Mais sobre a Guerra do Paraguai

Esta guerra, ocorrida nos anos de 1865 a 1870, marcou a formação de exército brasileiro e o apogeu e decadência da monarquia brasileira. Aliados Brasil, Argentina e Uruguai, contra o Paraguai e as pretensões de Solano Lopes, seu governante, na busca dos caminhos que considerava ideais para desenvolvimento paraguaio, teve como resultado a dizimação dos paraguaios, a morte de milhares de brasileiros, argentinos e uruguaios, e a livre navegação na bacia do Prata, da qual nenhum dos países envolvidos se beneficiou. No Brasil foram organizados corpos de voluntários para o serviço da pátria. Cumpre notar que aquilo que entendemos hoje por voluntário não era o mesmo que no império. Existiram diversas categorias de voluntários. Havia aqueles que se apresentavam espontaneamente para o serviço militar; a apresentação individual de militares da reserva e da Guarda Nacional; o voluntariamento de corpos da Guarda Nacional e da polícia pelo qual apresentavam-se os comandantes e os seus comandados; o oferecimento de familiares e não-familiares por outrem; as alforrias, em pequeno número; além de doações em dinheiro ou mantimento e prestações de serviços1. Essas diversas categorias de voluntariados também sofreram modificações durante o longo período da guerra. Sendo mais fácil, no início dela, conseguir um maior número de soldados, os quais foram escasseando com o tempo, tendo sido colocados em prática, pelo governo, métodos mais rigorosos de recrutamento. O alto comando, entre 1865 e1866, estava submetido ao presidente da recém criada República Argentina, a partir de uma convenção reunida em Santa Fé em setembro de 1860, Bartolomeu Mitre, que não conseguia trazer para o seu lado uma grande quantidade soldados, pois muitos não queriam lutar ao lado dos brasileiros. A fragilidade da posição política do Brasil no Prata, e da própria política interna dos aliados platinos marcaram esse período inicial da guerra pela morosidade nas decisões, possibilitando que os paraguaios determinassem a sua direção. O Rio Grande do Sul, província mais próxima ao teatro de operações, teve sua formação interna vinculada aos grandes estancieiros, proprietários de terras e de escravos. A posse da terra foi conquistada pela força, e os latifundiários gaúchos foram recompensados com postos militares na defesa da fronteira e depois, na monarquia, com títulos de nobreza. A anexação da Banda Oriental por D. João VI, no início do século XIX, gerou a possibilidade de envio de gado uruguaio para as charqueadas gaúchas, e também o estabelecimento de grandes propriedades de rio-grandenses no lado uruguaio. Com a independência da província Cisplatina, os interesses econômicos gaúchos foram prejudicados e os dos uruguaios tiveram que ser reestruturados2. Tudo isto, somado a constantes conflitos de fronteiras e à interferência do Brasil nos problemas internos dos países platinos, na guerra contra o argentino Rosas e na luta contra o uruguaio Aguirre, explicam a dificuldade política dos brasileiros na condução da primeira fase da luta contra os paraguaios. O Uruguai ainda estava dividido entre blancos e colorados e com Venâncio Flores no comando de suas tropas, o que desagradava grupos políticos e parte da população de seu país gerando resistências internas, ao mesmo tempo em que os comerciantes e estancieiros, aproveitavam-se da guerra para lucrar financeiramente de todas as formas. A principal delas era a venda de cavalos ao exército brasileiro e o constante estouro deles à noite, o que gerava a necessidade de mais cavalos3. Mitre, lutava para manter o equilíbrio e a unidade entre as províncias argentinas. Entre Rios e Corrientes só se decidiram pelo apoio às forças aliancistas após a invasão desta pelas tropas paraguaias. O próprio processo através do qual se deu a assinatura do tratado da Tríplice Aliança não foi harmonioso. Do início das negociações por José Maria da Silva Paranhos à assinatura do tratado por Francisco Otaviano de Almeida Rosa, ambos ministros plenipotenciários de D. Pedro II, decorreram longas horas de negociação. Depois de assinado, o tratado sofreu a reprovação por parte da opinião pública argentina e da imprensa, que questionou o seu artigo 6º, o qual estabelecia que as forças aliadas não deporiam as armas, nem celebrariam tratado de paz, sem que fosse derrubado o atual governo paraguaio. Todos esses fatores fizeram com que, nesse período inicial da guerra, o alto comando da Tríplice Aliança perdesse muito tempo em discussões, pois cada um dos seus membros não tomava qualquer decisão sem a aprovação dos representantes dos outros países. As criticas mais comuns entre aqueles que viveram o período inicial da guerra referiam-se tanto ao direcionamento dado pelos generais responsáveis como a desorganização do exército brasileiro quanto ao tratamento de moléstias, a localização dos acampamentos e a higiene. As barracas armadas nas baixadas, após as chuvas freqüentes, ficavam em estado lastimável, pois muitas vezes as águas transpunham as valetas cavadas pelos mais precavidos, molhando os pelegos que substituíam as camas dos soldados4. As doenças atingiam principalmente os soldados do norte do país, que, não acostumados ao clima da região, sofriam com o frio e ficavam mais vulneráveis às moléstias. A bexiga, o tifo e o sarampo eram as epidemias dominantes. O hospital era mínimo, mal equipado e mal localizado. O do acampamento de São Francisco estava montado no terreno baixo, e rapidamente ficou alagado com as chuvas, sendo que havia várias colinas ao seu redor5. Nos outros acampamentos os hospitais de sangue às vezes ganhavam melhores localizações, porém, viviam