A semântica e o texto

 


 

A

 

semântica

 

e

 

o

 

texto

 

Ai, palavras, ai, palavras,

que estranha potência a vossa!

Todo o sentido da vida

principia à vossa porta;

o mel do amor cristaliza

seu perfume em vossa rosa;

sois o sonho e sois a audácia,

calúnia, fúria, derrota...”

Cecília Meireles

A linguagem e as suas funções

A multiplicidade de funções da linguagem verbal possibilita a cada homem participar da sociedade, integrando-se em um processo cultural mais amplo. Partindo do pressuposto de que a língua representa uma cultura e tem, portanto, um valor de representação, inúmeros lingüistas desenvolveram hipóteses teóricas na tentativa de descrever um conjunto mais amplo de funções.

Karl Bühler, lingüista e psicólogo alemão, sistematizou as funções da linguagem tomando, como ponto de partida, a representação — característica, por excelência, da língua — e reconhecendo duas outras funções, a manifestação psíquica e o apelo.

Kainz, discípulo de Bühler, por considerar que a representação está presente em todo ato lingüístico, introduziu uma alteração no quadro de seu mestre. Para Kainz, a representação está presente em três funções: a informação, a manifestação psíquica e o apelo.

Roman Jakobson, por sua vez, manteve as três funções apontadas anteriormente, mas atribuiu-lhes novos nomes: referencial, emotiva e conativa, respectivamente. Além disto, introduziu três novas funções: fática, metalingüística e poética. Distinguiu, portanto, seis funções ao todo, relacionando cada uma delas a um dos componentes do processo comunicativo. Desta forma, em cada ato de fala, dependendo da sua finalidade, destaca-se um dos elementos da comunicação, e, por conseguinte, uma das funções da linguagem.

Elementos da comunicação

Funções da linguagem

contexto (referente)

referencial

remetente

emotiva

mensagem

poética

destinatário

conativa

contato (canal)

fática

código

metalingüística

É preciso esclarecer que as seis funções não se excluem — dificilmente temos, em uma mensagem, apenas uma dessas funções. Entretanto, é engano pensar que todas estejam presentes simultaneamente. O que pode ocorrer é o domínio de uma das funções; assim, temos mensagens predominantemente referenciais, predominantemente expressivas, etc.

Embora se reconheça que o estudo das funções da linguagem, centradas nos componentes do ato da fala, seja importante para perceber como o texto se constrói, é preciso lembrar que esse estudo não deve restringir-se a si mesmo, como é comum em diversos livros didáticos de língua portuguesa. Essa orientação tem trazido como conseqüência, para o estudante, uma visão estanque da linguagem, como se as funções pudessem existir independentes umas das outras, desvinculadas dos mecanismos de construção da textualidade.

Lingüistas como Lyons (1977) e Brown e Yule (1983) retomaram o estudo das funções da linguagem, com outras abordagens.

Brown e Yule enfatizam a importância da análise da língua em uso e apontam apenas dois termos para definir as mais importantes funções da linguagem: a transacional — relacionada com a expressão do conteúdo — , e a interacional, que expressa relações sociais e atitudes pessoais.

Atualmente, a tendência é considerar duas grandes funções da linguagem: a cognitiva ou referencial e a pragmática ou interacional.

"A Pragmática é uma dimensão no estudo da linguagem que pretende compreender o estudo da língua como meio de ação, de atuação sobre os ouvintes ou leitores. Ela leva em conta os interlocutores e o contexto de situação. Quais são os elementos lingüísticos capazes de atuar no leitor? Eles são variados e ocorrem nos diferentes níveis lingüísticos, isto é, na seleção vocabular (léxico), na construção sintática, no uso de figuras (estilística) e nas estratégias semântico-pragmáticas ao apresentar idéias e argumentos."

