via o que hoje vejo. Meu ponto vê mais, sabe mais. Tornou-se mais exigente menos preguiçoso; é mais terno. Tenta equilibrar com ternura, e pende agora para esquerda. Fica bravo com a direita: sustenta a ternura nos "bravos". Tem em si o peso dos bravos. Um lamento sem dor, sem dó.
Voltei, meu ponto voltou. Amo a vida e o direito e o esquerdo que é um só. Centro. Ponto.
Sem talvez. Numa reta dividida, com direção apontada, lançando direções.
Mais um passado digerido pelo presente. Tudo linear, horizontal como a superfície calma. Meu ponto é a superfície. Lida com os tremores internos sempre na superfície.
Às vezes é preciso submergir, perder a superfície, quando os tremores são por demais fortes. É preciso lutar, vencer os tremores até por fim, atingir novamente a superfície calma, e sê-la completamente, dona das profundidades.
Meu ponto faz-me hoje sorrir. Plena dele, de mim.
Alguns tremores ainda ressoam na superfície. Ondas sem grandes turbulências. Sem asfixia, sem gritos de dor, num presente sincero.
Tornei-me mais mulher, mais mãe, mais terra.
Tornei-me amante do Sol, sempre úmida.
Um ponto, porém.


VIII
Sobre o ponto dentro de circunstâncias.
Trago aqui uma possibilidade relativa: a própria vida. A possibilidade de vida é relativa, porém dentro dessa relatividade sustento o ponto que só é relativo enquanto auto-reestruturação. Numa estruturação constante o ponto vive, e adaptando-se sempre a novas circunstâncias. O que quer dizer que as circunstâncias são relativas e o ponto por sua vez não vive sem elas.
As circunstâncias referem-se ao ponto e por ele são absorvidas, apreendidas, percebidas em amplo sentido. Desta forma, circunstancialmente escrevo sobre o ponto.


IX
Na medida do talvez, na sua medida sinto-me dividida. Não sei se te quero ou não te quero. Não sei se você me quer ou não me quer. Se te amo ou te odeio.
Não consigo uma certeza sua;sempre um talvez. Também não consigo parar de pensar em você.
Gostaria de estar certa de algo, de me sentir estável ao seu lado, de te dar estabilidade.
Às vezes me culpo por você, às vezes te culpo por mim.
Não sei se dramatizo demais, só sei que sou assim. Uma vontade louca de amar e ser amada por você.
Hoje me sinto triste, indecisa, bem na linha do talvez.
Penso em dar um tempo pra te ver, me dar um tempo; encontrar-me novamente na linha do meio.
Vou tentar.


X
Sinto-me dilacerada.
Meu coração estuprado.
Minha vida e paz por um fio.
Um amor louco desestruturou-me. Minha alma ressentida reclama e meu corpo doente espera.
Uma tentativa de vida ressoa em meu ser, evita pensamentos.
Quase sem ar, meu peito invadido sangra. Nada almeja a não ser a paz branca, o ponto que canta... Procura saídas salutares, dispensa o lado esquerdo que Soluça e não entende.
Tudo por cima, num desviar do sentir que dói, que não esclarece.
Numa tentativa de dar vida, quase perco a vida. Asfixiada ainda procuro saídas. Num estágio dramático, retomo o passado quase vencida na luta. Talvez melhor vencida, submetida à dor de amar um homem partido.
Receio, tateio e não sei escolher, decidir. Entre o sim e o não um talvez miserável destrói alternativas. Sinto-me pesada dentro de mim, um peso que me deforma e me faz sentir medo. Tudo isso por ele que não sabe viver. Tudo isso por mim que não sei respeitá-lo.
Num entrelaçamento de emoções partidas: entre dó e desejo, medo e amor reclamo o ponto. Ainda espero o desfecho feliz. Dele, de mim; nós num encontro de vida.



XI
Nesta situação eu sou a mulher carente que precisa da comprovação do seu amor. Tenho medo de perdê-lo. Quero te agradar, ser sempre a melhor para você. Isso porque não tenho a segurança do seu amor. Você precisa falar que me ama, precisa querer viver comigo.
Na verdade as coisas são mais complicadas, porque você nada fala, mas tudo isso me demonstra. Mas eu? Querendo ser sempre a melhor. Sempre querendo superar sei lá o que. Tão insegura de você. Insegura de você por você. Sinto que tem medo da vida. Não aceita os fatos como são, tem olhos por demais críticos. Mas penso, e daí, é bom que você seja assim, diferente de mim. Mas tão distante? Tão longe da vida. Sempre tão perto do céu. Tenho raiva de mim, de ti, por não conseguir te trazer pra terra. Pra perto de mim, de ti, da vida. Quem é você? O que quer? Me diga, eu posso lhe dar. Te amo.
Quero vê-lo sorrir, brincar, me amar.
Quero vê-lo livre de si. Alguns momentos te vi assim, nesses momentos fui feliz.
Nada te falta porque és belo, tão belo que te amo. Na minha medida tu és belo. Te quero na minha medida, te dando toda minha liberdade que também é tua.
Te quero mostrar a vida plena. Quero te dar e para isso é preciso que recebas. É preciso que saibas receber. É preciso que tu te entregues a ti: que possas andar, até correr, flutuar se quiseres, em ti. Dentro de ti. Perto de todos. Que é a vida. Como te ensinar se tu me envolveste entre teus fantasmas. Se sou parte de tuas armadilhas. Perdida eu, entre elas. Tantas.
Quase sem ar te falo, te peço, tua liberdade me libertará. Tu que me prendeste tão dentro de ti, que é abismo. Pra tantos lugares longínquos me levaste. Agora tu venhas comigo à tona, que é superfície, que é vida. Amor. Ponto.
Que tuas repressões, amarguras, sejam expressões de amor comigo, na cama, no mar.
Que teus desejos carentes, sejam surpreendidos por minha vontade de dar.
Que tu possas calar, deixar de pedir. Que dê pontos e vírgulas sem vacilar em ti. Pra eu poder te querer livre, em mim.
E por te amar te ensino, meu ponto te ensina: é preciso não cair nas profundezas, não deixar-se tombar. É preciso levantar e aceitar. Aqui na medida da terra e do céu. Não tão lá em cima, porque na verdade sempre há caída. Mas aqui no limite do meio poderá andar tranqüilamente, respirar à tona. Pode sim sentir as alturas e os abismos, sem penetrá-los. Sem temor.
Muito me ensinou. Tua loucura foi entregue a mim por ti. Deu-me algo que não pude recusar por teus olhos azuis, por teu corpo bonito, por tua fala estrangeira. Mas queres em troca meu martírio, minha reciprocidade em ti que não sou. Nesta luta de forças desgasto-me, perco-me, entro em parafuso, distancio-me de ti.
Se é para repartir, é preciso que saibamos repartir translucidamente. Nós em nós. É preciso que não nos violentemos nesse amor. É preciso saber lutar contra a morte. É preciso que estejamos sempre úmidos, que nossas feridas drenem num parto de dor que é vida, nascimento. Teus mais intensos desejos serão meu alimento e os meus serão seu. Numa expressão gordurosa de medos perdidos. Sem espera e demora, sempre agora quando quisermos, nunca deixando vazar em nós o veneno do prazer asfixiado.
O tu contigo me vendo, e eu comigo te vendo. Sempre na medida dos nossos limites que é o nosso amor.
Que tenha suas fantasias e que delas aproveite-se para me amar melhor, sem invadir-me, sabendo que elas são suas, não nossas. Eu por mim guardarei bem as minhas, expressando em ti somente meu desejo por ti, que são todos pra mim.
E depois disso, poderei andar a meu modo, descalça, atrapalhada, sem fazer feio perante tu. Me sentirei armada, fechada, gozada, translúcida de mim. E rolaremos, brincaremos sem dúvida de nós.


XII
Hoje um tudo que é ponto entre nós. Meu peito sem chamas redescobre o prazer do amor. Um prazer parado, tranqüilo de si, esgotado da dor.
E é vida, e é ponto. Na medida do meu eu contigo. Numa verdade infinita.


XIII
Nada a dizer, um outro dia que é dia, claro como o azul. Triste como a própria vida.
Não podemos mais nos ter. Acabou. Um ponto que ficou. Um presente pleno de falta é tudo. É tudo para mim, por isso não pode ser meu. É da vida. Como eu sou da vida. do mar. Entre nós somente um ponto, que aponta pra frente, que diz sim à separação.


XIV
Com mãos trêmulas, peito mais profundo recomeço a viver. Estou mais calma, paciente. Meu ponto ressurge mais sensível, longe de ti, quase que apenas um toque: um perceber suave outros pontos. Meu ponto está mais modesto.
Agora percebo o quanto ainda lhe faltava de modéstia, apesar de já sentir-se modesto.
Meu ponto mais simples, ainda convalescente, toca suave outros pontos.
Mais otimista, sem tanto ênfase entretanto. Um otimismo modesto, recatado. Meu ponto quase não é ponto, é um estar bem. Sem ser. Relaciona-se. Simplesmente. Sem paixão. Só amor.
Etapas de submersão, de angústia, desespero, falta de ar tornaram-no menos afoito. Pensava-se, sentia-se um ponto. Hoje também um ponto, só que um ponto diferente.
Meu ponto mais astuto e esperto, porém não desconfia. Quase esquecido de si. Recebe mais. Dá mais.
Uma ansiedade sim, que é vida. Mas uma ansiedade calma, que sabe esperar, definir, delinear.
Meu ponto sabe-se convalescente, cansado de guerra. Vencido de si. Vencedor.
Meu ponto não tem vaidades, na verdade uma vaidade que quase não é, porém ainda é. Uma forma gostosa de ser. Saboreia-se, sabe-se.
Acredito que nunca deixará de saber-se pois sente-se. Ama-se. Um amor que é quase todo pra fora que é pra dentro. Assim como um tudo que é nada. E quanto mais nada, mais tudo. Cada vez mais nada. Quase perto da morte que é mais vida.
Meu ponto desregrado, sente-se forte e regrado. Visualiza mais intensamente e comodamente as direções que seguirá. A cada momento age certamente num destino que o leva para algum lugar determinado. Tão perto da terra. Tão próximo do além. Tudo aqui e agora, num já que é. E uma satisfação em mim, de mim, reflete o amor, que é o mar, que é a vida, que são todos. Dentro do meu peito uma água corrente, fresca, refresca-me agora, sempre. O fogo apagou-se, meu ser sem paixões. Só amor. E cada faísca que acende é surpreendida por essa fonte de água fresca e apaga-se submetida à frescura do mar.
Uma umidade permanente, um bem estar latente, faz meu ponto cantar num ritmo adequado, numa sintonia harmônica de si.


XV
Hoje uma certeza de mim, do meu ponto suave. Uma certeza do céu, das estrelas, da lua, de meus filhos, de minha casa, de tudo enfim. Uma certeza no que escrevo. Uma certeza tão grande no foco. Sempre um foco focando algo. Cada possibilidade e um foco bem delineado, bem real.
Meu ponto sempre procura a realidade, na verdade tem uma grande obsessão por ela. Tenta pegá-la nas mãos. Hoje mais perto dela ele está. Sente-se parte concreta do real. E cada circunstância nova, uma realidade sentida concretamente pelo ponto. Realidades que são uma e única realidade: o ponto que é a vida.
O ponto distancia-se da vida porém dentro dela, pra senti-la mais fortemente, dentro de uma realidade mais profunda.
Meu ponto sabe-se forte, sabe-se hoje capaz de matar mas não se utiliza dessa capacidade, ao contrário ele quando vê preocupa-se com a distância certa que deve manter do alvo ou do olhado, para que este não seja invadido em suas entranhas; aproxima-se conforme sente-se aproximado, numa troca recíproca e sincera; dá sempre abertura ao aproximado, carrega-o na verdade em si e dá-lhe água, abranda-lhe o fogo; dá-lhe amor.
Nesse sentido a esperteza do ponto é mero acaso, é sentido de aproximação.


XVI
Tento ficar só, não consigo.
Uma impotência de mim.
Reluto e sou áspera a fim de me proteger, tento ser ninguém.
Desaparecer pra ser. Quase nada. Juntos. Nós.
Um eu e um tu entrelaçados. Numa medida qualquer.
Sempre tento delimitar-me ao seu lado, numa tentativa de vida, de mim.
Contigo sou. Finalmente nós. Num vermelho que às vezes se despede sem terra, sem água. Mas tudo acontece e anoitece e somos nós. Sem medida.


XVII
Hoje longe de você amo você, mais ele e aquele. Depende do momento.
Cada momento me remete a ele, a você. Uma mistura de nós me faz sonhar.
Viver, amar.
Não sei estar só.
Você tão distante faz eu me perder de tu. Às vezes.
Quero estar, ser, amar.
Amo a vida porque amo você, ele, aquele.
Sempre um você, ele, aquele.
Ou só você, ele, aquele. Ontem você tão forte, tão meu.
Todas as noites sonho contigo. Te vejo lindo me amando. Te amo. Te amo.
Te amo. Sem bater o pé reclamo. Quero alguém. Te amo. Alguém. Te amo.
Tu. Tão distante. Saudades.
Penso no amanhã, perco-me de hoje. Esqueço o amanhã, remeto-me a hoje sem você. Penso nele, naquele, tão perto, você.
Um bem estar remete-me a todos. Um Sol branco me acalma sem me matar.
Você? Quem? Amor.
Tudo tão bom, tão perto de mim.
Quem? Deixo passar. Vivo e respiro fundo, no mar. Contigo, com todos, comigo.
Respeito a vida. Os limites do meu ser fazem-me andar. Limites profundos, atentos, serenos. Aqui e acolá. Ao som do céu, da terra, do ar.


XVIII
Uma certeza de mim. Uma ansiedade guiada. Tão de pé, ponto. Uma ousada vontade de vencer. Seguir. Tão firme de mim, sem mim. Firme. Ponto. Um ir que leva junto, tudo e todos que quiserem ir ao encontro de si. Pra frente, sem frente que é ponto. Tão estável quanto o nada. Tão fundo quanto o tudo. Numa exterioridade compacta. Numa liberdade que é superfície. Num fim que é ponto.
Uma vontade. Sem palavras digo o dito. E do dito um ponto.
Uma vontade de ser ponto me remete ao fora eu que é ponto. Tudo dito.
Explícito. Ponto. Devagar, depressa, na medida da vontade calma que é ponto. Num ritmo de infinitas possibilidades que é ponto. Numa musicalidade expressa do ser que é tom, que é ponto. Alta freqüência tonal que é ponto.



