1. De onde vem o baião?
Veio do Nordeste, da Paraíba, de Pernambuco, do Ceará... É
uma música de caráter profundamente regional, traduzindo em seu ritmo tudo que o Nordeste tem
de mais típico. Pois note-se não me considero inventor do baião. O que fiz em 1945 foi,
juntamente com Luís Gonzaga, utiliza-lo, ou melhor uniformiza-lo, urbaniza-lo, adapta-lo ao gosto
dos grandes centros. A música veio de lá, em seu estado nativo e agreste, sem que ninguém,
até então, lhe houvesse reconhecido o valor; nós lhe depuramos as qualidades,
conservando-lhe, porém, toda a essência.
2. E a razão desse nome: baião?
Provém de sua origem nordestina: baião é uma corruptela da palavra
baiano, e no Norte serve igualmente para designar o ritmo da viola sertaneja. Na realidade, o baião
é tão velho quanto o próprio sertão, motivo pelo qual não poderia eu reivindicar
a honra de tê-lo inventado.
3. Mas foi você quem gravou o primeiro baião?
Sim, eu e Luís Gonzaga gravamos pela primeira vez o baião, no mundo,
e podemos afirmar que ele revolucionou quatro séculos de música popular brasileira. Sim, foi uma
verdadeira revolução, um rompimento completo com a rotina, com os cânones até
então estabelecidos, e o inicio de uma nova fase na evolução de nossa música popular.
O baião começou a ganhar terreno e prossegue vitorioso, já havendo atravessado as
fronteiras e levado a outros povos o ritmo do lirismo e da sensibilidade da nossa gente. Paris já
dançou o baião e se entusiasmou por ele...
Mas como já disse no improviso com que agradeci as homenagens que me foram
prestadas pelo título do maior compositor do ano, longe de mim a veleidade de querer atribuir à
minha obra outro mérito alem de um artesanato musical. No entanto, devo reconhecer que existe entre a
natureza do baião e minha sensibilidade uma correlação muito íntima. Encontrei nela os
ritmos capazes de traduzir o que me vai na alma, e principalmente a saudade, saudade de dores sopitadas,
saudade da terra distante, "amarga que nem jiló". Essa constante da minha
música teve no baião o seu clima propício.
Baião, para mim, é a saudade do sertão agreste, onde na seca se
espalha em cada rocha a ira do sol. Mas é também a primeira chuva fina e peneirada, gotejando
alegria para o caboclo que canta, dança e se diverte. É o vaqueiro de minha terra riscando a
caatinga, como um corisco atrás duma rés. Todas as vozes e impressões do meu
sertão remoto e querido, se transfundem para mim no baião. Eis como eu vejo e sinto o baião...
Entrevista concedida por Humberto Teixeira ao "jornal de letras", janeiro de 1953.
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Última atualização em 20/04/2002. |