Fonografia e Indústria Cultural

Texto: George Farias


A fonografia e a sociedade

Impactos da fonografia na sociedade


    Juntamente com toda evolução tecnológica do pós-revolução industrial, desenvolveram-se paralelamente aos recursos de registro sonoro, uma evolução nas áreas da eletrônica que tornou possível avanços no desenvolvimento tecnológico dos recursos fonográficos. Podemos citar além de todo aparato tecnológico uma resultante social também deste desenvolvimento tecnológico, que são os meios de comunicação de massa (televisão, rádio e jornais), sendo os dois primeiros um resultado direto do desenvolvimento dos recursos fonográficos, já que possuem uma interelação muito grande em suas atividades. Pode-se dizer que os recursos fonográficos são imprescindíveis para a realização das atividades de rádio e TV, bem como, estes meios de comunicação contribuem para a comercialização de registros sonoros e registros visuais.
    Todo este desenvolvimento surgido nos dois últimos séculos, constituiu-se em peça integrante de toda uma estrutura social maior, que aprendeu a utilizar os instrumentos advindos do desenvolvimento tecnológico a favor de uma engrenagem que viabiliza o poder na mão de uma minoria, como sempre foi na história da maioria dos povos, principalmente, no caso de nossa sociedade Ocidental. Convém citar que “desde o surgimento da gravação dos sons, em 1878, esse lento, silencioso, mas inexorável processo de controle do poder de criação e de necessidade de lazer do povo das cidades pela máquina industrial manipulada pela minoria dos que detêm os meios de produção”(TINHORÃO, 1981: 10).
    Com o desenvolvimento industrial, criou-se um modelo de sociedade baseado na produção industrial e na comercialização de seus produtos advindos da indústria. A industrialização atingiu várias áreas da sociedade, onde a arte e por conseqüência, a música estão inclusas. Assim, pode-se verificar que desde os primórdios do desenvolvimento da fonografia, as relações de produção e comercialização de produtos advindos desta área cresceram vertiginosamente. Observa-se o que ocorreu com a chegada do fonógrafo ao Brasil. A comercialização se deu desde a cobrança de entradas para audição de músicas, discursos de personalidades respeitadas, etc, registrados em cilindros nas chamadas “máquinas falantes”, até a comercialização propriamente dita de aparelhos reprodutores de cilindros (fonógrafos), e dos próprios cilindros, contendo predominantemente, registros de obras musicais.
Além disso, estabeleceu-se a relação do artista (músico), com todo este sistema mercadológico, à qual lhe foi instituída a função de operário, as vezes explorado, bem remunerado, idolatrado, ignorado e sem espaço para exercer esta relação comercial. Literalmente desempregado. É claro que as atividades musicais artísticas não se restringiram as atividades fonográficas, existindo conjuntamente as atividades relacionadas a apresentações ao vivo, que também tornaram-se cada vez mais sofisticadas com os meios eletrônicos desenvolvidos para amplificação, equalização e melhoria da qualidade das ondas sonoras. Os shows ao vivo, constituem-se como principal fonte de renda para a maioria dos artistas, principalmente os consagrados, com o advento da fonografia. Averigua-se que o sucesso fonográfico de um artista, propicia a ele um maior número de espectadores em seus shows, que anseia presenciar de perto toda a aventura musical apresentada fonograficamente. O fato da indústria fonográfica não propiciar grandes ganhos diretos aos artistas musicais, está veiculado a todas as relações de trabalho da sociedade capitalista, onde os empresários dos diversos setores de produção industrial, por serem os detentores dos meios tecnológicos de produção, são também os detentores dos lucros obtidos. Neste caso, os artistas tornam-se a mão de obra operária desta indústria.
Analisando com cuidado o ramo da fonografia, pode-se verificar uma grande variedade de relações industriais e comerciais que ela gera. Desde artistas, produtores, técnicos, engenheiros de som e as lojas onde estes produtos são comercializados até as várias áreas da comunicação, que se utilizam destes recursos, para divulgação de produtos no rádio e na TV. Através da fonografia, a música tornou-se um produto situado entre os ramos de atividade que movimentam mais dinheiro no planeta. Associada à imagem, no caso de filmes, comerciais de TV e vídeo clips, a música abriu um mercado sem precedentes. Vê-se aí toda uma estrutura mercadológica, onde um produto passa a sofrer influência direta do outro.
    Observando todo este contexto, pode-se observar também a dependência cada vez maior da sociedade em relação a esta estrutura gerada pela fonografia, bem como por toda a tecnologia que se desenvolve cada vez mais com o passar dos anos. Desta forma, a vida das pessoas, bem como, todo o mercado se encontram envolvidos por esse sistema.