(Souza e Carvalho, 1992)

A Professora Dra. Ingedore Grunfeld Vilaça Koch (1995), ao descrever e explicar as estratégias lingüísticas utilizadas pelo ser humano para interagir socialmente, discute a concepção sociointeracionista da linguagem como sendo a que encara a linguagem como atividade, como forma de ação, ação interindividual finalisticamente orientada; como lugar de interação que possibilita aos membros de uma sociedade a prática dos mais diversos tipos de atos, que vão exigir dos semelhantes reações e ou comportamentos, levando ao estabelecimento de vínculos e compromissos anteriormente inexistentes. Trata-se, como diz Geraldi (1991), de um jogo que se joga na sociedade, na interlocução, e é no interior do seu funcionamento que se podem estabelecer as regras de tal jogo.

Essa interação realiza-se de maneiras diferentes conforme a modalidade de uso da língua: na língua escrita, por exemplo, o emissor não está em intercâmbio direto com o receptor, e, por isso, a explicitação de todos os elementos é fundamental para a compreensão da mensagem e o contexto extralingüístico deve ser descrito em detalhe; na conversação natural, são muitas as informações que não precisam aparecer sob a forma de palavras, já que o contexto situacional e os dados que falante e ouvinte dominam, um do outro, permitem a seleção das informações que serão subtendidas.

Na língua falada, portanto, a compreensão não depende apenas de uma decodificação linear dos componentes semânticos dos vocábulos utilizados no enunciado — a compreensão deve ir mais além. É aí que surge o conceito de implicatura conversacional, exigindo interferências por parte do interlocutor — esse é o espaço de estudo da pragmática.

Quando alguém se dirige a outra pessoa, dizendo: "Ufa, que calor, hein!", pode estar pedindo que se abra a janela, ou se ligue o ventilador, sem um pedido direto. A mensagem só será entendida se o interlocutor estiver prestando atenção à situação, decodificando possíveis gestos e expressões faciais do falante. Também as piadas são textos que exigem inferências por parte do ouvinte, já que seu conteúdo ultrapassa o âmbito da mera significação das palavras, jogando sim com uma contextualização mais ampla e com dados que são de conhecimento restrito de um grupo social, de uma comunidade específica, de um momento histórico. Não é à toa que não entendemos piadas de irlandeses e ingleses, por exemplo, que se consideram grandes humoristas. Por não dominarmos as referências culturais, contextuais ou situacionais das suas piadas, não conseguimos fazer as inferências necessárias.

“As funções da linguagem”, de Louis Hjelmslev

A linguagem — a fala humana —

é uma inesgotável riqueza de múltiplos valores.

A linguagem é inseparável do homem e

segue-o em todos os seus atos.

A linguagem é o instrumento graças ao qual

o homem modela o seu pensamento,

seus sentimentos,

suas emoções,

seus esforços,

sua vontade e seus atos,

o instrumento graças ao qual ele influencia e é influenciado,

a base última e mais profunda da sociedade humana.

Mas é também o recurso último e indispensável do homem,

seu refúgio nas horas solitárias em que o espírito

luta com a existência,

e quando o conflito se resolve no monólogo do poeta

e na meditação do pensador.

Antes mesmo do primeiro despertar de nossa consciência,

as palavras já ressoavam à nossa volta,

prontas para envolver

os primeiros germes frágeis de nosso pensamento

e a nos acompanhar inseparavelmente através da vida,

desde as mais humildes ocupações da vida quotidiana

aos momentos mais sublimes e mais íntimos

dos quais a vida de todos os dias retira,

graças às lembranças encarnadas pela linguagem, força e

calor.

A linguagem não é um simples acompanhante,

mas sim um fio profundamente tecido na trama do

pensamento;

para o indivíduo, ele é o tesouro da memória e

a consciência vigilante transmitida de pais para filho.

Para o bem e para o mal,

a fala é a marca da personalidade,

da terra natal e da nação,

o título de nobreza da humanidade

Palavras que nos atrapalham e nos ajudam a viver

"Mas você sabe que a pessoa pode encalhar numa palavra e perder anos de vida?"