XIX
Hoje liguei pra ti três vezes. Tu bem sabes quem é ti. A tu me refiro.
Meu grande e único amor. Pelo menos nas horas difíceis recorro a ti.
Meu tudo. Meu ponto. Sei que tu pensas em mim. Sinto-te quando te quero.
Sei que sabes me receber, apesar de nunca me receberes. Sei de tudo e nada posso fazer.
Sempre você corpo e alma. Te quero. Sempre te quis. Sempre vou te querer. Apesar do teu medo. Apesar do meu medo. Outra vez. Você. Tu. Ponto.


XX
Como dizer que estou quente e só. Como dizer que amo o nada. Apaixonei-me pelo nada. Estranho dizer, estranho sentir. Uma onda de paixão invade meu coração sem alvo. A vida, sem dúvida. Mas o que nela me inspira paixão. Um homem, alguém sem cara com mil caras.
Invadida respiro forte. Almejo.
Tão forte sou. Pra que? Não é necessário ser tão forte. Ultrapassei meu sentir suave. Quer dizer, continuo a sentir suave, só que tudo rapidamente.
Uma ansiedade louca invadiu-me, não é minha, simplesmente sustento-a no meu ser, no meu ponto.
Quando conseguir acalmar-me, talvez alguém viva mais calmo também.
Acredito nisso.
Fecho os olhos, saio de mim apaixonada por nada. Essa paixão que vem de fora, me atinge, me faz viver bem, muito bem. Uma onda em mim sem dor.
Isso me dá esperança de uma vida preenchida. De uma vida que dá e recebe. Mesmo que eu não tenha autonomia sobre meus sentimentos. Não importa. Meu ponto tem. Gosto tanto de ser amada, de dar amor.
A vida é isso. Uma troca contínua.
Penso em todos meus amores passados. A todos dou, de todos recebo.
Encontro pessoas no meu cotidiano, a elas dou, delas recebo. Ou não dou e não recebo, ou ainda dou e não recebo e vice versa. Uma vida tão intensa. É tão bom viver. Sou feliz.
Meu ponto proporcionou-me felicidade intensa. Sinto-me bonita, amada a cada instante sem amor específico.
Como dizer tudo isso em mim.
Como dizer que meu ponto vermelho intenso enxerga o azul, o lilás e o verde claro. Enxerga o Sol branco. Como dizer que sou feliz só. Como dizer o indizível, o amor real em mim. Tão real que sou corpo, tão corpo que vejo corpo.
Meus sentidos animais aguçados dizem-me que sou forte. Minha cabeça diz-me que sou amor. Meus olhos vêem o "fora eu" que é a vida. Como dizer que tudo é valido; que o amor não tem senão.


XXI
Outro dia.
Penso em você. Vivo você. Meu grande amor.
Indefinível. Num céu sem fim.
Sem medo.
Outra vez.
Aqui outra vez vivendo você.
Um roxo azulado me acaricia.
Meu corpo cresce, arrepia e eu sinto você.
Meus intervalos Solitários.
Sempre você.
Na falta do mar.
Minha droga: você.
Numa ditadura de ser: Eu-Tu
Enlouqueço, esqueço, morro de amor. Num trânsito sem fim. Você.


XXII
Hoje um índio.
Selvagem e verde como a floresta.
Sem desespero nos desprezamos e nos amamos.
Entre o Sol e a chuva cambaleamos felizes, ardentes.
Somos nós.
Te olho e te vejo sem dono: outono. Verão em mim.
Durmo e rastejo tentando te amar. Levanto e cresço sem dor.



XXIII
Fui descoberta. Sem véus.
Sinto-me amada fora das medidas.
Recompensada pela vida. Amparada.
Vocês aí, dentro de mim, competindo, me amando com paixão e eu aqui fora das medidas, vivendo. Suporto vocês me desejando, e eu os aceito, aqui, em mim, no meu peito.
Fora as invasões do tipo: eu também quero.
Ousada escrevo e supero feliz de saber que só dirijo o espetáculo do meu ser, com amor, despejando amor.
Minha felicidade transborda e dá. Uma troca constante, eterna, numa cama fraterna. A minha. Mulher.
Jesus Cristo Super Star, um deles.
Eu infinitamente pequena perto de ti.
Uma porta aberta pro além, pra vida: liberdade infinita.
Atrás de ti. Eu. Rendida. Partida. Mil vezes partida. Infinito que chama sem se despedir.
Me entrego ao néctar dos deuses, às pequenas doses de prazer. Sem engano agora, eu com alento e descanso, junto-me ao maior bobo da América.
Lindo como o Sol. Tudo em mim, a maior boba da América do Sul. Ingênuos. Nós. Juntos. Amor ameno. Choro e amo também você, meu grande e único amor agora. Martírio, perdido em mim a procura de ti. Sempre todos, e cada momento supremo, total. Sem terminar, respiro e deliro num gozo sem fim.


XXIV
Uma construção constante de mim, uma busca eterna de paz. Um movimento sem fim faz-me viver numa roda que gira sem parar. Numa cadência qualquer, sempre livre pra girar. Meu corpo leve dispensa abusos, retrai-se às vezes a procura do seu próprio centro, a procura do ponto. Para em si sem parar de girar, porém numa outra cadência. Num ritmo adequado e livre.
Giro dentro da vida sentindo e percebendo meu exterior, sem crítica.
Tudo é. Tudo pode ser. Não existe bom e mau, tudo realmente é. Tudo faz parte da vida. Sem questionar, atenta vivo translúcida.
Um certo dia porém me dei mal; conheci alguém que procurava no meu ser seus próprios limites, enlouqueci, perdi-me em seus espaços vazios, passei a girar feito louca, minha roda perdeu seu eixo e pra não parar, esfuziante, ela percorria espaços a procura do contato desse outro ser, que só sabia ser receptivo; me observava o tempo todo. Meu "eu" numa procura sinistra do outro, numa falta de contato com este outro ser, destronou-se, perdeu a possibilidade de uma relação real com o outro, procurando alternativas possíveis para uma possível relação com este outro ser, penetrou numa realidade fantástica. Tornei-me uma bruxa, perdia progressivamente meu eixo, girava sem limites num mundo sem limites.
Na procura daquele ser sem "eu" penetrei no mundo das sombras vivas e pude assim perceber sutilmente a presença do outro. Tornei-me uma sombra viva e passei assim a conviver com o outro ser. Dessa maneira encontrei nosso ponto de contato num mundo quase morto. Dei-lhe ar, água, amor. Dei-lhe o seu próprio contorno. Mas ele dispensou-me, dispensou-se; fugiu com medo de si, arrepiou-se do contato que teve com a vida. Refugiou-se só no seu mundo invisível, porém levou-me nos seus sonhos e deixou-me como lembrança sua falta de ar, seu susto e suas garras enfiadas no meu peito aberto.
Hoje, sinto-me responsável por aquele ser e mais que isso, sinto-me obrigada a sustentá-lo até que ele possa sozinho sustentar-se. Por isso passo por momentos em que esqueço da vida, em que tenho medo da vida, mas de alguma forma sinto-me amparada nessa dor, sinto meu ponto de contato com esse ser semi vivo e boto fé no meu amor, no meu ponto. Sei que não devo esperar nada desse ser a não ser uma possibilidade de podermos nos relacionar dentro da vida. Seu amor? Não espero, não sei como ele reagirá quando tornar-se só, quando encontrar-se na profundidade do seu eu. Na verdade o meu desejo é que esse ser me amasse assim como eu o amo. Talvez sinta-se ofendido por tamanha invasão, é sério porém que não houve alternativa para mim, fui também pega de surpresa quando penetrei naquele mundo. Lá reconheci-me como uma mulher vil, tomei contato com o meu demônio. Muito lutei e ainda luto contra essas forças demoníacas que se apossaram de mim. Tornei-me feroz, capaz de matar: sustentava-me no chão, olhos pregados na vida. Fui tão fundo que tornei-me poderosa, uma deusa malvada. Penso que seus olhos me viram mais do que na realidade deveriam, e eu acabei também me vendo numa forma muito diferente da minha. Mas sei que essa força demoníaca faz parte da vida, sei que fui observada por olhos que me culpavam, fui assim destituída da minha própria imagem, da minha noção de ser, da minha forma que é livre, que é ponto, que não tem dentro de si culpa; talvez tenha sido descoberta em minhas raízes, sem carinho ou amor, apenas culpa, por um ser crítico que não sabe ver realmente o ser que é superficial. Mas agora sei que terei forças pra levantar como mulher, que não tem medo de olhos doentes, que transformam seres normais em animais ferozes; e bem sei tudo isso por sua própria dor, por seu próprio martírio, de ser um homem semi vivo, um ser que projeta no outro a sua imagem, e se assusta consigo próprio; culpa o mundo por ser desafortunado.
Prefiro entretanto amar esse ser e ajudá-lo a ser feliz, a fazê-lo ver com bons olhos seu próprio eu para poder viver entre seres iguais. Prefiro pensar que esse homem foi vítima de olhos malvados e que sem força suficiente para sobreviver preferiu viver entre sombras. Prefiro pensar que é uma questão de tempo para que ele perca o medo da vida. Acredito no sim à vida, acredito em mim, acredito nele.
Também não posso deixar de admitir que a seu lado tornei-me estrela, uma estrela recatada. Talvez penso, tenha subido demais as alturas, desacostumada que estava com tanta luz. Na verdade não há um diagnóstico certo. São tantas as possibilidades, que tenho como única alternativa a espera do final. Uma espera viva a cada momento. Sei que com ele tenho muito a aprender, sei também que ele aprenderá comigo.
Talvez, penso, tenha sido corajosa essa fuga, que foi determinada por nós. Sei que nós dois fomos culpados da separação, e sei que era preciso nós nos darmos um tempo. Sei que penso nele e sei que ele pensa em mim. Sei que nos amamos. Sei que a cada dia estamos melhor, mais donos de nós.
Sei também que me contradigo, mas deixo-me nos finalmente ser levada pelo meu peito, por meu coração, por meu ponto; não importam as contradições, elas fazem parte da vida. O que importa é meu ser que anda lento e certo, na medida do seu próprio destino. Meu ponto me leva, o ponto de outros seres me levam; sempre numa procura de paz, de encontro, de amor.
Isso importa realmente, que seja preciso subir as alturas, descer aos infernos, isso não importa, faz parte da vida. Que meu peito por vezes sangre, estuprado por peitos chorosos. Não importa! na verdade importa a meu ponto que eu seja capaz de curá-los por mim, por meu ponto, por esses peitos chorosos que procuram paz. Sei que só tenho a aprender e ensinar, e sinto-me por isso recompensada pela vida. Numa troca contínua, por vezes áspera.
XXV
O que seria do meu ponto se não fossem os altos e baixos? Seria algo estático, perfeito por si.
Cada dia aprendo mais sobre ele, ele é ilimitado na sua aprendizagem.
A cada momento um ponto que vê, sente e age sem medir.
Descartes disse penso logo existo e eu digo pontuo e sou pontuada, logo vivo e se vivo existo. Sem abstração, tudo nos meus pés, nos meus atos.
A infinitude de tudo em mim. A minha representação, o meu eu, apresentando parte dessa infinitude que cabe dentro do meu ponto. Meu ponto expressa o além. Na verdade sou inquilina do além. E generalizando somos todos inquilinos do além. Nos relacionamos através do ponto, que não é nosso e que faz parte de nós. Os acidentes são meros acasos, limites impostos pelo exterior; que nos situam num aqui e agora. É bom ser corpo, sentir-me inquilina; senão fosse ele, não poderia o além tornar-se realidade aqui, nos meus pés. Sou nada e também tudo porque também sou corpo, porque sou capaz de sentir dor, porque sou capaz de sangrar.
Iludida num mundo subterrâneo, por muito tempo naveguei perdida, longe de mim, distante da vida. Sentada esperei preguiçosamente meu eu, que foi-me apresentado por um homem muito dono de si. Um homem distinto o suficiente para apontar-me caminhos meus sem deixar-se envolver por mim, distante o suficiente para não se afogar no meu sofrimento, na minha falta de mim. Um homem sereno, afetuoso, excelente nadador, soube com grande astúcia puxar-me das profundezas e trazer-me à superfície. A ele devo meu eu, meu ponto; sou-lhe eternamente grata. Nunca entretanto foi capaz de me amar como mulher, por mais forte e profundo que fosse esse desejo em mim. Negou-me o seu eu com coragem e afeto sem largar-me das mãos, deu-me força e coragem e pariu-me viva, feliz, pronta a andar só. Meu pai, mãe e irmão.
Hoje penso nele com amor e ternura, sinto-me homenageada pela vida, por mim, por meu ponto por tê-lo conhecido. Um criador genuíno, distinto e austero. Cônscio de si e do outro. Capaz de reformular o ser numa autoridade humilde, que despede e dá. Com alento e firmeza. Meu mestre, um homem comum.


XXVI
Obrigada por teus olhos amorosos.
Ontem sentia-me gratificada, amada. Teus olhos me deram possibilidade de ser feliz, de esperar pelo amanhã sem grande aflição. Numa espera que não é espera porque é agora, estável. Seus olhos, que olhos? Não posso dizer ao certo porque não sei. Imagino que sejam olhos do além; olhos de um anjo qualquer. Olhos que me olham com amor, respeito. Seus olhos tranqüilos refletem em mim, através da janela, de fora pra dentro, luzes suaves e harmônicas. Seus olhos carrego em mim sem saber-te.
Por isso acredito no sim, na vida, no ponto. Acredito no rumo dos ventos, na força do Sol, na floresta selvagem. Acredito na vida, no meu eu profundo que aprendeu a viver na dor sem dor. Aprendeu a navegar em si, seja qual for a maré. Navega dentro do destino, numa linha que é certa porque almeja o fim sem decifrá-lo. Sem tirar de mim a responsabilidade de andar certo, dentro do meu próprio destino guiada por meu ponto.