Os Recursos Fonográficos como ferramenta para a produção e composição musical

    Com o advento da fonografia, muitos conceitos de elaboração musical sofreram transformações. É passível de investigação a correlação entre a fonografia e a música popular, estabelecida nos formatos das canções e hits de sucesso, presentes em nosso século.
    Os padrões de associação de melodia, letra e harmonia, encaixados nos contextos rítmicos dos variados estilos musicais fundamentam a composição musical popular de nosso século. Podemos citar por exemplo o samba. A rítmica das frases musicais da melodia e a rítmica dos acompanhamentos por instrumentos musicais harmônicos e de percussão caracterizam o estilo. Os recursos fonográficos, bem como todo aparato tecnológico referente aos sintetizadores e à manipulação dos sons pelos recursos digitais, propiciam uma produção musical elaborada à base de efeitos musicais, nem sempre passíveis de uma execução musical ao vivo semelhante à execução da mesma obra registrada fonograficamente.
    A partir da década de 40, com o desenvolvimento da fita magnética, tornou-se possível manipular o som de maneira direta. Os compositores de música concreta passaram a trabalhar no sentido de incluir gravações de sons naturais (da natureza, do meio urbano) e sons sintetizados em suas obras musicais gravadas e apresentadas em locais públicos. A fita magnética possibilitou aos operadores dos estúdios de gravação (anteriormente limitados técnicas de gravação em tempo real, no caso dos registros fonográficos em cilindros e discos com as fontes sonoras registradas diretamente em uma matriz), gravar uma fonte sonora, mesclando outras fontes posteriormente na mesma gravação, como se estivessem sendo executadas todas simultaneamente . Isto porque a fita magnética poderia ser dividida em várias pistas (multitracks), possibilitando a gravação de vozes sobrepostas em cada pista a um material gravado inicialmente em outra. Um método muito usado foi o de corte e colagem de fita, possibilitando a produção de montagens e mesmo a correção de erros sem a necessidade de uma nova gravação.
    Todas estas técnicas representaram mudanças fundamentais na maneira de se pensar e produzir obras musicais. “O compositor podia agora trabalhar diretamente seu material, como um pintor ou escultor; compunha os próprios sons de sua peça ouvindo o resultado imediatamente, o que anteriormente só havia sido possível com o piano preparado”. (GRIFFITS, 1987: 146)
    Os recursos eletrônicos e fonográficos permitiram aos compositores, possibilidades diretas de manipulação da onda sonora, no que diz respeito a timbres, efeitos, variações de dinâmica, inclusão nas obras de sons sintetizados analógica e digitalmente. Houve uma boa quantidade de produções a partir da década de 40, mixando sons da natureza aos sons instrumentais e efeitos sintetizados, o que veio a dar um caráter futurista a muitas obras do século XX, com sensações sobre-naturais e super-produções com resultados estéticos ora exagerados, ora questionáveis. Percebe-se esta questão em algumas obras musicais, tanto na área da música popular (música pop, tecno-music, dance-music), como na área da música erudita (música eletrônica ), onde a produção baseada em recursos advindos da tecnologia, se sobressai ao conteúdo musical baseado nos padrões de instrumentação estabelecidos ao longo dos séculos.
    Uma quantidade enorme de instrumentistas passou a não ser mais exigida nas gravações, pois, um mesmo executor podia assim gravar em uma obra, várias vozes instrumentais que soariam juntas, mas seriam gravadas em tempos distintos. A possibilidade de gravar e regravar trechos até que se atingisse o resultado desejado elevou o grau de perfeição na produção de uma obra. A tranqüilidade da não exigência de um acerto na execução, deu ao artista a paciência necessária para boas produções musicais com um esforço e necessidade de aprimoramento bem menor do que do artista de épocas anteriores. Podemos comparar em algum grau a distinção de um ator trabalhar no teatro, na TV ou no cinema. O ator em cena teatral terá que obter um bom resultado em uma única atuação. Aquela cena será única e só poderá obter um bom resultado cênico se aproveitar aquela chance. O ator de TV ou cinema, poderá errar quantas vezes quiser até que se encontre a cena perfeita para a edição.