(Clarice Lispector)

Veja só: encalhar numa palavra. A pessoa lá vai no seu barquinho vida a dentro e, de repente, encalha em uma palavra. Pode ser: marxismo, Deus, pai, vanguarda, revolução, Paris, aposentadoria, Sociolingüística, dicotomia, variação diastrática.... Algumas palavras são paralisantes. O Brasil, por exemplo, no princípio do século passado, encalhou na febre amarela. Depois, reencalhou na ditadura e na censura. Há alguns anos estava encalhado na inflação. Está tentando desencalhar um pouco da corrupção, mas está difícil desencalhar da reforma agrária e totalmente do subdesenvolvimento.

É que as palavras, com essa coisa de se plantarem na nossa vida, alimentam-nos e nos matam, são remédio e veneno, e, como os produtos de uma farmácia, são drogas que podem matar ou curar. É uma questão de alquimia verbal saber administrá-las. E Aurélio Buarque, nosso farmacêutico de plantão, aconselhou: “temos que dar oportunidade às palavras”. Quer dizer: elas não podem ficar por aí desprezadas no amorfo dicionário, têm de ser desfrutadas, expor-se à luz do nosso prazer.

Eis um bom exercício: tome um lápis e anote as palavras que paralisaram ou fizeram a sua vida avançar — palavras-coisas, palavras-pessoas.

Como Você sabe, as palavras participam da nossa vida: encalham, reencalham, desencalham, são paralisantes, plantam-se na nossa vida, alimentam-nos, fuzilam-nos, são remédio e veneno, drogas para matar e para curar, não podem ser desprezadas, têm que ser desfrutadas, enfim, são palavras-coisas, palavras-pessoas.

Esse dinamismo está relacionado à multiplicidade de sentidos que as palavras podem adquirir em função dos diferentes contextos e situações de uso. A essa multiplicidade de sentidos, chamamos de polissemia.

Polissemia

Perini, na sua Gramática Descritiva do Português, descreve a polissemia como uma propriedade essencial à sobrevivência de uma língua:

A polissemia é uma propriedade fundamental das línguas humanas, que sem ela não poderiam funcionar eficientemente. Seria impraticável dar um nome separado a cada "coisa", incluindo aquelas que nunca vimos. Ao nos depararmos com um objeto nunca visto antes - digamos, um novo modelo de bicicleta - ficaríamos sem recursos para denominá-lo. Mas não é assim que a linguagem e a mente trabalham. Ao encontrar um objeto novo, tentamos imediatamente "reconhecê-lo", encaixando-o em alguma categoria já existente na memória (e na língua). Ao vermos um animal desconhecido, em geral tendemos a chamá-lo pelo nome de um animal já conhecido; assim, chamamos formiga aos representantes de milhares de espécies diferentes de insetos;e assim uma criança diz "cocó " ao ver pela primeira vez um avestruz. A polissemia confere às línguas humanas a flexibilidade de que elas precisam para exprimirem todos os inumeráveis aspectos da realidade. Conseqüentemente, a maioria das palavras são polissêmicas em algum grau. palavras não-polissêmicas são raras e freqüentemente são criações artificiais, como os termos técnicos das ciências: fonema, hidrogênio, pâncreas, etc. Nestes casos, a polissemia é realmente um inconveniente; mas o discurso científico, em sua procura de univocidade semântica, difere enormemente da fala normal das pessoas. Nesta, a polissemia é indispensável.

(Perini 1985. p. 252)

Na sua gramática, Perini atribui à polissemia um papel essencial no processo de renovação do vocabulário de uma língua — ela garante a necessária economia e a flexibilidade para expressar a multiplicidade de significados necessários à comunicação humana. Podemos até mesmo ampliar seu comentário, lembrando que, também na linguagem científica, inúmeros termos têm origem em extensões metafóricas de expressões do uso comum, como buraco negro (na física), paciente (na medicina), etc.

Agora Você vai ler um texto de Paulo Leminski:

Texto 1

Meu professor de análise sintática era o tipo do sujeito inexistente.

Um pleonasmo, o principal predicado da sua vida

regular como um paradigma da 1a conjugação.