XXVII
Ao mesmo tempo que não existe tempo, sempre num aqui e agora, relembrando, relembro o eterno, um sem tempo que é todo o tempo.
Ontem sofria por um amor indeterminado, por um homem sem eu, perdido no tu, no cosmos indefinido. Hoje amo ele sem ele e amo outro com ele. Tudo junto que também é separado. Reencontrei alguém que é tudo em si, que é vida, uma vida sem destino, uma vida perdida, porém uma vida de pés, num corpo quente; às vezes gira fora do seu eixo guiado por uma ansiedade que ultrapassa o seu si, no entanto não perde os pés mas perde a fala, sua linguagem sintética fala do tudo e do nada; seu corpo é vivo e seus sentimentos confusos.
Eu por minha vez sinto-me por vezes confusa, anseio também fora do momento. Eu dividida entre ele e o meu amor passado entrelaço vidas, sou com este o meu amor passado, dou-me sem dar-me porque também amo o outro. O meu amor passado por sua vez recebe também as influências deste amor presente. Toda a ação que o meu amor passado não tinha lhe é de alguma forma transmitida através de mim pelo meu amor presente. Porque na verdade amo os dois. Na verdade já não suportaria o segundo se não fosse o primeiro; seu ponto maluco, descontrolado; amo porém o seu corpo quente, seus olhos claros.
Quer dizer que os dois em mim ajudam-se mutuamente numa troca de força e intensidade. Sei que tanto um como o outro são lindos d'alma. Bem sei eu que do meio sinto-me preenchida pelos dois. Pela eternidade do primeiro e pelo corpo quente do segundo. Nesse entrelaçamento os dois vão surgindo transparentes de corpo e alma que é alma e corpo. Eu por minha vez só cumpro o meu destino, deixo que tudo aconteça como deve acontecer, aprendendo cada vez mais e esperando o melhor.
Eu por mim estou bem, muito bem, tentando transformar o quente em morno e o frio em morno também, numa mistura de modelos tento achar o original de cada um. Quanto a ficar com este ou aquele modelo, isto não importa, importa sim meu ponto que às vezes perdido tenta encontrar-se na vida.


XXVIII
Hoje um dia arrastado, meu corpo cansado, pesado, pede desculpas pra vida, pro dia claro; cheio de Sol e se arrasta cansado procurando, alternativas. Sente-se carregado de algo que não sabe o que é. Minha cabeça preguiçosa prefere o vazio do nada. A meditação parada.
Ontem, porém, sentia-me ativa, cheia de mim, de meu corpo. Meu corpo já pesava, mas era um peso vital, como se eu estivesse grávida, sentia-me preenchida de amor, afeto. Meu peito estufado sentia um calor materno. Uma sensação de que estava prestes a parir. Uma sensação de plenitude corporal. Extasiada de mim, durante todo o dia fui feliz e agora anoitece. Surpreendida restabeleço em mim meu ponto que de um corpo cansado surge suspenso, exausto de si. Numa procura louca de vida meu ponto quase inexiste ou sub-existe. Num amor louco e disparado meu ponto flutua no nada, ansiando sempre sem medidas. Minha testa turva não consegue pensar branco. Tudo turvo. Meu ponto novamente ameaçado. Meus pés novamente descalços procurando o chão. Meu ser intuindo o sim talvez. Devagar tenta acabar com um cansaço de nada. Um cansaço de tudo. Uma vida sem altivez, que teme a vida. E tento sintonizar-me com o novo ritmo. Talvez consiga. Suponho que sim, às vezes que não mas sem morrer espero viver numa vida simples e comedida bem próxima das minhas medidas, que são meus momentos, cada qual e tal. Numa superficialidade assumida, consentida por meu ponto, por meu senso de harmonia com a vida. Por vezes quero extrapolar e sei que extrapolo a vida em vida, sem extrapolar-me, dentro das minhas possibilidades que são infinitas porque acima de tudo amo a vida assim como ela se dá a mim.
Acho o fio que devo desenrolar para que meu ponto torne-se firme, para que minha testa torne-se límpida outra vez; o novo ritmo parece ressoar em meu ser que pede. Um leve novo tremor em mim, uma nova possibilidade de estar sintonizada.
Meu novo amor; minhas metamorfoses. Hoje você. Realmente você. Um quase tudo pra mim. Te sinto ardente e te amo por isso. É preciso entretanto amornar esta paixão numa medida que é ponto entre nós, sem medo, sem demora. Sei quem és porque te sinto, sei que não sabes quem és porque te vejo perdido; na verdade tu és ardente demais para te saber. Te quero afortunado, na medida da tua luz, da tua testa branca e do teu peito aberto pro amor. Te quero assim pra mim e por isso tu foges com medo de mim, que eu te pegue pelos pés. Mas não te preocupes, aprendo contigo a dar liberdade pra ti, a mim resta-me te esperar cheia de amor, o quanto eu puder agüentar. Bem sei que precisas do meu amor, pelo teu desperdício de ti, pela tua carência dele. Quem sabe amanhã se tu me procurares.


XXIX
Essa tentativa de me enquadrar dentro da vida de uma maneira pontual ou seja sempre me relacionando na medida do meu limite, limite esse que é a minha possibilidade de movimento e expressão meio a outros limites, transforma-me em um ser ilimitado na medida em que sinto a ilimitação dos seres com os quais me relaciono.
É tudo um pode ser dependendo de; sinto-me poderosa na medida do poder de cada um que é a minha medida, a medida do ponto, que é um dizer sim às minhas convicções que são por sua vez moldadas na medida do possível. Delineiam-se de diferentes formas de acordo com as circunstâncias.
Absorvendo sempre novas possibilidades, meu instável eu, estabiliza-se a cada momento vivido, adquirindo surpreendentes novas conotações. Assim meu multiponto que é um só, me dá possibilidade de contato real com outros seres, numa realidade multiforme, que é cheia de infinitas possibilidades. Neste discurso não cabe o impossível, não o impossível como meta, este sim é impossível dentro das possibilidades momentâneas, mas dentro das possibilidades do aqui e agora o impossível não existe.
A expressão do meu ser é infinita, a tudo que sinto posso dar forma, uma forma superficial que é o meu fundo; sempre uma nova possibilidade de dar forma, porque o meu fundo não tem fundo, ele inventa, recria e brinca com as circunstâncias. O seu eu é ilusório, porém precisa dessa ilusão para sustentar-se como ser. Necessita sim do exterior, do fora eu, para ser ponto de relação, necessita da vida, do Sol pra ser corpo, ser eu.
Meu ponto apesar de sempre tentar equilibrar, transformar o quente em morno e o frio em morno, ele vive o quente e o frio, sempre na medida do aqui e agora. Por isso é vivo. É espelho, reflete e dá medidas. Recebe também na medida que pode suportar e suporta muito, quer sempre aprender a suportar mais, tornar-se mais apto; sentir mais a vida. Reflete o inferno e desdobra-se para sair dele, do super quente da vida. Quando alcança o morno dá-se por vencedor, sente-se pronto a entrar novamente no inferno e amorná-lo.
Sempre um ponto e agora um ponto.


XXX
O ser ponto significa não cair nas profundezas do ser, na dor, na tragédia. É sabê-la perigosa; é não lhe dar ouvidos. É lutar contra qualquer tipo de sensação de estranhamento, a favor da apresentação real do ser, ou seja, da expressão lenta da superfície. Dançar se for preciso com as coxas nos pés.
Se no entanto a dor da tragédia prosperar, compre na "pharmácia" mais próxima o néctar dos deuses, e sinta em si a suavidade da água fresca, e medite a respeito. Após o tempo necessário de descanso e meditação, aquele cujo que só você sabe e conhece, encontrará a paz necessária para continuar a ser ponto.


XXXI
Fiz porque quis, parei porque quis, sempre é claro te levando em conta, medindo tuas aflições, sem dó de ti, só atenta em ti. O meu ponto não gosta e não permite transgressão em si, nem em ti quando está contigo. Aceita sim uma invasão adequada, dentro das possibilidades de cada um.
Meu ponto invade sim na tua medida, na que deixares. Por isso às vezes foges dele, porque tens medo do teu medo, da tua incompetência de ti. Se tu soubesses te medir saberias ser ponto e acho que podes aprender, tens dentro de ti o teu tu, o teu fundo que não tem fundo, tens teu corpo que é só teu. Só precisas compreender-te mais. Se não me queres dou-me de ombros de ti e procuro outro que me queira. Porém tua dor levo comigo, teu medo, e tento esquecê-lo de mim. Amanhã me procurarás e eu te agradecerei por isso. Sem dor, feliz por ti, por mim, por meu ponto que não é meu.


XXXII
Dizer que nada sou porque sou ponto é dizer que sou tudo. Genérico demais pra poder dizer, no entanto eu que não sou, sou por saber-me que não sou.
Já disse que vivo e que sou ponto: pontuo e sou pontuada. Aprimoro o nada em função do tudo.
O nada é o ser vazio, sem fundo e o tudo é a expressão do nada no ser.
Um ser que é, simplesmente é porque dá forma ao nada que é tudo.
Melhor: sempre um fio a puxar lá do além em mim, um fio linear e horizontal que me dá vida. Esse fio me faz andar no meu destino que é concreto. Meu corpo é concreto, meus espaços também. Tudo num aqui e agora que é além, que é fio. Quando puxo esse fio sou ponto. Quer dizer, quando sou ação. Na verdade sempre sou ação, porque sou corpo. Quando falo dou forma, sou ponto. Sempre sou ponto porque estou viva.
Sobre a morte: também é vida, faz parte do corpo.
Vi e li alguns dias atrás algo mais ou menos assim escrito na parede do cemitério Araçá: "Quem tem medo da morte tem medo da vida porque para morrer é preciso estar vivo", algo tão profundo e superficial dito por um ser que ama a vida, que entende a morte na vida e a vida na morte. Algo como quero viver porque preciso morrer ou quero morrer porque vivo. Nesse momento meu vivido relembrei da morte na vida e a vida tomou mais corpo. Meu ponto estufou-se cheio do nada, da morte que é tudo e minha vida que é corpo momentaneamente morreu no tudo que é nada. Um círculo de mim, do meu ponto me fez girar num eixo fixo.


XXXIII
Meu ponto é vulgar. Sabe-se vulgar. Aceita-se vulgar. É a favor da vulgaridade, porque ela é vida, é corpo.
Meu corpo que também é ponto gosta de cheirar, é feliz quando cheira, propicia felicidade quando cheira. A intimidade dos corpos traz prazer pro meu ponto. É bom saber e sentir que há umidade, transpiração nos corpos, é bom sentir que os corpos existem realmente numa expressão orgânica; que meu corpo pode ser amado em sua integridade sem medo do vulgar, da vida. Que meu corpo pode saborear-se numa entrega esquecida de si, sem culpa porque sabe-se vulgar, vivo.
Cada dia mais a vida me ensina, me proporciona liberdade de existência.
Meu ponto feliz, surpreso, reflete meu corpo mais vulgar em si, mais dono do seu próprio cheiro, mais dono do cheiro de outros corpos.
Te ouço, te vejo, te cheiro, te provo, te amo. Me entrego esquecida em ti que é tudo pra mim, sem meio termo, sem meias verdades, hoje, agora, você que também é corpo.
Aprendo isso com você, que me ensina, ensina a meu ponto que a vulgaridade do ser é vida. Que é preciso ser vulgar no sentido de saber-se e aceitar-se corpo, pra poder realmente amar.
Tu entretanto caístes nas profundezas da vulgaridade, dos teus sentidos, numa tentativa de encontro contigo, caístes no submundo da vulgaridade.
Teu cheiro tornou-se ungüento, superficialmente vulgar, sem extrato teu.
Meu ponto hoje sabe-se corpo que cheira, que é terra. que são pés, sabe por ti, que é vulgar, mas sabe também que a vulgaridade deve ser relativa, dentro de determinadas circunstâncias senão caímos de nariz na terra, somos preenchidos por terra e deixamos de respirar, deixamos de sentir o cheiro bom e saudável que a vida nos proporciona. Tu cheiras demais ou de menos, talvez estejas soterrado pelos teus próprios sentidos na ansiedade de sempre cheirar. Não te permites o cheiro profundo porque talvez não gostes do teu próprio. Te ensino a inspirar com ternura e tesão, num vermelho rosado que é vida, é vulgaridade. Num clima que é espaço preenchido pelo ser completo de si. Talvez sintas meu aroma e por isto me ames tentando ser eu própria. Quero companhia, seres que saibam o real sentido da vulgaridade, não parasitas que querem me consumir, que querem ungüentar meus sentidos desprezando meu ser que é ponto.


XXXIV
Numa tarde de primavera relembro, a meu modo, o meu passado. Num presente que carrego hoje que sou eu própria, num momento que disponho a mim, a liberdade de ser-me, de sentir-me uma só.
O esquecimento de todo meu passado dá-me hoje a liberdade de ser presente; num agora que é infinito, como a tarde de primavera.
Num já que também é passado em si.
No entanto meu eixo, meu ponto está turvo como a própria tarde em que me encontro. Minhas possibilidades encontram-se limitadas por essa mesma tarde turva. Minha testa livre expressa momentos turvos.
Reflexos de minhas relações com o mundo, reflexo de um amor que vivo. Parada no tempo, num momento bom que ontem vivi relembro meu ser hoje, fora do tempo. Apesar de encontrar-me aqui e agora, sou agora também um ontem que vivi muito bom que puxa-me para trás, num aqui e agora embaraçado como a tarde de primavera. Tento relatar e sei que relato embaraçadamente, tentando viver, lutando contra a morte.
Os momentos existem sucessivamente, um após outro surge em meu ser de uma forma constante, num tempo esquecido do tempo, mas hoje, porém, me arrasto novamente nos momentos, tento adquirir força pra não parar no aqui e agora sem tempo. Projetada no ontem, carregando o ontem mais forte em mim que o hoje, tento desembaçar, transformar a lembrança do ontem no hoje, num agora que acordou do ontem e continuar deixando no meu ser, no meu ponto que é aqui e agora o impulso de vida, da experiência mais plena vivida. Do meu maior momento de morte, porém de uma morte acordada num aqui e agora.
Minha morte de ontem vivida por mim, numa grande experiência de amor, precisa tornar-se parte integrante e esquecida do meu ponto, para que meu ponto continue a ser ponto. É preciso acordar do prazer de ontem, trazendo o ontem no hoje, no agora que é tudo, que é claro. É preciso sair do sono; é preciso desembaçar, retirar do meu ponto a lembrança morta do ontem, e viver o hoje num só que é também o prazer de ontem.
Percebo que giro alguns milímetros fora do eixo, meu ponto fora de si que é. Meu ponto tornou-se um novo ponto, um ponto áspero que enrosca em si, sobre si, a procura de si, gira em falso, tenta encaixar-se. Percebo que meu ser reflete esse desajuste do meu próprio ser, do meu ponto. Com calma e paciência deixo tudo acontecer, sinto em meu peito o desajuste do meu ponto e sadicamente espero que o sadismo acabe, sem machucar-me, sem machucar ninguém, apenas tornando-me em certos momentos desatenciosa com o meu próprio ponto, que aos poucos se restabelece, que se torna ameno na medida do seu próprio restabelecimento. Que se torna dono de si, à medida que se compreende, compreendendo o ser, o outro, que também se ajusta, se restabelece: meu amor.
XXXV
Aprendi, meu ponto me ensinou que não é preciso temer o ser, é preciso aceitá-lo, antes conhecê-lo.
É preciso dar-lhe ouvidos sempre atenciosamente, numa procura de si e do outro. É preciso saber a si e ao outro cruel para saber que não existe crueldade, que a crueldade existe sim no fora eu, nos nomes. Que o sentido e o significado atribuído aos nomes são meras hipóteses construídas com finalidades não essenciais, isto é, com finalidades que se desarmonizam com a realidade do ser, do ponto. Valorizar algo em função da desvalorização do seu oposto é dividir o ser, o ponto que tudo é. É fechar a porta do além ao ser, ao ponto. É prender o ser no meio do nada e do tudo, deixá-lo ser algo que é e não é ao mesmo tempo. É preciso desvendar o ser e o ponto e achar medidas do ser e do ponto, descobrindo a linearidade horizontal da vida. Dando assim ao ser a liberdade de se saber ponto de relação, nada mais, nada menos, ponto.
O ponto intui-se e vive dentro de circunstâncias que são meros acasos. As relações são meros acasos. Os meros acasos são destinados para o ser que é ponto, que é linearidade horizontal.
O ponto vê sentindo, quando vê compreende intuitivamente, não analisa sua compreensão do outro, nem de si. Apresenta-se como ponto. Expressa-se como corpo que é ponto. Num ponto fixo e livre o ponto situa-se, bem dentro da vida que é água, sol, amor.
O meu ponto gosta do prazer porque a vida é prazer, a vida do ponto é prazer; gosta de ensinar o prazer para ter mais prazer e por isso nunca se perde de si, às vezes percebe-se girando fora de si, mas percebe-se. Isso porque quer ter perto de si outros pontos, à medida que os tem torna-se mais vivo. Sempre, porém estabelece vínculos por isso é ponto.