cheios de feridos, com muito serviço para os médicos, estudantes e boticários, que além do pouco desenvolvimento da medicina na época, que limitava suas atuações, não tinham condições de manter a limpeza nem mesmo dos materiais utilizados no tratamento dos feridos6. Da bravura de Osório, posicionando-se à frente de seus soldados, aos feitos de Flores, indo pessoalmente ajudar a retirar de um atoleiro a artilharia ou despindo-se para reconhecer a nado um passo7, temos o exemplo do modo como era construída a popularidade e a afirmação do poder dos generais sobre os seus comandados. Alfredo de E. Taunay, em suas Memórias e na obra A Retirada da Laguna, também narrou as companhas de que participou naquela guerra. Escreveu-as a partir de fins de 1889, quando a república o levou à inatividade forçada. Dionísio CERQUEIRA encerrou as anotações de suas Reminiscências da Campanha do Paraguai em 1910. Essas e outras publicações são dignas de estudos aprofundados O certo é que não havia exército no Brasil para enfrentar uma guerra. A partir da necessidade foram se formando os batalhões com pouco ou nenhum treino. Por outro lado, o desconhecimento da região tornava alguns procedimentos inúteis, como a compra de barracas francesas no modelo usado na guerra da Criméia, inútil para a umidade e o frio do pantanoso terreno da bacia do Prata. Uma melhor organização do exército brasileiro só foi alcançada com Caxias, já no comando das operações em outubro de 1866. Este recebeu plenos poderes tanto no uso da verba destinada a compra de fardamentos, equipamentos, e material bélico, como na permissão para operar por sua decisão, caso o General em Chefe dos Exércitos Aliados, persistisse em retardar as atividades no teatro de operações8. Nessas condições, Caxias pode harmonizar e coordenar internamente o exército brasileiro, dentro da rígida hierarquia da instituição, o que Osório não conseguiu. Este, sujeito às determinações de Mitre, e sofrendo pressões da oficialidade brasileira no sentido de dar andamento às operações, vivia, segundo André Rebouças, tendo "ataques de hidrofobia", a ponto de repreender um oficial na frente de outros9. Além da defesa dos ideais de "liberdade" e "civilização" preconizados pelos aliados, a inabalável certeza da vitória, pelo alto comando brasileiro, mesmo antes da rendição de Estigarribia em Uruguaiana em 1865, ao mesmo tempo que infundia convicção aos soldados e aos aliados demonstrava uma superioridade fundamentada pelas práticas autoritárias brasileiras no Prata. Analisando as ações dos soldados na Guerra do Paraguai, encontrei em Taunay, a constatação de que as camadas mais baixas dos estratos sociais brasileiros que foram convocados para formar os batalhões de soldados, posicionavam-se de forma diversa com relação ao conflito. Estes aproveitavam as oportunidades de fuga que apareciam, tornando alto o número de desertores10. A análise dessas interpretações contribui para estabelecer o entendimento de como se deu a organização em um corpo militar, de grupos sociais distintos, que formavam o exército brasileiro, estruturado e com uma tradição construída ao longo dessa campanha. Dos soldados, homens livres ou ex-escravos, aos oficiais, as imagens de um Paraguai "tirano e usurpador da soberania das nações livres", e de um exército nacional "salvador" e "civilizador" sedimentaram-se, a despeito das deserções, concorrendo para o ajustamento interno daquela organização. Outro aspecto que desejo colocar em evidência é a presença de mulheres na guerra. Mulheres de oficiais, em número reduzido, de soldados e prostitutas seguiam a marcha do exército, sofrendo as mesmas penúrias que seus companheiros ou clientes, subtendo-se a marchas forçadas, à artilharia inimiga, vivendo em acampamentos, em terrenos alagadiços, sem as mínimas condições de higiene e sujeitas à organização militar. Mais de duzentas dessas pobres coitadas lá iam aos trambolhões pela imensa estrada afora, algumas carregadas de crianças, desgraçadas amásias ou legítimas esposas de soldados. Duas senhoras, casadas com oficiais, acompanhavam os maridos11. Dionísio Cerqueira referiu-se a elas como mães, que davam filhos ao regimento12. A atuação das mulheres foi ampla. José Luís Rodrigues em suas Recordações da Campanha do Paraguai afirmou que elas também recolhiam feridos levando-os aos hospitais, sendo as antecessoras da prática da enfermagem13. Porém, segundo Taunay, na narração do episódio conhecido como Retirada da Laguna, o número dessas beneméritas era bastante reduzido, a maioria delas ficava embaixo das carretas, escondendo-se para não se tornarem alvo do inimigo14. Na verdade, o séquito que acompanhava o exército era diversificado. Nessa retaguarda encontravam-se também os comerciantes, que viam ali a possibilidade de lucro com a venda de seus produtos a oficiais e soldados. Passavam necessidades apenas aqueles que viviam do soldo, constantemente atrasado. Quem tivesse meios, podia obter nas suas carroças de fardamentos a medicamentos, desde que efetuasse o pagamento em libras esterlinas15. Os fornecedores contratados pelo governo para suprir os combatentes com alimentos e equipamentos, cobravam preços exorbitantes e, durante a chefia de Osório, foram constantes as reclamações de atrasos, faltas e, sobre as suas negativas em permitir qualquer escolha dos produtos ou materiais16. Sob o comando de Caxias de outubro de 1866 a 1869 com a tomada de Assunção, o exército continuou apresentando problemas, porém com maior organização interna. Após a tomada de Assunção, o conde D'eu assumiu como general em chefe das forças aliadas até a morte de Solano Lopes em 1870 quando teve fim a guerra.