Entre uma oração subordinada e um adjunto adverbial,

ele não tinha dúvidas: sempre achava um jeito assindético

de nos torturar com um aposto. Casou com uma regência.

Foi feliz.

Era possessivo como um pronome.

E ela era bitransitiva.

Tentou ir para os EUA.

Não deu.

Acharam um artigo indefinido em sua bagagem.

A interjeição do bigode declinava partículas

expletivas, conectivos e agentes da passiva, o tempo todo.

Um dia, matei-o com um objeto direto na cabeça.

(Paulo Leminski)

Comentário sobre o texto 1

Nesse texto Você pode observar como o duplo sentido dos vocábulos é explorado, criando ambigüidades e contribuindo para o objetivo crítico do autor: termos utilizados na análise sintática tradicional são empregados no seu sentido comum. Dessa ambigüidade, resulta o efeito humorístico do texto, em que se critica a atitude do professor.

termo gramatical

vocabulário técnico

vocabulário usual

sujeito inexistente

ausência de sujeito gramatical

(= pessoa, indivíduo comum)

predicado

parte da oração

(= qualidade, característica)

assindético

tipo de oração coordenada

(= diferente, inusitado)

regência

relação entre um termo e seu complemento

(= companheira)

pronome possessivo

pronome que marca uma relação de posse

(= pessoa ciumenta)

artigo indefinido

tipo de determinante do nome

(= objeto duvidoso)

objeto direto

complemento do verbo sem auxílio de preposição

(= objeto contundente)

João Cabral de Melo Neto também explora a organização sintática da frase polissêmica e poeticamente.

Texto 2

Rio sem Discurso

Quando um rio corta, corta-se de vez

o discurso-rio de água que ele fazia;

cortado, a água se quebra em pedaços,

em poços de água, em água paralítica.

Em situação de poço, a água equivale

a uma palavra em situação dicionária:

isolada, estanque no poço dela mesma,

e porque assim estanque, estancada;

e mais: porque assim estancada, muda

e muda porque com nenhuma comunica,

porque cortou-se a sintaxe desse rio,

o fio de água por que ele discorria.

O curso de um rio, seu discurso-rio,

chega raramente a se reatar de vez;

um rio precisa de muito fio de água

para refazer o fio antigo que o fez.

Salvo a grandiloqüência de uma cheia

lhe impondo interina outra linguagem,

um rio precisa de muita água em fios

para que todos os poços se enfrasem:

se reatando, de um para outro poço,

em frases curtas, então frase e frase,

até a sentença-rio do discurso único

em que se tem voz a seca ele combate.

(João Cabral de Melo Neto)

O que é ambigüidade?

O fato de as palavras apresentarem uma multiplicidade de sentidos, em função do contexto em que são usadas, pode gerar ambigüidade, conceito muito produtivo no processo de interação.

Le-se no Dicionário de Lingüística, organizado por Jean Dubois e outros estudiosos franceses:

Ambigüidade é a propriedade de certas frases que apresentam vários sentidos. A ambigüidade pode ser do léxico, quando certos morfemas léxicos têm vários sentidos. Assim, na frase:

Ele estava na minha companhia.

há pelo menos dois sentidos, porque companhia, no caso, pode ter dois sentidos, o de empresa (Ele estava na minha empresa), ou de uma pessoa ( Ele estava comigo). Fala-se então de ambigüidade léxica.

A ambigüidade pode se originar do fato da frase ter uma estrutura sintática suscetível de várias interpretações. Assim, na frase a seguir há duas interpretações:

O magistrado julga as crianças culpadas.

1. O magistrado julga que as crianças são culpadas.

2. O magistrado julga as crianças que são culpadas.

Fala-se então de ambigüidade sintática ou de homonímia de construção. As ambigüidades sintáticas devem-se ao fato de que a mesma estrutura de superfície sai de duas (ou mais de duas) estruturas profundas diferentes. Assim, Jorge ama Rosa tanto quanto João corresponde a:

a) Jorge ama Rosa tanto quanto João ama Rosa.

b) Jorge ama Rosa tanto quanto ele ama João.