                            XXXVI
Aprendi mais, ou melhor, meu ponto aprendeu a ser agressivo, respeitando assim a agressividade alheia, porque os agressivos não sabem se relacionar com o amor frente a frente necessitam do vermelho forte, da dor, para poderem viver bem. São ásperos, são seres ásperos, não receptivos, não sabem ser amados; gostam de sangrar; são sádicos e masoquistas: mas masoquismo e sadismo são nomes que desvalorizam o próprio ser, na medida em que lhe atribui significado, significado esse que desonra o ser. O ser não pode aceitar-se masoquista ou sádico por causa do significado atribuído ao nome. No entanto todo ser pra saber-se, pra ser ponto, necessita saber-se sádico e masoquista, para aceitar-se e ser ponto, que é plenitude, que é paz. Que é aceitar inclusive a relação sádica e masoquista para continuar a ser ponto. Porque o ponto sabe ranger os dentes no amor. Sabe dar facadas para aliviar a dor dos sangrentos, sabe dar-lhes prazer, mas também se sabe só amor e ponto de relação.
Meu peito atingido às vezes reflete ódio ou paixão, mas supera-se na medida que é ponto. Vive, no entanto a dor sem dor porque se sabe ponto.
Por isso penetra na vida, porque é ponto de relação.


XXXVII
Meu ponto engole cobras e cospe fogo, só que um fogo ameno, que direciona, brilha e dá luz.
E mais, meu ponto aprendeu também a ser cobra, ele na verdade se disfarça de cobra, refletindo no outro seu próprio ser, aprendeu a brincar com cobras, a não temê-las, mas pra isso é preciso ser ponto, é preciso ter estômago forte, saber enjoar com discrição; é preciso aprender a rastejar como elas, respeitar sua dor sem recriminá-las, sem mostrar-se diferente, mostrar-lhes sim a cor do fogo cuspido, o prazer do fogo ameno, vivenciando com elas esse prazer.
No entanto o veneno das cobras maltrata o ponto, o ponto precisa sempre se recompor senão vira cobra. Utiliza-se do veneno para ser ação, fraco que é por si, sem relação com outros seres. O ponto necessita delas para sustentar-se fortemente de pé; é isso, o veneno das cobras é vital para que o ponto se estruture cada vez mais forte como corpo, ação destinada.
Tudo encaixado como 2 e 2 são 5, na perfeita ordem do dia e da noite, na perfeita ordem das contradições do imperfeito, numa medida exata de vida que é a própria desmedida.
Sem contradições, meu ponto vive contraditoriamente, na sua medida, na medida da unidade do ser. Num um que é ele todo: amor. No amor que dispensa a vida que também é paixão; relação de dor, corpo. Um amor que se expressa no corpo que também é paixão, ação, destino pronto.
Num círculo de vida, meu ponto redundante repete circunscrevendo, numa delimitação constante de si, na medida de sua própria aprendizagem.
Aprendizagem da expressão que é infinita, da expressão que se relaciona.
A relação é importante na medida que só ela dá ao ser a possibilidade de criar, de ser ponto. Quanto mais meu ponto sente em si a dor, mais ele penetra na vida, mais condições ele tem de criar, mais poder ele adquiri no sentido de apontar direções. No entanto não dispensa a ajuda dos ventos. Necessita das chuvas, do mar. Das nuvens quando tem sono.
Um, porém: meu ponto é vaidoso. Na verdade não é ele, é meu corpo; meu ponto inclusive luta contra o excesso de vaidade do meu corpo.
Nesses momentos de excesso, meu corpo, por ansiedade, avança na frente considerando meu ponto um super ponto; o ponto reage apreensivo, de mão no peito refreia meu corpo que se contrai em si, senti-se como ponto, e o ponto ressurge Solto sem eu, que não é. Meu corpo então feliz esquecido de si rebola e atola na vida que é ponto, sem vaidade e sem culpa.


XXXVIII
Esse conflito que às vezes carrego em meu ser, essa desunião de corpo e ponto, onde tudo deixa de ser, porque o ponto é tudo, me faz lembrar Platão que deu ao homem a possibilidade deste visualizar o além, na medida em que deu ao corpo humano através da luz do conhecimento a possibilidade deste ser ponto. O desprezo pelos instintos em prol da razão gerou no homem a possibilidade do sonho, do amor, da vida sentida que é ponto, e não uma vida sentida como a dos instintos que é pura ilusão, falta de visão real; mas sim a vida sentida nietzschiana, que é amor, que é ponto.
A tragédia ainda sobrevive para os homens que buscam o ponto; a tragédia vive dentro da caverna de Platão, é a expressão da dor, do homem que procura o ponto, que ainda não conseguiu ser inquilino de si, do além, que ainda sonha sem pés, que ainda não se esqueceu de si.
A razão platônica tentou abrir os olhos cegos do instinto que passou assim a inventar nomes para seus sonhos, passou a retratar a confusão das sombras, projetando no conhecimento suas fantasias culpadas. A culpa acabou com a chegada do ponto, as sombras penetraram no ser e o homem já pode olhar o sol, o si e ver.


XXXIX
Camundongos!
Uma visita mostrou-me a necessidade de continuar vivendo sem borrões, num alcance de mim que sou, numa vida altiva. Respiro fundo: lamento e desejo, sou vontade de dar, de receber. Ansiedade: uma vontade de ser mil, de só amar, plena, cheia de mim que sou tantas, que sou uma; que sei ofender, mediar. Que sei olhar e saber: ponto; tudo num ver que é nada. Numa Solidão exausta procuro a Solidão maior, procuro o momento certo de ser, que são todos os momentos. Eu, numa aflição vivida quero a vida. Quero água. Camundongos! Quero também fogo. Quero tudo: num tudo que é vida, numa vida que é mar. Sem me ater procuro andar com pernas e pés numa atmosfera fresca, tão fresca quanto a noite com luar; na medida do meu próprio prazer ando e desmancho corações apaixonados.
Nesta paixão que me envolvo sou tudo e todos. Num fogo infinito meu ser se transforma. Agora mulher esqueço do ponto. Reflito emoção, procuro emoção sem tempo, nem documento, num mundo qualquer. E na tarde penetro, no Sol claro desvendo, remendo num amor doce, numa vista grossa destroço intenções, reflito suspense, numa tarde de verão.
Agora com espanto, sem pestanejar relembro o todo, num aroma quente, e sem dormir sonho, num aqui e agora intencional.
Sem querer quero, numa autonomia de si meu ponto fala, numa desmedida de ser, numa amplitude de mim; independente vivo como um alvo ainda a atingir. Uma intenção, sempre intenções regem o meu ponto livre e meu corpo anda num mais pesado que é mais leve, numa certeza de si.


XL
Hoje dentro do meu peito um bufão. Meu peito bufa e eu resisto à ansiedade maior, ansiando menor. E meu peito bufa, bufa querendo fumar, pitar, mamar e eu agüento e meu peito bufa. Meu ponto forte bufa; me ajuda a eliminar a ansiedade maior; por vezes boto um cigarro na boca e bufo, bufo sem tragar; me sinto tão perto do índio selvagem, do pai de santo, bufando minha paixão, expelindo de mim meu fogo. Mostro-me feroz contra esta ansiedade e meu peito que bufa diz sim numa briga de morte e me expresso calma, numa ansiedade abafada que quer morrer e vai morrer; vou matá-la, ou melhor minha ansiedade vai matar-se, ela por ela, por meu ponto que manda, diz sim.
Um ir pra frente mais depressa que as próprias pernas, depois voltar, sentar dentro de si e bufar, bufar. Por vezes meu bufo abafado respira lento, esquecido de si. Mas dentro de mim, lá no meu peito, um grito de guerra, tão dono de si, que me faz crer que conseguirei ansiar menor. Tudo por ti, meu amor endiabrado, tudo por teu ritmo desmedido, por tua loucura, por tua paixão em mim. Te bufo, te bufo e paro de fumar tentando chegar sei lá aonde, numa intenção determinada: você.


XLI
Hoje um nada a dizer num tudo que é claro. Numa atitude incerta arregalo meus olhos tentando ver os detalhes, a vida sem Sol. Porque muito Sol para meus olhos, embaça-me a vista, que vê nítido. A minha receptividade ao sol ultrapassa minha capacidade de enxergar. Teus olhos claros vazam-me e penetram-me sem me ver.


XLII
Perceber tudo numa espreita sem engano, sem crítica. Agir sem engano, sem crítica. Numa satisfação interna profunda viver. E uma intenção regendo meu ser: meu destino que é ponto. Ocupo-me bem da minha medida, numa medida de mim que é ponto. E a cada momento uma nova medida que é ponto.
O ponto abre as portas para o infinito, para a ilimitação do ser. Dá ao ser a imortalidade da vida através da alma.
O ser imortal é vivo em vida porque conhece o poder da morte em vida. O poder da morte em vida é o descanso da vida em vida, é o esquecimento da vida em vida. É o querer morrer em vida: sucumbir às forças do além, deixar-se levar pelos sonhos, fantasias esquecendo-se do corpo, da vida; é rastejar em vida; é não saborear a vida, porque a vida tem sabor, o próprio sabor da morte. Isto meu ponto me ensinou: que a vida real ou essencial aos moldes de Platão é uma vida consistente, repleta de si que também é morte. Meu ponto me ensinou mais, ensinou-me que a dor é ilusão daqueles que não conhecem a realidade da vida, porque a vida é sonho vivido, praticado pelos meus pés; é intenção realizada por meus sonhos; é espreita realizada por meus olhos que enxergam. Tudo num só, que sou eu, que é meu ponto, que não sou.
Dizer que sou feliz é dizer que sei viver, é dizer que sei amar e que sei ser amada, é dizer que não sou porque sou ponto de relação, porque me vejo e me sinto a partir do outro que é sóbrio e feliz. Por isso meu ponto ri, porque se sabe dependente do outro, sabe-se só.
Meu ponto também sabe chorar numa felicidade de aprendiz. Meu ponto também é forte, sabe ansiar na vontade, sabe também matar, mas não mata, somente revela a morte na medida da sua ansiedade. Às vezes, porém, é preciso lutar, numa medida exata e justa de forças. Só os fortes sabem lutar, e com eles meu ponto luta numa intenção de troca, quanto aos fracos, estabelece vínculos amenos, também numa medida de troca. Sempre vivendo, sendo, meu ponto realiza-se, apresenta-se, ensina e aprende, recebe e dá, na medida da relação e da sua possibilidade de expressão. Como dizer e deixar claro que meu ponto não é meu, porque se não fosse a relação com o outro meu ponto não existiria; como dizer realmente que meu ponto é tudo e todos, que ele é vida e morte e que ele nada é? Dizendo que sou inquilina e que meu corpo hospeda o além?
Não dá pra dividi-lo, ele é integral. Fazer isto é matar suas próprias propriedades, é desequilibrar o todo, é misturar modelos destroçados e nomear os pedaços. É tirar a substância do ser numa batalha de morte à vida, ao ponto.