Impactos causados na relação público - artista

    Com a fonografia, verifica-se um quadro, em que, todo o desenvolvimento tecnológico obtido, interativamente com a possibilidade do registro musical, interfere na constituição do próprio objeto musical (obra).
    Em seu principio, a fonografia foi desenvolvida para registrar os sons existentes. Mas as técnicas modernas de registro e produção artísticas resultantes do desenvolvimento tecnológico, fez criar nos estúdios, objetos musicais de execução praticamente impossível por um corpo instrumental tradicional. Os equipamentos eletrônicos como sintetizadores, samplers e outras máquinas computadorizadas ou não, tornaram-se instrumentos musicais. Em contrapartida, longe dos efeitos espetaculares e sintetizados , pode-se observar que mesmo na execução musical tradicional (advinda de corporações instrumentais dos séculos anteriores ao século XX), passou-se a exigir um resultado altamente apurado, devido aos recursos de gravação que tornaram a produção musical requintada e precisa, chegando ao limiar da perfeição. Isso foi possível graças os recursos de overdubs em sistemas de gravação multitracks e a manipulação da onda sonora nos equipamentos dos estúdios possibilitando a modificação de timbres, e de dinâmica (intensidade, articulações, etc), bem como o uso de sintetizadores.
    Para o ouvinte, que muitas vezes desconhece os métodos utilizados, predomina o julgamento de qualidade referencial para o tipo de produto que está habituado a consumir, ou seja, o resultado final da produção fonográfica que o consumidor de música adquire quando compra o disco de seu artista de sucesso. Desta forma, a audição musical de nossa época é determinada pelos reprodutores fonográficos.
“No domínio da música, o interesse pela execução viva dos artistas passava para segundo plano, uma vez que podia ser substituído pela execução mecânica”. (PUTERMAN, 1994: 11) “Destruía-se também aquela emoção sagrada que acompanhava o ritual de se ouvir música num teatro”(ibidem). As palavras de Paulo Puterman deixam claro que a partir do advento da fonografia, a ótica da audição musical passaria para um aparelho, sendo que o poder de alcance de um produto exposto em embalagens coloridas nas prateleiras é muito maior do que um teatro. Os sistemas de distribuição de um produto industrializado, fazem com que ele esteja a venda em qualquer parte do mundo.
    De todo, a apresentação viva dos artistas age como um reforço no esquema de divulgação das obras. O desejo de comprovar a qualidade do artista e presenciar a “performance” de palco são os fatores que ainda levam o público a uma casa de shows ou ao teatro. A apresentação ao vivo é o momento de presenciar a execução viva da obra fonográfica adquirida nas lojas de discos. Na execução ao vivo, o critério de julgamento de qualidade mais comum é avaliar se a execução está próxima daquilo que se ouve no disco . É corriqueiro presenciar grandes artistas da música pop, com obras produzidas nos estúdios fonográficos, se apresentarem ao vivo auxiliados pelos famosos playbacks . Devido a complexidade da execução viva de duas produções fonográficas outros artistas optam por uma execução pública modificada, transformando completamente o produto apresentado ao vivo. Com isto, durante o show musical, elabora-se um segundo produto fonográfico resultante da gravação do próprio show. São os chamados discos “in concert”, que trazem os sucessos fonográficos com aquele fundo sonoro das platéias enlouquecidas. A apresentação ao vivo dos artistas nos programas das mídias televisivas também constitui-se num meio divulgador do produto musical, que aliada a execução no rádio, tornam-se os principais veículos propagadores dos grandes sucessos. Nos programas de televisão, os artistas se apresentam predominantemente a base de playbacks. Neste sistema de divulgação, chegam a ser expostos na mídia artistas incapazes de uma performance musical de qualidade básica, e que são maquiados pelos produtores durante o processo de elaboração de suas gravações. Neste processo de maquiagem da obra, os produtores tomam a frente no processo e cuidam para que o resultado estético obedeça os padrões estéticos que facilitam a comercialização dos produtos. Os produtores utilizam-se assim dos clichês musicais mais básicos tornando o produto bem aceito pelo público que consumirá também a imagem dos artistas, e que, geralmente, obedecem aos padrões estéticos vigentes. Quanto a elaboração musical destas obras, os conceitos elaborados pelo filósofo alemão Adorno sobre estandardização , encaixam de maneira muito coerente nos modelos de obras elaborados pela indústria da fonografia .