Do mesmo modo, a frase a seguir é sintaticamente ambígua, podendo corresponder a duas interpretações:

Eles se olham.

a) Eles se olham (um ao outro).

b) Eles se olham (cada um a si mesmo, num espelho).

Mudanças de sentido — causas lingüísticas, históricas, sociais

Partindo dos estudos de Meillet, Ullmann (1977) examina a questão das mudanças de sentido e mostra que elas são causadas por inúmeros fatores, de ordem lingüística, histórico-social e psicológica.

As causas histórico-sociais são responsáveis pela maior parte das mudanças de sentido das palavras. Muitas vezes conserva-se o nome de objetos, de instituições, de idéias e de conceitos científicos mesmo que mude nossa concepção a respeito deles. Um exemplo dessa mudança é o vocábulo átomo, que em grego significava indivisível e que apresenta, desde o advento da era atômica novas significações - não é mais o pequeno constituinte da matéria como a etimologia sugere (do grego atomos "que não pode ser cortado, indivisível"). Além disso foi enriquecido com novas e "aterrorizantes" significações na era da energia atômica.

Dois tipos de mudança de sentido estão intimamente relacionadas a causas histórico-sociais: a especialização e a generalização. A especialização do sentido pode ser exemplificada com os vocábulos que têm o seu sentido alterado ao serem empregados na terminologia de uma profissão, de um grupo. Esse é o caso de vocábulos como ação, por exemplo, que, para operadores financeiros, tem o sentido de um papel que é negociado nas Bolsas de Valores. Também temos como exemplos:macaco (espécie de símio, que passa a ser utilizado como nome de um mecanismo para levantar grandes pesos); arquivo (lugar onde se guarda um conjunto de documentos, que passa a ser utilizado, na linguagem de informática, como um documento específico). A generalização de sentido pode ser exemplificada com vocábulos que têm seu sentido ampliado pelo uso. Caráter (no sentido original de instrumento para marcar ou entalhar, passa a significar a própria marca, e, generalizando-se, passa a "tipo de imprensa" ou "índole, personalidade").

As descobertas científicas, tecnológicas, o progresso de forma geral exigem novas designações; assim, novas palavras são criadas, a partir dos recursos que a língua oferece (como as derivações, as composições); outras vezes, importamos vocábulos estrangeiros ou alteramos o sentido dos vocábulos já existentes. Assim, vamos ampliando os domínios do nosso vocabulário: o emprego de tanque, para designar o veículo blindado inventado na primeira guerra mundial, foi acrescentado arbitrariamente ao vocábulo tanque, já existente, que designava reservatório de qualquer líquido; a criação de indexação, aidético está ligada a áreas da economia e da medicina, muito produtivas no processo de criação lexical.

Termos estrangeiros são, também, uma fonte produtiva nas inovações semânticas, como resultado das relações políticas, culturais e comerciais com outros países. A entrada de elementos estrangeiros em uma língua é um fenômeno sociolingüístico ligado ao prestígio de que goza uma língua ou o povo que a fala. Dessa forma, os povos que dependem econômica e culturalmente de outros não podem deixar de adotar, com os produtos e idéias importados, a nomenclatura correspondente. É interessante observar o emprego de realizar (do inglês realize - “perceber, compreender”) no sentido de dar-se conta de, aperceber-se de, ao lado do sentido tradicional "fazer", exemplificando a convivência de sentidos. Pode até ocorrer o caso de falsa analogia: vocábulos e expressões de outra língua usados no sentido oposto do original, como handicap (vantagem) confundido com “back-ground”, interpretado como vantagem, bagagem material ou cultural.