XLIII
Quando tenho sede tomo água: uma água clara, límpida, abundante. Refresco-me. Uma fonte permanente me sacia, trazendo-me paz. Num silêncio duradouro e sinistro, num equilíbrio de vida e morte.
Essa fonte é fixa, ela existe lá no fundo do meu ser. Lá onde meu ponto está fixo e móvel, onde tudo é possível; lá existe uma fonte inesgotável de amor. Quando, no entanto uma paixão forte me arrebata perco o meu fundo que é ponto, perco o contato com a fonte, mas a certeza de que ela existe, de que ela se encontra lá, que é só uma questão de sensibilidade para encontrá-la, me faz respirar mais fundo, mais próxima dela; vou percebendo aos poucos então a umidade da fonte; o clima fresco e úmido mostra-me a direção, e eu adquiro fôlego e penetro nela e sou ponto.
Uma certeza tão grande do meu ponto, de mim. Uma certeza do destino concluído a cada momento, direcionando meus atos que são ações do meu corpo; dos meus pés e da minha cabeça. Tudo sintonizado que é ponto. E um pensamento linear, horizontal intui: pensamentos sentidos, pensamentos absorvidos por meu corpo que age, que é vida.
Em meu peito, no meu coração há um termômetro que esquenta e esfria, mas nunca ultrapassa determinados limites que são os limites do seu bem estar.
Minha carência liberta deseja; repleta soluça mais fundo; mais fundo inspira e quer o teu amor. Assim te descobre, te alivia, te ama. Invado-te, e tu me invades e assim nos permitimos, nos amando sem fim.
Falar sobre amor é falar de nós, é falar do deus que existe em nós, é falar da vida além do bem e mal (Nietzsche), é saber dizer sim sem medo, sim ao eterno, ao destino, numa harmonia de si e do outro.
Te amo porque te vejo e te elejo pra mim. Te amo porque és amargo, sofrido de si. Sabe-se pequeno por isso és grande pra mim; mais sabes dar que receber; sabes receber, porém, pois te dou mais do que sabes; vivo intensamente teus olhos e te dou num equilíbrio de mim, do meu ponto. Meu ponto que tudo e nada sabe, recebe e dá sem saber, na medida exata da nossa afeição. Estamos salvos de nós pelo nosso amor, porque o amor salva sem cobrar; limpa e desinfeta o ser. Seu ser hoje nitidamente transgredido expressa-se mais perto do ponto, às vezes ponto. Tudo por ti, por teu amor. Logo que te percebi te amei sem medidas e fui correspondida. Sempre soube de nós, mas te digo que minhas dúvidas a teu respeito, a respeito do teu eu faziam-me sofrer; na verdade eram as tuas próprias dúvidas das quais tu sofrias; mas nunca soube te dizer não, por teu amor, por teu eu escondido de ti. Hoje tu estás mais perto de ti, expressas mais teu eu, és mais feliz, és quase ponto e eu te amo tanto quanto antes, só que sem dor, a cada dia uma nova possibilidade de tu te encontrares por inteiro. Hoje uma certeza de tudo que digo, uma certeza em mim, no meu ventre de ti: um filho.
Sem remendos, nada a remendar em ti; tu és inteiro. Transgrides o teu eu a procura de ti sem remendar-te, e eu te amo por isso, pela força que tens em procurar-te, lutando a favor do teu destino, que é só teu e meu também, porque hoje sei que dele faço parte. Mais um passo em direção ao meu destino; meu ponto direcionando-me trouxe-me você, e mais me deu um filho teu. Te amo você. Tão perto das incoerências da vida te achei você, dentro de minha vida tão desmedida que é ponto feliz.


XLIV
Amar e ser amada. Todos que têm de alguma forma esta certeza são ponto, não têm dúvidas a respeito de si. Se hoje perco meu amor deixo de ser ponto, procuro novos amores, a confiança de ser amada. Agora ser sempre ponto é saber-se só, saber-se amada por si, pela vida. Saber-se ponto é não precisar da certeza de outro em si, é dar-se porque quer, sem esperar nada porque só vive o momento e o momento não pensa, é vontade certa de agir como se sente, mas este sentir implica serenidade e certeza de si e do outro na ação. É preciso ver o outro, percebê-lo como algo fora, algo que você quer porque ama. Mas este querer não implica posse, implica na reciprocidade do amor. Tudo encaixado como 2 e 2 são 5.


XLV
Às vezes brinco tão Solta quanto as alturas. Meu ponto respeita-me, dá-me a loucura lúcida de ser ponto, dá-me a satisfação máxima de existência; por isso o conservo, o preservo. Sinto-me amparada, dirigida numa liberdade infinita.
Saber-me ponto é saber-me inclusive louca, sem freios na medida dos limites externos. Sei-me invasora, meu ponto sabe, mas dá-me cobertura na sua medida. Mas sua medida é ampla, infinita.
Em meus devaneios, cada vez menores, sinto-me alfa, beta e gama. Possuo e sou possuída pelo fogo, mar, ar e terra, pela vida cega.


XLVI
Tudo num só que são dois. Eu e ele juntos, numa sintonia recôndita de nós. Numa intimidade, que cresce desvelando nossos limites.


XLVII
Aprendo hoje mais, meu ponto está perdido de si, esqueceu-se. Meu ponto é sem ser, ou seja, não tenho mais aquela noção anterior sobre meu ponto. Sei que sou ponto, mas por pura intuição, não existe mais em mim a noção do ponto. O ponto superou-se num esquecimento de si. Meu ponto desintegrou-se nas circunstancias, ele é, eu sei porque tudo ocorre dentro das suas medidas, mas suas medidas são meras intuições sempre bem vindas. O que significa que hoje ele sou eu. Isto quer dizer que não há mais o que falar sobre ele; as minhas tentativas de explicar meu ponto tinham na verdade a intenção maior de adquirir completo domínio sobre ele: às vezes o perdia, precisava tê-lo como noção para não perdê-lo de vista. Preocupava-me com o ponto; hoje porém tenho a convicção dele que sou eu. Sei que faz parte do ponto a sensação de perdê-lo, ele muitas vezes é a própria perda, mas em qualquer situação sou ponto. Minha última experiência de perda foi a de entrega a um amor, sentia que perdia o meu ponto e dei-lhe as costas, deixei de pensá-lo, tornei-me áspera; minha expressão irritadiça valia pra mim em função do meu novo amor. Às vezes pontuava-me rapidamente intencionando lutar contra meu mal estar, nestes momentos não adquiria energia suficiente para despender na intelecção orgânica do ponto, simplesmente situava-me num aqui e agora pontuado. Nos poucos momentos que pretendi escrever sobre meu ponto ou mesmo pensá-lo, não o via, nem o sentia de forma tão clara quanto antes. Ele hoje é percebido de outra maneira, é em mim, sou eu. Sempre.


XLVIII
Não importa a freqüência do meu ser ou como me sinto interiormente, sempre há a possibilidade de expressão, sempre um dar forma contorna o meu ser que é ponto. Assim como uma bexiga cheia d'água toma as mais diversas formas dependendo da quantidade de água ou mesmo da temperatura da água, meu ser é sempre um contorno fiel ao meu interior. O ponto é tudo, é expressão livre.
Ser essa expressão livre, ser ponto é esquecer-se de si, do ponto, é esquecer da sua freqüência e vibrar no momento transmitindo seu ser vibrante, sem medo da transparência, e viver com intensidade contínua porque intenciona e reivindica, elabora e cria na medida do seu alcance que é o aqui e agora; é o infinito.
Hoje o meu peito reclama ação, quer mais vida. Numa vibração inquieta meu eu diz sim, atropelando vivência, ansiedade sem drama. Minha expressão reinscreve-se numa escrita mais forte, com atenção, sem atenção intencional, e é.
Meus atropelos são meus ímpetos sem direção. Uma nova intensidade oscila, em meu ser, que aprende e vive.
Aprendo a guiar meu ser nesta nova intensidade, expresso-me fora de mim. Minha exterioridade fugaz, por vezes, surpreende-me, numa expressão fútil, sem conteúdo; faz parte dos atropelos e da falta de domínio dessa nova intensidade. Pego fogo fácil e acabo logo em cinzas. Das cinzas retorno e vivo os atropelos; mais ativa faço e refaço; crio circunstâncias novas, realizo.


XLIX
Quero dizer que volto a falar no ponto por mera formalidade lingüística. O ponto é simples, tão natural quanto a terra úmida e seca. Hoje, ontem, amanhã o ponto supera perspectivas, numa alusão desfigura o figurado e traz à superfície a realidade sem conteúdo, sem nome, a realidade que é a superfície calma, serena; às vezes não. Superfície e ponto interagem numa relação de afeto e desprendimento; numa cooperação desmedida e satisfatória para ambos, numa sensualidade esperta.
Numa sensualidade que é também corpo, ponto, superfície.
Agora percebo meus atropelos, são minha sensualidade, meus medos, minha expressão filtrada por meu corpo que senti.
É, na verdade, atropelo-me porque anseio por minha nova paixão; minha superfície transborda volúpia, ímpetos sem direção aparente. Refugio-me na quietude às vezes, porém vivo essa grande paixão, porque sou vida, sou ponto e amor.


L
Como falar sobre a paixão. Como gritar meu fogo sem destruir, sem botar fogo e virar pó, cinzas.
A paixão altera meus sentidos sóbrios. Mas necessito dela para ser alta, e ter pés no chão. Porque para o ponto a paixão é ambígua, na mesma medida é céu e terra. Perco por vezes meu sentido, lá nas alturas! Embriagados que estão meus sentidos terrenos. E neste vai e vem, uma outra possibilidade de existência. Um ponto mais audaz, mais sereno. Porque meu ponto não suporta a vida sem intenção e a paixão por si só enfraquece a intenção, destrói o amor. Mas meu ponto é só amor: Nesta receita eficaz, meu ser, sobrevive na paixão, utiliza-se da intensidade de vida que o fogo proporciona, sem perder a intenção maior: meu ponto.


LI
Sem expectativas meu ponto espera e retrocede; numa vivência parada carrega em si toda a felicidade possível que lhe cabe. Numa atenção destemida reflete e pondera ilusão. Num mundo irreal desloca-se sem redimir-se. Acrescenta a si toda irrealidade ilusória complementando sua realidade. Seus pés dançam contente e o ponto vive situado no aqui e agora, sem culpa, só amor, só vida. Numa cadência qualquer.


LII
Um talvez sim acelera meus sentidos, e um estado qualquer me perturba. Um estado qualquer, numa cadência qualquer, faz meu corpo viver dessa opinião. Num refrão qualquer.


LIII
Tragédia grega: um emblema de ti!
Bandeira branca faz meu corpo anunciar-te, sem temor. Tamanho peso...
Redentor que arrebenta, sem pestanejar, sem temor, num aqui e agora, contínuo, num ritmo atento.
Descabível de mim: tudo certo como dois e 2 são cinco ou três e 3 são seis. Assim, na medida certa do descabível... Do pontuado, Do pontuado recatado: argila nessa merda diz o tolo numa cadência tola. Sem atolar na merda o tolo anda. Devagar e depressa ele devaneia; no aqui e agora, uma paixão trágica no peito; a vida tola. Meu ponto é tolo, sou atolada de mim. Merda!
E nessa tragédia grega, ai de mim: louca, arrebatada de mim.
Numa paixão louca, sem desfecho...
Olhos claros vêm me clarear. No mar errar, procurando alguém, purificar, tempo Sol, tempo rei, liberdade, eternidade. Procurando alguém.
Sem dizer digo intensamente, num aqui e agora pra valer: tudo aqui no meu peito, no meu ponto.
Energia vermelha, tudo em mim.
Da janela posso escutar: sombrio dilema em mim. Num pensamento em ti esqueço, adormeço no já, recheada de mim, acrobata de mim. E um som acadêmico sem jeito, quase parado, num aqui e agora dissimulado, atônito e repleto. E sem finalidade atonal, com finalidade de arremesso, acrobaticamente arremessamos o fogo, pra impulsionar o motor que dirige pra lá, e o ponto fortalece o desfigurado, figurando e nomeando o não dito, sem dizer nada: Desvela a expressão rude do ser e transgride o animal silvestre para além do mar, numa azul celeste quase branco sem nada...
Uma suposição qualquer, uma loucura dissimulada sem recato nem canto; alento sem beira nem eira, num nada que é tudo sem fim. Ponto.
Sobre o limite nada é possível além do aqui e agora pontuado acelerado, num ritmo qualquer cadenciado, numa fremência do ser acordado; sem arrebatamentos com arrebatamentos, num mundo qualquer; na brincadeira, no movimento do eterno; numa absolvição: acabado, rotulado, diz ponto.
Com efeito, sem remendo, sonega paixão e diz: Questão? Numa retórica estética tenta traduzir sentimentos, afetos e mortes.
Desordenar, repetir e criar o aqui e agora num existencialismo judaico qualquer, sem judeu. Sem apropriação, nem indagação; num momento de morte que é vida, que é ponto.
Tragédia grega vem me captar, vem me conduzir, me desfigurar, perto da morte me arrebatar: num desfecho calado, esquentado de nós; num arrebatamento de amor conduzir, seduzir, arquivar.
Meu amor retratado, seu amor em mim: nossos olhos atrelados, disfarçados pra viver. Quero-te e pondero sem merecer, merecendo você. Sem atrito, quase um grito de dor.
Num grito vencido, abafado: eu arrebatada ao mar. Meus olhos abertos acendem por ti. Sem entrega, contínua entrega. Ponto.


LIV

Algo me perturba como dois e 2 são quatro.
Num esquecimento do real, meu ser dissimulado reage numa acentuação insensata do aqui e agora.
Sem memória durante, nos intervalos e depois, na medida nietzscheana recupero meu ponto, sempre um ponto.
Livre outra vez no xadrez, xa lalalá.


LV
Tudo certo como dois e 2 são cinco. Uma medida exata, que às vezes me surpreende, porque perde a exatidão e cai na exatidão absurda da falta de exatidão exata, e eu desmedida na medida procuro a medida sem medida, que é a medida exata do ser.
Nessa extensão meu ser coabita como ponto, como sensibilidade inteligente, tudo um só que nada é por tudo ser.
Às vezes, porém um arrepio de frio, um ir pra frente sem intenção. Uma ação medrosa qualquer sem saber-se medrosa faz-me girar mecanicamente, sem emoção, numa procura do ponto. Essa ansiedade que impulsiona meu ser pra frente sem intenção e que me faz recuar na medida do meu ponto é uma ansiedade passageira, advinda de relações de envolvimento meu, com seres menos serenos. Poderia tornar-me imune a esses seres de ritmo tão diferente do meu, poderia relacionar-me com eles sem envolvimento, mas a aprendizagem da vida é o envolvimento. Esta ansiedade que estou vivendo é minha e não deve ser desprezada em hipótese alguma. Há sempre uma troca em qualquer tipo de relação e é esta troca contínua que ma dá possibilidade de viver e ser ponto. Não devo e não posso resistir à dor quando ela se oferecer a mim, não posso deixá-la de sentir porque a dor faz parte da vida e o drama acabou.
Encarnar a dor saber-se dor e viver sem dor. Assim meu ponto vive bem, num entusiasmo de ser, existir.


LVI
Sair daquele mundo sem exatidão. Abrir novas portas da vida e penetrar cada vez mais no Sol detendo porém meus pés no Solo frio. Sem respaldo ir e vir, numa rotina de mim. Num fluxo do ser sem dono. Inspirando minha agonia de morte. Inventando alternativas intuídas, numa procura de amor sem fim, amor supremo. Acreditando na vida, no destino que reforma e aprimora o ser.
Hoje intacta presencio-me presente, passado e futuro sem medidas; numa infinitude de mim, respeito a vida sem temê-la. Detenho-me a cada passo, numa inspiração lenta acumulo amor em meu peito que chora e quer mais. Sem refletir, passeio e com alento e sem dor choro e reclamo amor.
Sei, porém que dentro de mim, lá na minha fonte que é ponto há todo o amor do mundo. Eu sei, meu ponto sabe, mas e você que não sabe, que sofre por não saber. Choro por ti, por mim que não sou.
Na verdade quero te dar não a mim que não sou, mas a ti que também não és. Quero que saibas disso, qualquer um, pra poder viver contigo.
Tua lentidão te mostrará tua fonte que é de todos, te refrescará e tu saberás viver esquecido de ti, sem dono, num passeio eterno que é vida, que é prazer sem dor. Minhas mãos em ti te empurram pro abismo, que é mistério, que é vida, e tua coragem se é que a tens, te apontarás a ti que não és. Este dia eu espero com calma e a cada momento em mim, um sim a ti, a todos. Solto-te e te espero, te dou a liberdade de querer-me, só assim seremos um sem sermos, e nessa prisão de nós, toda liberdade de ser ponto, existir. Num já parado nossas vidas eternas.