    Ao mesmo tempo que o público acostumou-se a ouvir e admirar os produtos musicais relacionados a fonografia, não se pode dizer nada diferente com relação ao artista e ao músico em formação. Estes são, também, consumidores de material fonográfico, e que, em algum momento, seu interesse pela área artística pode ter surgido de seu convívio com fonografia e com toda a mitificação dos ídolos gerados pela indústria cultural no desenvolvimento de sua formação musical.
    Para exemplificar: Observa-se que grande parte dos jovens que pretendem iniciar ou seguir uma carreira artística tem a ambição de assemelhar-se a seu ídolo. Isto se deve ao fato de que este artista idolatrado, reflete a imagem do indivíduo que goza prestígio pessoal e financeiro que são valores primordiais intrínsecos à sociedade capitalista. Sem dúvida, muitos almejam uma carreira artística movidos pela mesma ambição. O músico aprendiz, admirador de referenciais sonoros registrados fonograficamente, visualiza nestes referenciais o desejo de executá-los, com a mesma qualidade instrumental. O conteúdo fonográfico, além de referencial da obra, influencia significativamente este admirador. O registro fonográfico passa a constituir uma ferramenta de ensino do verdadeiro mestre que é o artista que gravou o fonograma, executando seu instrumento em um estúdio de gravação e pôde assim, produzir um material musical "perfeito". Sem conhecer este seguidor, acabou por chegar até ele via fonografia, influenciando-o de maneira significativa.
A necessidade de executar obras com a mesma qualidade da obra referencial gravada, constitui-se em uma fonte de desenvolvimento técnico e musical, mas pode também, funcionar como um agente limitador da potencialidade e da criatividade. Esta limitação acima citada se deve ao fator relacionado à qualidade do artista, o qual, o estudante pretende tomar como referencial. Dependerá do nível de esclarecimento cultural do aprendiz, principalmente no que diz respeito ao conhecimento do universo musical de artistas, dos gêneros musicais existentes e do conhecimento de história da música. É óbvio que o nível de esclarecimento pode variar muito entre diferentes aprendizes de música, pois em uma sociedade onde a desigualdade sociocultural é tão evidente, é natural que se estabeleçam referenciais de qualidade musical distintos entre as camadas do público consumidor de música . Enquanto para uma classe social, um determinado artista constitui-se um referencial de alta qualidade, para outra camada social da população, isto pode não ocorrer. Por exemplo, Waldenyr Caldas (1977), defende a tese de que a música sertaneja constitui-se em um gênero musical com seus produtos fonográficos, destinados pela indústria cultural para o consumo entre as camadas mais pobres da população. No que diz respeito à linguagem verbal, verificamos desigualdades sociais bem marcantes, quanto ao tipo de linguagem usada nos vários setores sociais. Sem dúvida, as classes de poder econômico mais elevado, por receberem uma educação de melhor qualidade e atingirem um grau de instrução maior, tem um maior domínio da língua falada e da melhor estética de expressão verbal.
    No Brasil, o pouco espaço dado à educação artística nos currículos escolares, faz com que a linguagem musical não seja bem ministrada, mesmo entre as classes sociais mais favorecidas economicamente. Desta forma, o principal fator determinante da diferenciação do nível de cultura musical entre as camadas da população, é o fator econômico, no que diz respeito ao poder de consumo. Além dos indivíduos das classes sociais mais altas possuírem melhor condição financeira para adquirir uma maior variedade de obras, podem também acessar uma maior variedade de veículos divulgadores de obras fonográficas lançadas no mercado. Entre estes veículos divulgadores se acham a literatura das revistas especializadas sobre música, os canais musicais de TV por assinatura, além da divulgação de música na internet através do formato MP3. Enquanto isso, as classes sociais mais pobres ficam limitadas as rádios mais comerciais e os sucessos apresentados nos programas de auditório da TV aberta e nas trilhas sonoras das telenovelas.
    A partir desta ótica, o estudante de música teria meios distintos de se desenvolver, almejando atingir em seu estudo, a qualidade instrumental dos artistas referenciais. Daqueles artistas que teve a oportunidade de conhecer e apreciar.


O surgimento da mídia eletrônica e a indústria cultural

    Com a fonografia e todo o desenvolvimento tecnológico que propiciou transformar imagens e sons em sinais elétricos, e a partir daí, transmiti-los pelo ar, verifica-se o surgimento da mídia no meio eletrônico. Relaciona-se o termo mídia diretamente com a comunicação entre os homens, através de veículos designados para esta função, anteriormente limitados apenas a difusão da informação e entretenimento através da linguagem escrita e gráfica. A comunicação da imagem e do som, antes restrita ao tempo presente e ao espaço local, pôde então ser armazenada através dos recursos de registro e transmitida pelo ar de um lugar para o outro. Cabos, antenas transmissoras e receptoras e satélites foram instrumentos desenvolvidos para este fim a partir da passagem do século XlX para o século XX na era pós revolução industrial.
    A comunicação da mídia, além da informação, sempre representou relações de poder. Governantes sempre lideraram seu povo através da comunicação . Relacionando a problemática das relações de controle para a arte musical, que passou a se propagar através das ondas elétricas, modulada nas faixas de freqüência para serem transmitidas e sintonizadas nos aparelhos receptores, que transformavam a onda sonora de sinal elétrico para sinal mecânico. Como instrumentos destas transformações do som do meio mecânico para o meio elétrico e vice versa, estão o microfone, que capta a voz e outros sons transformando-os para sinais elétricos e o alto-falante, responsável pelo processo inverso. Estes dois instrumentos tecnológicos fazem parte da grande variedade de recursos eletrônicos surgidos com o progresso tecnológico.
    Quanto a transmissão do som pelo ar, o primeiro advento neste sentido foi o do rádio, estruturado a partir da década de 20, após experimentos iniciais advindos do final do século XlX. Quanto a invenção do rádio, existe uma forte contradição no sentido de quem seria o seu inventor. Oficialmente, o invento data de 1897, apresentado pelo italiano Guglielmo Marconi . Outras fontes já alegam que o padre brasileiro Roberto Landell de Moura, teria demonstrado o primeiro aparelho que transmitia a voz humana em 1893, “mas infelizmente fanáticos Religiosos destruíram seus equipamentos e anotações cientificas porque o acusaram de ter parte com o demônio” .
    Com o desenvolvimento da rádio difusão e posteriormente da televisão, tornou-se possível propagar sons e imagens instantaneamente com um poder de alcance de público muito maior do que o de o que qualquer teatro ou auditório do mundo pode comportar. O rádio pôde assim propagar os produtos fonográficos, mesclando o som de discos com sons gerados ao vivo nos estúdios das rádios como por exemplo a voz dos comunicadores e de cantores e instrumentistas que se apresentavam nos programas de rádio. Porém em seus momentos iniciais, o advento do rádio significou uma paralisação no desenvolvimento do mercado da fonografia, já que os dois recursos concorreram entre si, pelo fato do rádio propagar uma grande variedade de música gratuitamente, bastando para isso, o ouvinte adquirir o aparelho e sintonizar a emissora. “O simples fato de uma música estar gravada representava a posse de seus direitos pela gravadora, que os supunha preservados pela proibição expressa na etiqueta de cada face: ‘Reservados todos os direitos de reprodução deste disco, inclusive pelo rádio’ ”(FRANCESCHI,1984: 116). Provavelmente o medo que motivou esta disputa entre empresários da indústria do disco com os donos das emissoras de rádio foi o mesmo medo existente no período atual em relação à distribuição de música na internet através do formato MP3.