LVII
Tu nunca me saberás porque não sou. Minha única medida é te ver. Meus únicos respaldos são os limites do acaso que é o destino pronto pra mim. Meus traços são minha existência, meu eu sem emblema. Sem atropelos, devagar devaneio viva e tu me procuras, bem sei disso. Meu único mistério: nada ser porque sou ponto. Porém vivo e te amo, sou aqui e agora; num momento eterno choro e respiro tua dor. Sem distanciar-se da vida meu ponto esgotado do além vibra em vida. Assim realiza e é. Por isso sou sem ser. Minha única fonte de ser: esclarecer-me, transparecer que nada sou, sendo. Meu ponto sinteticamente descrito é tudo e nada.
Numa apreensão ilimitada de nós, nossos corações batem juntos. Isto é um dizer sim à vida, é um dizer sim à morte e ainda dizer sim ao destino. Deixo-me levar pela vida. De intrusa muito aprendi. De inquilina muito ensinei.


LVIII
Vi ontem nos olhos dela um ver falso, ou seja, na verdade ela não me via, não via ninguém: Seus olhos nublados projetavam em mim sua dor. Meu ponto fingiu ser dolorido, respeitou aquele ser cego, um ser perdido de si e do outro.
Mas meu ponto ressentiu-se; muito desrespeito para um ponto ser destituído completamente de si. De certa maneira brincou, tentou ser, transparecer, mas de nada valeu, frente ao absurdo, daqueles olhos doentes, que nada mais vêm senão seu próprio mundo ilusório; projetam no exterior seu ódio, sua dor e acreditam ver a verdade; para mim seus olhos são cruéis, terrivelmente cruéis. Dispenso-te olhos malvados, sou incapaz de ti, profundamente incapaz.




LIX
Hoje escrevo porque amo a vida, porque entendo o sofrimento.
Um sofrimento absurdo no meu peito. Nada nesse momento é capaz de me fazer deixar de sentir espasmos, contrações de dor. É preciso vencer refazendo desejos: espelhar vida e brilhar num sonho de mim, numa grande esperança de vida. Como suportar as vertigens? Como dizer que elas são verdes, de um verde cinzento?
E um amor qualquer me faz inspirar, relembrar, viver.
Como dizer eu só sem tu.
Quero, pretendo e espero a nota dez que nunca tive. Um festejo de mim. Esquecer dele que é ele, aquele, tantos. Sem fim. Sensações presentes. Abusos, queridos abusos sem tempo e outros abusos desprendidos, Soltos no espaço, refletem meu ser sem dono, num mundo danado.
Até onde sentir? Até morrer?
Não sei. Simplesmente pretendo e invento.
No dia a dia. Sem demora. Agora.
E quando parar?
Nada sei. Só digo sim a mim. Num ritmo que sustento e lamento.
Quem és tu, que me faz inspirar, me levando pro mar? Que me faz rastejar de peito no chão? Será Deus em mim?


LX
Sem querer tudo ao meu alcance, um tudo, que se resume num desprezo pela vida, numa falta de intimidade comigo mesma. Um alcance que conhece meus infortúnios.
Sinto-me presa a você. Acredito ser você que me chama, que me anseia, que me mata de mim. E eu fraca quase te esqueço.
Hoje uma lembrança desgastada de ontem, uma vontade fraca de lutar e ser sangue, meu ser opaco dispensa o seu calor e reclama água. Dispenso seus anseios, que me levam pra uma vida sem déu. Assim tu me matas aos poucos sem te servires bem. É preciso mudar as peças do jogo, percebo isto com clareza: entre nós algo vai mal. É preciso te mostrar teu infortúnio de ti; mostrar-te claramente o quanto tu me arrepias a alma com toda tua impaciência; teu desajuste afetivo. É preciso que eu adquira forças para mostrar-te meu sangue, minha crueldade sincera.
Sei que tu me amas, sei que meu amor descalço te pegou pelos pés, pés teus calçados e desequilibrados. A cada dia um passo sem trago teu.



LXI
Só, estou só sem solidão, prestes a me perder numa unidade do todo. Estou num estar tardio: profundo, sem eu, sem ponto.
Pretendo o nada numa estabilidade final. Quase morta. Só sei que nada é tudo numa correspondência sem fim. Num eterno retorno resolvo pedir socorro.
Caros e sinceros amigos tento superar o eterno retorno num eterno retorno sem fim. Ai de mim.
Num fim predestinado sem destino, irrecuperável, intransponível, sem fim.
Um eterno retorno em mim.
Num ocaso, num ponto aberto e desperto, inacabado.
Num aroma de requinte indistinto, num vermelho azulado, num assim e assado, queimado: vermelho tinto.




LXII
Digo-te agora numa infinidade de mim;
Campo aberto. Deserto.
Outro ponto, tantos pontos, gratuitos pontos, indistintos pontos.


LXIII
Depois de tanto tempo sem dedicar-me ao ponto hoje recomeço numa sintonia convexa. Meu corpo arredondado escreve, pensa e senti o mundo. Como dizer meus sentidos, meu ser? Meu ventre dilatado me anima, me faz ser; meu ponto hoje se situa em meu ventre, cheio de si, perplexo da vida. A cada situação nova meu ventre treme e eu que sou ele lhe dou amor, muito amor, todo amor do mundo; defendo-o da brutalidade da vida; defendo-o de mim, dos meus maus sentimentos e hoje forte, dona de mim, do destino brutal.
Sinto que cresço e amadureço. Meu filho vivo, dentro de mim, me ensina. Aprendo a cada dia me defender com sobriedade e amor contra a maldade alheia, às vezes esqueço e brinco na areia, contagiando corações ingênuos, mas ali alguém me olha e me odeia. Mas meu ventre vive, e eu vivo, e meu ponto me ensina a mandar nos fracos de amor.


LXIV
Criar eternamente, a única Solução para o ponto. Hoje me dou conta da necessidade da criação para a vida livre.
Por amor sucumbi algumas vezes, perdi-me de mim, do meu ponto; e hoje sei que não é possível se dar completamente, que é preciso sempre estar com os pés no chão e a cabeça em si, não no outro; posso ver o outro, na verdade devo ver o outro, mas eu em mim, convicta do meu "bem estar"; posso deixa-lo participar desse "bem estar" se estiver comigo, mas não levá-lo para si, arrancando-me ele do peito e deixando-me sem eu, sem ponto, no nada sem tudo. Não mais te deixarei levar minha alma. Sem raiva hoje te digo isto; não mais me roubarás de mim, deixando-me no peito a tua dor profunda. Hoje aprendo, depois de tanto tempo de dor e aflição; sei bem que não mereces, nem a mim, nem a teu filho; falo isso sem ódio, sem o teu ódio; bem conheço sua intensidade, tua dor conheço bem, por ela quase me destruo; sei também que tu perdido na dor não medes teus atos, nem a dor que propicias aos que te querem bem; sei que és mau e usas máscara de anjo: Tu me feristes com tuas garras de forma tão profunda que quase não volto mais a tona. Hoje ainda convalescente consigo já ver novamente o poder do Sol, da vida livre sem o teu amor. Já consigo pensar numa vida sem ti; aprendi a ter distância de ti, sempre a uma certa distância; sei que tu és perigoso.
Percebo hoje minha confusão, te confundi com a vida; tu eras para mim toda ela e, no entanto tu fazes somente parte: aprendi contigo e hoje estou bem. Hoje sinto o calor que a vida me proporciona sem ti. Não preciso de ti se tu não me queres, não pensarei mais em ti, deixo-te.
Aprendi mais, que a vida é uma luta de forças opostas, e que necessitamos sempre do bom humor e da criatividade para vivermos bem, em paz.
Mesmo o amor entre um homem e uma mulher deve ser levado na brincadeira, no sentido de não se perder num jogo competitivo, num jogo de forças que só destrói, corrói aos poucos a própria vida, o próprio sentimento de amor. Dou-lhe por isso as costas sem dor, de bom humor, esperando o melhor da vida, de mim, que sou tudo e nada, todos, ponto: você ainda que me chama.


LXV
Os momentos bons que passamos foram momentos bons, nada mais, nada menos que os próprios momentos em si, momentos bons vividos, que se foram e que eu lembro com satisfação, destes momentos vou ter como lembrança eterna o nosso filho. Ganhei de ti, do nosso amor, essa lembrança viva: inesgotável fonte de amor.



LXVI
Meu ponto aos poucos ressurge intenso, num tom azul claro cândido; sem dor ressurge em meu peito, uma fonte jocosa e serena, num momento nosso de entendimento e perdão. Com sabedoria nossos sentidos entrelaçados sobrevivem.


LXVII
Novamente meu peito angustiado chora e uma ansiedade tenta penetrar-me; continuo lutando contra esta ansiedade num movimento interno sem fim. Não sei até que ponto esta ansiedade é sua ou minha. Não sei até quando suportarei viver nesta luta constante de paz, sei, porém que não tenho alternativas; sei que devo vencer nesta luta, pois se a sua ansiedade me vencer estarei subjugada à dor, ao vício, a você sem você; sei que devo lutar até o fim, sem esperar nada a não ser minha paz interior que há muito foi abalada.
Tento com otimismo ver o lado bom desta experiência, que é a própria experiência. Vivencio o meu ser que sofre e meu filho que sofre comigo, meu filho amado e esperado que me diz sim.


LXVIII
De boca no chão, ofendida nas minhas entranhas, tento suportar meu destino; ativamente tento suportá-lo. Às vezes, porém, me pergunto: porque tu? Minha virtude sendo medida pelo teu vício? Não posso suportá-lo. Bem sei disso! Mas porque te quero? Por eles, pelos teus vícios? Por minha fraqueza até então desconhecida de mim. Será que amanhã agradecerei a vida pela experiência? Será que dramatizo uma estória comum? Ou apenas reclamo por meu orgulho vadio? Sem respostas tento manter a calma necessária para que o fim se revele. Minhas etapas de mim respondidas por mim me dão a responsabilidade de me ser-me: minha liberdade infinita vivida por meus pés responsáveis; pés que hoje tateiam o chão com medo.




LXIX
Na verdade, hoje outro dia 6 acho que já não te amo, simplesmente sinto falta do teu amor. Não penso em ti com amor, penso em ti como algo que quero e não tenho: meu orgulho, minha vaidade te chama, não mais meu coração.


LXX
Choro por sentir saudades da minha inocência, da minha sinceridade brutal, assumida como uma forma de ser, de amar; choro por sentir-me mulher. Na verdade foi esta tua maior ofensa a mim; te quero homem e não te tenho, reluto então, meus sentidos procuram por ti: por teu sexo, por teu cheiro. Sinto-me por isso ofendida, cheia de saudades do meu passado antes de ti. Talvez tu nunca tenhas me amado de verdade, servi pra ti como um brinquedo diferente, cheia de esperança e amor, cheia de ingenuidade, aberta pra ti.


LXXI
Acordo hoje disposta a matar, acordo disposta a viver sem drama, lutando ferozmente pelos meus desejos; defendendo os meus interesses e os interesses daqueles a quem amo; sei que uma vida nova me espera, novos caminhos se abrirão; defendo a moral dos corajosos, daqueles que lutam em causa própria. Aprendo hoje com a vida que também é preciso odiar aqueles que querem te matar, àqueles sem piedade, sem bom senso; àqueles que pensam somente em vivenciar os prazeres fúteis da vida, que não são capazes de enxergar nada à sua volta e por isto sacrificam os ingênuos, os puros de alma que sabem amar de verdade; hoje dou as costas à ingenuidade que favorece os pobres de espírito; àqueles que hoje quiserem me enfrentar terão que pagar as penas do inferno, seus próprios infortúnios, agirei sem piedade e sem medo: lutarei pela vida com minhas armas naturais e vencerei meus inimigos sem sucumbir.
Sempre guardei meus maus sentimentos; sempre fui sinceramente ingênua, desapercebida que estava da maldade humana, acreditando cegamente em meus olhos, via o mundo em uma beleza lilás; hoje porém meus olhos enxergam os maus, meu peito desafinado sente seus desafios; meu coração chora e eu me rebelo e desvelo em mim, minha natureza de mulher guerreira, faminta de amor; por isto lutarei pelo amor com ódio; lutarei com brasa e fogo e combaterei a brasa e o fogo, nem que para isso seja preciso queimá-los; eu por minha vez me manterei úmida na medida da sanidade, do meu ponto.


LXXII
Minha necessidade de paz, de manter meu ponto em equilíbrio é a minha garantia de estar agindo em direção a um fim, Não ajo por impulso, ajo onde meu ponto me leva. Sempre me apontando direções realiza. Eu por minha vez, inquilina aprendo cada dia mais a perceber seus apelos. Às vezes erro, ando por caminhos errados, então volto e aprendo. Uma aprendizagem constante e ativa faz-me cada dia mais ser dona de mim; ser ponto. Essa possibilidade de saber-me cada dia mais, de ser ponto, dá-me satisfação profunda. Não importa os infortúnios que possam surgir, são situações que devem ser atravessadas e conhecidas por meu ponto, para que eu consiga ser mais atuante e digna em relação a ele. Uma unidade permanente de corpo e alma, assumida, declarada, responsabilizada por mim. Declaro-me forte sem modéstia, sem orgulho, simplesmente declaro-me porque sei-me. Uma realidade consumada em mim, dignificada em mim, expressa por mim.
Nesse ponto posso constatar a existência de uma verdade: Eu sou porque sou realmente, porque cheguei ao fundo de mim que é sem fundo, porque sei-me inquilina, porque sou ponto e o ponto nada é porque é tudo.