    Mas este equívoco foi logo corrigido com a associação amigável e, em certos casos, até empresarial, entre emissoras e gravadoras. “Essa situação começou a mudar em 1929, quando a Rádio Corporation of America se juntou à Victor Talking Machine , formando a RCA-VICTOR, a primeira grande empresa de música e lazer nos moldes atuais”( PUTTERMAN, P.91). A partir daí, pode-se considerar tanto o rádio como a TV, como os veículos divulgadores dos grandes lançamentos das gravadoras. Através da fonografia, foi possível para os meios do rádio e da TV, a produção de jingles, os tão conhecidos anúncios comerciais que propagam produtos de todos os setores da industriais. A indústria dos comerciais no ambiente da mídia eletrônica, transformou-se na principal força financeira que movimenta a produção das redes de estações transmissoras. Na sociedade capitalista, existe a mentalidade de que tudo deve ser produzido e comercializado. O lucro está instituído como prioridade em todos os setores. Não seria diferente no ambiente das artes e das comunicações.
    Desta maneira, o mercado empresarial relativo a assuntos relacionados à arte, entretenimento e comunicação se expandiu de maneira muito significativa tendo como resultantes as grandes gravadoras e as grandes redes de rádio e TV. Em alguns países, as grandes empresas de comunicação ficaram sob o total controle do Estado . Em outros como o Brasil, se Constituíram empresas privadas com concessão cedida pelo Estado. Este um assunto que tem uma ampla abordagem no livro de Waldenyr Caldas, “O que todo cidadão precisa saber sobre Cultura de Massa e Política das comunicações” . O autor fala da grande influência que os meios de comunicação exercem sobre as pessoas nos níveis político e comportamental, bem como a função que os meios de comunicação devem ter de propiciar cultura e lazer a população. Deste mesmo livro convém citar: “Assim, acreditando ser o Estado quem melhor pode realizar corretamente este trabalho, é que esses países defendem o monopólio estatal sobre os veículos de comunicação”(CALDAS, 1986: 62).
    No Brasil, percebe-se que as grandes redes de comunicação, objetivam o lucro desenfreadamente, nem mesmo se para isso for necessário alienar a grande população de um enriquecimento cultural mais elevado. A ótica do lazer barato e de baixa qualidade está instalada nas programações da maioria das estações de TV e de rádio . Quando um conteúdo musical é incluso na programação destas emissoras, este se dá apenas mediante a possibilidade de se obter lucro com tal obra . Um DJ ou comunicador que atue em uma rádio que funciona com esta filosofia, raramente pensará em tocar uma obra musical para elevar o nível cultural do ouvinte, para que este viesse a ampliar seu conhecimento sobre compositores importantes da MPB, Jazz, Música Erudita, etc, ou sobre características dos variados gêneros musicais. Este DJ está pensando apenas no jabá que vai ganhar dos empresários das grandes gravadoras, se executar determinada obra, na maior quantidade de vezes possível, com o fim de tornar a obra conhecida e portanto, passível de ser consumida pelo grande público .
    O lado empresarial das emissoras defende a opinião que o povo anseia por ouvir o produto musical de sua programação e colocam sobre o povo a responsabilidade sobre o conteúdo de sua programação. “Ninguém pode garantir, senão a pesquisa criteriosa, sobre aquilo que o povo gostaria e não gostaria de ouvir no rádio e ver na televisão. Acontece que essa pesquisa nunca é feita. Mesmo assim, testemunhamos algumas pessoas precipitadas, quando não, desinformadas, falarem pelo povo” (CALDAS, 1986: 64).
    A problemática chegou a um ponto, que a ação dos meios de comunicação no sentido de influenciar e modelar opiniões, aliada a uma formação educacional precária na maioria dos países de terceiro mundo, onde se acha incluído o Brasil, provocaram uma situação, na qual, uma pesquisa no sentido de averiguar preferências do público, poderia até confirmar o gosto popular pelo conteúdo musical padrão da maior parte das emissoras de rádio e TV. O público está condicionado a se comportar e reagir segundo padrões estabelecidos . A repetição constante das músicas designadas a serem os hits do momento nas programações das emissoras de rádio, conjuntamente aos vídeo clips apresentados na TV, a inclusão da música na trilha sonora das novelas e filmes e a freqüência dos mesmos artistas nos programas de auditório são as principais facetas do esquema de comercialização dos produtos gerados pela industria fonográfica.
    As obras musicais que fazem parte destes esquemas de comercialização de “música estandardizada” , são elaboradas de forma distinta dos padrões de elaboração de uma obra artística. Estas obras, desde a sua composição, já são direcionadas a serem produtos destinados a suprir as necessidades e exigências de um mercado ambicioso. Os “artistas” são condicionados a produzir sua obra segundo os clichês estandardizados habituais do mercado musical fonográfico. “Hoje, o artista não espera mais que os orgãos competentes censurem sua obra; ele mesmo o faz. Mas, ao fazê-lo tem consciência de que seu trabalho está sendo castrado” (CALDAS, 1977: 97). As argumentações de produtores reclamando ao artista de que sua música está se tornando muito difícil de ser digerida pelo público, castram esteticamente obras musicais para que sejam produzidas a partir dos padrões determinados como mais comerciais.
    É claro que existem obras no próprio mercado fonográfico, que transgridem estes padrões. Estas obras são geralmente destinadas ao consumo de uma minoria melhor intelectualizada e portanto, mais exigente. Como o mercado fonográfico aceita o dinheiro até das minorias, não tem preconceito em produzir alguns nomes de melhor qualidade artística para satisfazer uma minoria que apesar de pequena, paga bem. Mas, para a maioria da população, o consumo imposto é o padrão de obra em vigor no mercado, que propicie aos produtores e a gravadora a certeza do retorno através das milhares de cópias vendidas. Assim, os comunicadores das emissoras de massa são condicionados a propiciar espaço nas programações das emissoras, apenas àquelas obras, as quais, a indústria fonográfica investe massivamente. Se o comunicador não trabalhar segundo estes padrões, certamente perderá seu emprego.
    Ao mesmo tempo, valores relativos ao estímulo do consumo são cada vez mais difundidos no ramo das comunicações. São apresentados anúncios e ofertas tentadoras que impõe a opção de adquirir seus produtos, como o único caminho que um ser humano pode percorrer para adquirir prestigio e status junto as outras pessoas. Todos que fazem parte neste jogo, são pequenas peças facilmente substituíveis, pois, são muitos os interesses econômicos envolvidos.



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CALDAS, Waldenyr. Acorde na Aurora: música sertaneja e Industria Cultural São Paulo, Nacional, 1977.
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Esse texto é parte integrante do meu trabalho de conclusão do curso de Licenciatura plena em Educação Artística (habilitação em música)

Dados bibliográficos do texto:

UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA-UDESC
CENTRO DE ARTES-CEART
DEPARTAMENTO DE MÚSICA

"OS EFEITOS DA FONOGRAFIA NAS RELAÇÕES ENTRE A MÚSICA E A SOCIEDADE"
AUTOR: GEORGE MANOEL FARIAS
ORIENTADOR : AFRÂNIO KRÁS BORGES HAINZENREDER
CO-ORIENTADOR: RÉGIS GOMIDE COSTA
FLORIANÓPOLIS, FEVEREIRO DE 2001

 

 

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