LXXIII
Meu amor surpreendeu-se consigo próprio, parece estar vencendo uma batalha já quase considerada perdida; num momento de falta de razão, de desprezo por si próprio, de uma desventura insólita, docemente foi acolhido e amparado pelas mãos de seu maior inimigo. Uma batalha sem vencedores que continuará vivendo, amparando e sendo amparada sem medidas, comedidamente, num entusiasmo de vida e morte, de ódio e amor; realizada a cada circunstância, pontuada ocasionalmente e dirigida numa obrigação imposta pela vida.
Hoje meu corpo e minha alma juntos descansam prontos a experimentarem o sabor que a vida proporcionará amanhã, numa expectativa de paz; porém mais dona do ódio meu ser se relaciona e projeta aventuras, numa perspectiva mais ampla do amor. Com serenidade hoje, meu peito ainda reclama, mas resiste sem drama o apelo do ponto.


LXXIV
Carrego em meu ventre um ser. Meu peito dilatado dá-me a responsabilidade de mãe.
A cada dia meu corpo mais opulento, cheio de vida. Trago dentro de mim um ser, uma vida que por enquanto faz parte da minha. Minha vida mudada. Percebo o mundo por meus sentidos dilatados.
Estou só. Eu e o ser do meu ventre. Nós pra vida, pra o que der e vier. Arrastando conosco nossas esperanças, frustrações, alegrias e tristezas.
Nós numa determinação de nós nos agarramos, nos amamos, nos odiamos e enfrentamos a vida com nossos corpos opulentos e sentidos dilatados.
Como dizer que somos? Rolamos juntos, vivemos dentro de nós.
É tão difícil dizer que me amo, dizer que me odeio; porém tu, este ser que faz parte de mim, sou eu ainda; não sei se te amo, se te odeio, sinto por ti eu, numa indefinição de nós. Amanhã tu nascerás e fora de mim, vendo teu rosto, teu ser, te amarei.



LXXV
Meu bichinho lindo: Te quero, te carrego sem dor, com dor, só amor. Espero-te quente. Tão satisfeita prazeirosa e feliz. Meu filho esperto, desperto, olhos claros. Eu dilatada, requintada por ti.




LXXVI
O tudo pregado no nada e o nada pregado no tudo. Hoje não falo do ponto; hoje retrato em mim uma convulsão de idéias e sentimentos; sensações borbulhantes sem nomes, sem registros; meu eu endurecido pelo cansaço da dispersão tenta ordenar em vão.
Afogo-me em mim, num envolvimento sem ponto. Sem foco procuro focar e ver o fora eu. Em vão: luto contra a inércia, contra o nada sem tudo e tenho espasmos de ação. É como se eu levasse simultâneas injeções de ânimo e logo o desânimo e a falta de motivação surgem em mim. Alguns segundos ou minutos, e novamente um espasmo: sinto em meu ser uma reticência, um ponto, uma interrogação e uma resposta rápida; logo então uma reticência... Uma continuidade descontínua; uma agitação indisposta e meu ponto reclama procurando bem estar.
Desconfio então de tudo e todos. Desconfio da nova empregada que sempre age sem determinação, numa postura que demonstra uma determinação aferrada. Feito louca, numa ansiedade agoniada vive numa constante sede. Por sua vez, meu ser convalescente, a procura de paz, não suporta tanta ansiedade sem se influenciar. De início, quando a empregada chegou aqui em casa, meu ser desatrelado simpatizou-se com ela..., sentiu-se mesmo presenteado, pois sua ansiedade, de certa forma, preenchia meus espaços em branco, minhas angústias atrofiadas; cheguei mesmo a me distrair atenta que estava aos burburinhos dessa nova empregada.
Hoje, porém estou saturada, minha paciência por um fio. Ela não me dá folga, não me deixa só, eu com o meus problemas; hoje quero sentir minha angústia, meus espaços em branco...
Por outro lado desconfio do pai do meu filho, das circunstâncias da noite passada, quando recebi surpreendida a sua visita. Ele me tratou com atenção e covardia, atitude essa que me deu esperança de uma provável volta entre nós; desta forma meus problemas atuais seriam solucionados. No entanto, os problemas longes estão de serem solucionados, pois o pai do meu filho é um ser confuso demais e não sabe definir-se a respeito de nada ou se sabe finge muito bem não saber.
Nesta situação que me encontro, envolvida emocionalmente com este homem indefinido, de certa forma encontro-me também indefinida, batendo asas sem voar.
Quase inerte vivo; meu ódio atrofiado tenta expressar-se através de uma indisposição minha.


LXXVII
O que ocorre quando não se tem ego e o ponto não o tem é que as reações do ser se dão na medida exata da relação sujeito objeto, sendo que o sujeito visa mais o objeto do que a si próprio, não, entretanto numa relação desequilibrada, ou seja, o sujeito dá mais do que recebe ou vice versa; a relação é equilibrada numa troca que se dá espontaneamente, na medida do ponto de relação. Quando, entretanto o objeto ou o sujeito tem alguma disfunção forte, ou seja, um desequilíbrio grande do seu próprio ser, existe o perigo na relação do desequilíbrio ser o fundamento da troca; sobre isso os terapeutas sugerem o não envolvimento. Mas o que ocorre fora de um consultório médico, o que ocorre propriamente com o ponto é o envolvimento, só que um envolvimento que vê intuitivamente, ou seja, percebe inclusive na troca o desequilíbrio do outro e tenta por isso limitar-se, mostrar o seu limite de envolvimento; mas o ponto, por sua vez, gosta de penetrar no desconhecido, entender o ser, por isso às vezes despede-se do encontro com o outro, só quando está completamente ofendido desestruturado até; nessas situações sofre, se dá por vencido e por fim quando se estrutura novamente, se sente um vencido vencedor, pela aventura, pela aprendizagem que a vida lhe proporcionou.


LXXVIII
Sobre os espiadores.
Os espiadores são aqueles que espiam os outros, não se relacionam de frente e sim de lado; os espiadores invadem por serem medrosos, mal amados. Estes seres costumam prejudicar o ponto, tirar a estabilidade, a paz do ponto. Não necessariamente tiram a paz e a estabilidade do ponto, mas o influenciam. O ponto deve ser forte e não se dar conta da expiação; esses espiadores grudam no peito do ser do lado direito de tal forma que este se sente sufocado, então estrategicamente o ponto respira fundo e lhe dá as costas; quando, no entanto percebe alguma distração em quem espia, quando este num determinado momento não se encontra espiando, então o ponto percebido que está da situação lhe dá uma atenção real, mostra-lhe respeito. Alguns espiadores em contato com o ponto deixam de espiar, passam a ser mais tranqüilos, menos medrosos.


LXXIX
Tenho sentido em meu peito uma expiação constante, mas não sei detectar de onde ela vem, ela poderia ser minha própria ou até talvez seja, mas meu ponto tem lutado muito contra ela; às vezes me submeto, então choro de dor, odeio e tenho grandes aflições. Acabo expurgando-a de mim através de meu suor, das minhas lágrimas. Sei que estou sendo invadida por alguém, talvez alguém que pense em mim com ódio. Acredito nisso: não tenho tido ultimamente relações com espiadores, conheço alguns deles e bem sei o quanto eles me custam à convivência.
Assim, neste estado em que me encontro, sentindo-me atacada por espiadores acabo também por espiá-los. Desejo-lhes todo mal que me mandam, desejo-lhes de coração. Esses odientos, nojentos homens cheios de malícia, que são chamados por gentis de inteligentes. Espertos são sem dúvida, sabem lutar como ninguém pelos seus próprios e mesquinhos interesses, independente dos sacrifícios alheios.
O ponto, porém, quando está bem estruturado, utiliza-se bem desses monstros, canaliza toda força de expiação deles para o estudo e aprimoramento do próprio ponto, no combate da relação cara a cara com eles.




LXXX
Mas tudo é relativo: são várias as possibilidades de uma mesma circunstância ser avaliada, tudo depende de como a aceitamos, de como nosso ser filtra em si a circunstância, de como ele a sente e a entende. Meu ser pode estar imune a qualquer tipo de agressão se for ponto estruturado e mais pode retroagir no sentido de espelhar, no outro as belezas do próprio outro, porque o ponto enxerga o belo, ou seja, aquilo que o outro tem em si de justo, terno, sincero. Ou seja, o perfil do ponto do outro.


LXXXI
Uma lucidez em mim, uma vontade de colocar todos os pingos nos is, de regular-me enfim numa medida de força e poder; de acabar com os falsos modelos, modelos medrosos que não sabem enfrentar com austeridade as angústias que fazem parte da vida. Por ventura minha, por um cansaço de minha fraqueza, hoje me decido a enfrentar-me e jogar fora minha dor; decido-me levantar com altivez, acreditando que nada, que nenhuma dor me fará sucumbir.
Num respeito meu por meu ser, meu ponto transgride minhas próprias medidas e esclarece-me, aponta-me alternativas lúcidas. Meu peito fechado encontra novamente forças para remar a favor do meu próprio destino. Não importam realmente os ventos que sopram contra, é preciso vencê-los e seguir adiante, arrancando véus, trazendo luz à realidade que aponta direções.
Quando os ventos fortes nublam a vista cansada e nos deixam sem direção, estamos fracos, prontos a retornar de cabeça baixa, com uma grande angústia no peito, com uma grande falta de nós. É preciso, porém, seguir e provar-nos donos de nós e sermos ponto, num impulso de vida que é amor.
Nesse marasmo que me encontrava, nessa falta de ar e angústia; numa posição medrosa e cômoda, nesse meu intervalo de vida, fui amparada por pessoas que me amavam, por pessoas mais fortes que eu, que me surpreenderam por suas presenças, que me fizeram levantar e me deram determinação. Pessoas pontuadas, amadas sem fim.


LXXXII
Continuo porém a enfrentar os ventos que sopram contra, mas bem dentro de mim a certeza da vitória; meu peito profundo inspira lento e dentro dele a calma dos ventos, a vitória real do ponto, a vitória do além retratada em mim, no meu corpo dilatado; meu ser translúcido que anda sem medo num mundo incoerente, num mundo intuído e ocasional, sem lógica porém lúcido. Sem limites meu ser dança e alcança a finitude do momento que é infinita em si, sem retrair-se, num movimento alongado e sereno, numa postura firme e compacta.


LXXXIII
A ferocidade do animal selvagem e a frescura do sublime sustentam o ponto; a medida entre os dois determina o ser que se expressa. Quanto mais equilíbrio houver entre o selvagem e o sublime mais perto do ponto está o ser: mais o homem se torna ponto, quando o homem se torna ponto só existe o ponto, não mais o ser. O ponto não tem dono, ele é pura expressão do ser que é ponto. O ponto é estável e caminha sobre a instabilidade, num movimento circular e uniforme, numa desmedida contínua que se mede pela própria existência que é relação com o outro, num contexto multiforme de infinitas possibilidades circunstanciais.
A teoria do ponto é também o próprio ponto, porque é expressão do ponto que é ponto por si. A teoria é organicamente absorvida num sentimento expresso que se dá no momento sentido; sem avaliação o ponto fala, numa tentativa de justificação própria, num argumento sincero provindo de alternativas vivenciadas pelo ser pensante.
O ponto surge como um despertar tranqüilo; num abSolvição do ser. Num regozijo de si se expressa sem regra, dono de si reflete esperança sem tempo, sem argumento, tudo em si. Quando fala sobre si argumenta numa linguagem desmedida, contraditória como a própria vida, como ele próprio.
O ser anseia o ponto numa ansiedade perdida, o ponto é calmo, guarda dentro de si toda a ansiedade sem rumo e se dirige dentro do seu próprio destino. Sua ansiedade transforma-se em forma de ação e austeridade, contudo é sem ser, num requinte automático traduz seu passado de expectativa em si.


LXXXIV
Sem ser excêntrico, muito menos excelso, o ponto situa-se na vida simples, é singelo, superficial. Acomoda-se dentro de si contornado por si e a cada circunstância uma expressão ou retenção legítima. O ponto é por si, descansado em si: sente-se e expressa-se de um fundo que é, sem sublimar-se pois seu contorno são os fatos, fatos em que ele ponto se entrega num encontro real, numa propriedade comum de si e do outro. O ponto se equilibra sendo. Assim de fato o ponto existe, transparece dele que é ponto o infinito que o faz ponto. Sintetizando o ponto é o ser completo de si, e o si por sua vez é a ilimitação do ser que advém da compreensão abSoluta do todo; o que quer dizer que o ponto é a união do céu e da terra, ou seja, de todas as possibilidades expressas pelo ser que é limitado em sua corporeidade, que tenta transgredir regras circunstanciais, na medida da sua infinitude que é plena. O ponto apoia-se no ser, numa determinação constante de si, na sua própria existência que é seu alicerce, sua única possibilidade de saber-se ponto.


LXXXV
Falar sobre o ponto e sentir-me ponto restabelece meu ser que é ponto, que nada sou, que tudo sou sem ser. Ser ponto é ser livre de ser porque se é sem ser.
Meu eu novamente destronado realiza-se sendo ponto, sem dor, num desprezo por mim que é todo amor. Intuo alternativas sem previsão, num contexto realizável. Realizo-me disposta a ser, viver, ponto. Sem expectativas possíveis, meu ser que é ponto esclarece-se por si, numa posição cômoda que é a de ser ponto.




LXXXVI
Num movimento permanente o ser procura o ponto, a si. Sem retorno o ser procede e precede a si, num movimento eterno, circular que é a criação de si e do outro, que é ser, que é ponto. Nessa relação vive só, por si, sem si. Regula-se através da percepção intuída da dispersão do todo e dele, numa satisfação de ser, numa ação real, no sentido de sempre vir a ser, sendo. Essa visão retratada do ponto poderia ser comparada ao elétron, ao átomo, a molécula e assim por diante; num prolongamento de si o ponto faz parte do todo, numa constituição concreta, num movimento permanente.
Essa percepção de si é possível à medida que o ser se esquece, se deixa levar pelo próprio fluxo da percepção. É um deixar-se levar tranqüilo; às vezes porém um atropelo, uma volta espontânea e assim um ir e vir que sempre segue em direção à estabilidade final: a morte.
Numa ação e reação livre, espontânea, o ser que é ponto age dentro de si. Sabe-se ativo, passivo porque é ponto, livre do medo o ponto que é todo o ser encarrega-se de si e do outro: alivia tensões; libera a pressão existente entre os seres; isto faz porque necessita de espaço e para ter espaço necessita dar espaço. Quer dizer que nessa medida o ponto adquire retroativamente todo o si, num movimento estratégico. A estratégia é por sua vez, um impulso inteligente, hábil, que movimenta o ser sempre dentro de si; em relação com o outro o ponto retroage, fundamentando em si e no todo, o si e o todo que é livre, infinito, que é criação de si e do outro.


LXXXVII
Tudo encaixado na perfeita ordem, na medida do meio. O ponto é a própria desordem ordenada pelo si, pela perfeita ordem do si. O si possuidor da percepção infinita do ser realiza-se sendo, na medida das suas possibilidades circunstanciais. Para preservar-se, o ponto, é um criador, possuidor de si, traduz-se no ser. Esta tradução é a criação propriamente dita, é o que dá ao ser a plenitude da existência, a possibilidade de ser ponto.


LXXXVIII
Qualquer que seja a questão, uma opção, uma posição ocupada pelo ponto, uma Solução adequada que refaz esperanças. Uma possibilidade qualquer trazendo expectativas renovadoras para o ser. Situando o ser acima de qualquer tipo de superstição, na amplitude da sua própria vontade que é digna do ponto, que é o próprio ponto. Numa reciclagem infinita o ser se refaz ponto, sempre o ponto que é tudo e nada, que é vida intuída; sem dissimulação o ser resiste a impactos, cada vez mais livre, mais independente o ser se cria, numa ação constante.


LXXXIX
Colocando o ser numa instabilidade estável, o ponto se justifica por si. Sem apropriar-se do ser, o ponto é o próprio ser que é mutável na medida de sua aprendizagem existencial. Nessa medida, o ser cria-se a cada circunstância, numa justificativa de si, ou seja, de seu potencial infinito de sentir, saber; de sua percepção frente às circunstâncias: quanto mais o ponto vê, sente, percebe a realidade, no sentido de se justificar como ponto, mais ele cria condições de expandir-se socialmente, numa liberdade de relacionamento, feito à base de troca, ou seja, feito à base de uma inter-relação real dos seres. Nessa configuração todos os seres são ponto; sabem-se livres, porque se sabem possuidores de si, sem se saberem porque vêem, sentem, percebem com sutileza o fora eu; sem se darem conta, exteriorizam-se na medida das possibilidades circunstanciais, numa abertura sincera de si. O fundamento da existência do ponto é o destino do ser que é ponto, porque o ser que é ponto se dirige a um fim que é o seu próprio fim, que é o de ser ponto.


XC
Para querer ser ponto é necessário sentir-se apto para tal. Não é uma tarefa fácil, ela é tão difícil quanto o ato de viver: todo ser sofre, a vida é sofrimento. Nietzsche falou sobre a Tragédia como a única possibilidade do homem extravasar esse sofrimento de uma maneira sadia: sendo artista trágico. O que quer dizer que a única salvação para o sofrimento é a sua expressão total e teatral, no sentido de direcionar o sofrimento; quer dizer "um dar forma àquilo que estou sentindo em minhas entranhas, ou seja, a todo meu sofrimento advindo da minha existência". Há também o psicodrama que é uma espécie de teatro trágico, só que não há um estilo próprio de representação de si, não há uma forma específica de representação, no psicodrama existe uma forma que expressa o sofrimento, mas é uma forma que se dá espontaneamente, no momento da expressão, uma forma real de existência expressa. Quer dizer que é bastante comum, o conhecimento do sofrimento, na vida do ser, quem melhor souber lidar com esse sofrimento vive melhor, mais dono de si: tem mais "prazer" na vida. O ponto, por sua vez, sofre porque é o ser, mas domina melhor, quase que totalmente e até às vezes totalmente, esse sofrimento, porque "cospe o veneno" de si, ou seja, conhece a fundo todo seu potencial de dor e expressa-se através da criação.


XCI
Intransferível é sobretudo o ser. Cada qual é um ponto que se relaciona com o outro, trazendo assim à tona a criação em si, que é, por sua vez, a geração de infinitas possibilidades de atuação, dentro das circunstâncias de existência. Mais que isso, o criador sabe-se criador, porque é ponto, e o ponto que por sua vez, tem como sua motriz o ser que é ponto, revela-se ser, que é único, intransferível.


XCII
Percebo hoje com mais nitidez os fatos subjetivos, que fazem parte das circunstâncias, mas de uma forma intrínseca ao objeto, sem qualquer tipo de expressão significativa no relacionamento. Percebo agora entretanto, o disfarce: meu ponto dá-me armas para penetrar no ser do objeto e verificar a verdade "mascarada". Essas verdades, descobertas por meu ponto, são verdades cruéis, no entanto, ele possuidor do sentido que penetra e vê, continua sua luta em função do si; o que quer dizer que luta num campo invisível, com as forças que tentam destruí-lo. Não é entretanto uma tarefa fácil, ao contrário, é uma tarefa, por enquanto perigosa, na medida em que o ponto tateia, num mundo ainda escuro e age por pura intuição, combatendo o pensamento e o medo. Cria assim, todo um percurso e abre caminhos numa certeza de si, sem no entanto forçar situações; seu ser age, no sentido de perceber corretamente, o objeto mascarado, na procura do ponto do outro. No "ato da relação" tenta sintonizar-se com esse outro; pode então perceber suas faltas, seus sentimentos. Pode perceber o além, ou seja, o si do outro, numa expiação discreta, num momento de luta. É claro que o ponto não terá a intenção de "pretender modificar o outro", aos seus moldes, dentro de seus possíveis interesses, em relação a esse outro; o ser que é ponto pode até num momento de dor, de desestruturação querer modificar "o outro" para seu benefício próprio. Nesse caso como "num milagre", num "conto de fadas", ele perde a possibilidade de fazê-lo e se torna incapaz de si. Mas pode com efeito, aceitar o ser do outro "escondido"; senti-lo profundamente, tentando evitar no outro ser, a falta de direção do mesmo, encaminhando-o para si. Mas o ponto, além de lutar para que o ponto do outro se revele independente, luta também pela direção da sua própria vida como ser, ou seja, quer ser vitorioso para si, principalmente quando sente-se necessitado dessa vitória para sua estruturação como ponto: que é "pura revelação". Nesses casos é autoritário, usa de sua força para direcionar com rigidez e autenticidade, numa disputa real de intensidade de forças. São momentos de dor, amor e aceitação, numa correspondência de si com o outro, que "pretende sem pretender", sem dissimulação, numa realidade de si e do outro.



XCIII
Mesmo quando não se tem nada a dizer, se quiser, o ponto diz algo, que traduz o nada, em um nada dito. De uma forma acabada, o tudo se expressa, nesse caso, na retórica: o que quer dizer que o tratado que o encerra, o fundamenta de fato.
A criação é o alimento do ponto. O ser alimentado brinca com as infinitas possibilidades do si do homem: todas traduzidas num aqui e agora que se dá livremente. O ser encaixado na circunstância, age movimentando a circunstância no âmbito da criação.
Seja qual for o estado de espírito momentâneo do ser, a criação se dá, quando este ser é ponto. A ansiedade natural presente em todo ser age se expressando, ou melhor, criando dentro dos limites impostos pelas circunstâncias. É óbvio que dependendo da ansiedade momentânea do ser, a criação se dará de uma ou outra forma: porque o ato da criação depende do ritmo desse ser, que se relaciona. A ansiedade que é "dor", em seu último fundamento, será através da criação drenada do ser que é ponto, na medida em que ela é expressa.


XCIV
Se o ponto perder a luta, perde como vencedor na medida em que vê o outro, incapaz de si. Mas só nesta medida sente-se vencido vencedor. Enquanto acreditar nas possibilidades do "outro ser", o si do ponto adquire forças e luta.
Posso dizer, meu ponto diz, que é possível vencer, que é possível ajudar o homem que amo. Que é possível continuar a luta: ontem com clareza meu ponto sustentou o ser desse homem vencido pelo vício, deu-lhe novas saídas, houve em mim, no meu ponto um retorno sadio. Hoje sinto-me melhor, o que demonstra, que esse ser que ultimamente vem me maltratando, que vem utilizando-se do meu próprio ser para manter-se em pé, que me desestrutura como ponto, subordina-se: adquire forças contra o próprio vício. E eu hoje posso, já de alguma forma, sentir-me vencedora, apta a continuar a luta, por mim e por ele, por meu filho. Sem dispensá-lo de mim, a meu ser entrego à sorte do meu destino. Acredito que ele se dará e por isso sinto-me tranqüila; porém ainda carrego a ansiedade do vício deste ser, em mim, nas minhas entranhas e tento lhe saciar, meu ponto me dirige e eu sobrevivo.


XCV
Volto a me equilibrar: Meu ponto ressurge mais franco, mais dono de si, mais bravo. Impõe-se com astúcia. Percebe mais o ódio alheio; artimanhas de homens malevolentes. Respeitando a si, numa medida de equilíbrio entre si e o outro e vendo com clareza as relações desequilibradas, utiliza-se de força e impõe o equilíbrio justo. Essa imposição porém, não é autoritária, é também na medida da relação, na medida da possibilidade de cada um, ou seja, da capacidade de impor de cada um.
O ponto é forte; o que é necessário para que ele possa sobreviver na sua própria medida; quanto mais se fortalece como ponto, menos recaídas nos confrontos. Sente-se algumas vezes fraco e destronado, quase vencido, pela vivência no submundo: aqui entendido como o caos. A perda de direção; a paixão ou o ódio, ou ainda, ou ainda poderia ser entendido como o "caos dionisíaco" Nietzscheano, em que o ser é entregue a paixão de tal modo que desintegra-se como eu, perde a sua individualidade; o que disso advém é o desgosto pela existência, o sentimento de que tudo é absurdo. O ponto, por sua vez, é consciente mesmo nesses momentos, tenta pelo menos ser e supera-se como natureza, como força dionisíaca, apresentando-se na superfície que é calma: numa plenitude que é a delimitação do indivíduo enquanto sujeito experienciador.
Nessa luta de sobrevivência contra a desintegração, o ser que é ponto, apreende em si, toda força do caos e traz à superfície todo sentido da vida que é transparência do si, do ser que é ponto.
O ser "desintegrado" é um ser vicioso, não possui limites. Nesta direção, transbordando de si que está, não vive, sobrevive sem enxergar a si e ao outro.
Poderíamos comparar o "ser desintegrado", ao homem que vive dentro da Caverna do Mito de Platão. Esse homem está acorrentado pelos seus sentidos, não existe nele a consciência que dirige, que dá forma e que torna a percepção atenta. Nele existem os impulsos naturais dos instintos primitivos; que estão submetidos às forças da natureza, entendida aqui como o "caos dionisíaco" Nietzscheano. Todo ser volta às origens quando submetido a uma paixão; volta a ser o homem acorrentado, dos sentidos primitivos. Mas o ser que é ponto, (fazendo uma analogia ao ser que saiu da caverna e olhou o Sol e viu sentindo toda realidade), volta à caverna e quando acorrentado pelo próprio destino, através das paixões, arrebenta correntes; adquire forças, subjugando seus sentidos primitivos, e cada vez mais anda imune, meio aos acorrentados, quebrando algemas para aliviar os seres do sofrimento, das paixões, das ilusões; apontando-lhes o Sol, o ponto.


XCVI
Hoje relembro lembranças; hoje dou-me um tempo de mim, da realidade que me aflige. Meu ponto, um ponto quieto e sereno, refaz momentos passados. Sem drama numa atmosfera azul meu ser descansa.
Voltou tudo.
Nunca deixou de ser.
Te amo tanto, e sei que sou amada
Quero você!
Nada a dizer quando se ama.
Tudo a sentir: o céu em mim.
Espero o nosso encontro sem ansiedade.
Espero você, seus olhos, seu corpo: seu cheiro.
Meu coração diz sim, meu ponto diz sim, e eu digo sim a você.
Te espero.
Ontem à noite uma certeza de você.
Tudo em mim.
Meu peito cheio, minha cabeça azul.
Em mim um fluxo teu: tão bom, tão quente. Sem dúvidas. Ponto.
Deixei-me invadir de novo por aquele homem e meu coração: bumba boi bumba! Meu coração violenta os mares. Ventando. Ventando ao som do luar, um vento forte e úmido.
Trágico vento ambulante: Bumba bumbá.
E um tambor batendo no peito, num ritmo íntimo: bumba bumbá.
Entre o sim e o não surge um talvez.
Na cadência do tambor bumba bumbá.
Na medida do ponto bumba bumbá...
Olhos negros cintilantes. Bordados de ouro, quero roubar-lhes: estridente, sempre um pouco, um pouco mais.
Numa hora aqui sem demora. Eu namorada. Tudo e nada. Ordinária e satisfeita, sem beira.
Roubo-lhe todo dos pés a cabeça. E nós de testa na testa.
Te adoro. Decoro... Equinócio: de nós. Rápidos lances de liberdade eterna. Setembro. Ardente setembro de nós, sacudidos e ofendidos no amor.


XCVII
Uma tarde qualquer. Uma chuva sem fim e dentro de mim a falta, a dor. Num espasmo choro; meu peito vazio tragicamente sente seu fundo, que é abismo. Num recanto qualquer me escondo, em mim, tão só, tão pouco. Dispenso abraços. Soluços: meu desespero grita, te chama.


XCVIII
Saber que tudo pode ser, saber que inclusive posso voltar lá prá trás. Em qualquer ponto, numa uniformidade disforme e de sobressalto, um aqui e agora, você! Outra vez. E eu sem culpa, sem te culpar: Te amando e sendo amada outra vez, num esquecimento de mágoas passadas reflito hoje um ser novo, sendo ontem aberta de novo pra ti.
Quanto amor dentro de mim querendo viver. Numa falta de ar descobri você que de algum lugar me preenche, me faz inspirar com alento.
Livre, esqueço e sustento este amor culpado, desregrado.


XCIX
Uma vontade do nada me aterroriza, porém mesmo no nada: sou um ser no nada; um ser que sente-se no nada que é um modo de ser. Agora em estado de nada escrevo e sou. Numa ansiedade guiada sem dono. No nada. Aceito o nada, vivo o nada numa ansiedade parada, numa monotonia de mim realizada; numa escravidão da vida que impõe regras de ser, do ser. Num pouco caso de mim readmito meu ponto: nobre ponto perdido, esquecido. Agora porém um ponto achado no nada, que é tudo prá mim, que não sou por ser ponto.
E cansada relato, do nada retiro pedaços de mim e me refaço. De um silêncio acordado o nada descobre o ponto, que é tudo, numa abertura de si o ser reconhece o todo que nada é.
Muitas paradas num ritmo perdido, porém um diabólico mal-estar puxa prá direita, sempre apontando prá trás num reboliço do ser, numa medida injusta, desconfortável. Meu ponto sustenta-se puxando pro meio.
início



sobre o ponto:
Celso Favaretto
Luiz Gil Finguermann
Natali Caseir