Inúmeras mudanças semânticas ocorrem a partir de associações que se estabelecem na linguagem (metáforas, metonímias), vinculadas a fatores emotivos e a tabus. Aspectos emotivos fornecem constantemente novos sentidos aos vocábulos, como ocorre em hospício (onde se hospeda alguém, no seu sentido original), asilo (abrigo afastado), que, através da mudança, passaram a referir-se apenas a abrigo para pessoas idosas, marginalizadas ou loucas. Os tabus dizem respeito às proibições e restrições não só de situações como também do uso de determinados vocábulos; os judeus não podiam pronunciar o nome de Deus e usavam Senhor. Costuma-se empregar o vocábulo eufemismo no lugar de tabu.

Ullmann (1977) divide os tabus da linguagem (eufemismos) em três grupos ligados a motivações psicológicas variadas: medo, delicadeza e decência. Para tabu de medo, basta lembrar as inúmeras designações para diabo, danho, cão, tinhoso, danado, etc. Quanto à delicadeza, estamos sempre procurando evitar referências a assuntos desagradáveis ou que causem constrangimento. Assim, câncer é substituído por doença ruim, chamamos pessoas incapacitadas de excepcionais, deficientes; ladrão é gatuno; morrer por entregar a alma a Deus. Os tabus de decência e decoro abrangem os vocábulos ligados a sexo, certas partes e funções do corpo e os juramentos. A referência ao ato sexual é expressa por fazer amor, transar, vadiar, brincar; no lugar de parir geralmente usamos ganhar neném, dar a luz a; nádegas é substituído por bumbum, e assim por diante.

Certas mudanças são provocadas pela simplificação de grupos de vocábulos que convivem no uso cotidiano. Permitindo a eliminação de um deles sem perda do sentido global. A palavra siso (com o sentido de bom senso, juízo) passa a representar sozinha o que antes era expresso pela locução dente do siso; fritas, por batatas fritas; cidade ou centro, por centro da cidade.

Segundo Ullmann (1964), sejam quais forem as causas que produzem a mudança, deve haver sempre alguma ligação, alguma associação, entre o significado antigo e o novo.

Na abordagem da organização do léxico, vale ressaltar as observações feitas por Ullmann quanto às mudanças que ocorrem em função das relações que se estabelecem entre os vocábulos, de que resultam:

         alterações em virtude de fatores extralingüísticos, como mostram os exemplos de bárbaro (no sentido de estrangeiro, de povos de origem bárbara na época da invasão do Império Romano) que alterou seu sentido para desumano, rude; e de ministro, que designava criado, servidor oficial e hoje passou a ser usado para juiz de Supremo Tribunal ou membro importante do governo.

         alterações decorrentes de fatores internos ou inovações lingüísticas, compreendendo as transposições metafóricas, por semelhança de sentidos; as transposições metonímicas, por contigüidade de sentidos; as semelhanças formais, por semelhanças de nomes e a contigüidade de formas, por contigüidade de nomes, além das alterações compostas ou complexas.

As relações entre os elementos lexicais em uma dada língua podem estabelecer-se entre dois nomes, entre sentidos ou, ainda, entre dois nomes e dois sentidos concomitantemente:

Entre os nomes 1 e 2 teríamos uma relação meramente tônica, do tipo pato/sapato:

Entre os sentidos 2 e 3 haveria uma relação semântica, do tipo sapato/chuteira:

A dupla relação entre os nomes 3 e 4 e os sentidos 3 e 4 seria tanto fônica quanto semântica, do tipo chuteira-chutar:

Na medida em que uma relação-base nome 4/sentido 4, por exemplo, venha a se alterar, também sofrem modificações as relações entre os elementos lexicais. Assim, se tomarmos chutar na acepção de "mentir", já não teremos a mesma relação entre os elementos lexicais chuteira e chutar (fônica e semântica), a relação passará a puramente fônica:

Nas transposições metafóricas (por semelhança de sentido), Marques (1976) evidencia que as transferências podem ocorrer por semelhança de aparência, por semelhança de função, transferências pejorativas e transferências melhorativas.

As transformações por semelhança de formas ou nomes podem ser exemplificadas com barriguilha, em que o vocábulo braguilha é modificado por influência de barriga; nave (aeronave) e nave (espaço na igreja); cozer (cozinhar) e coser (costurar).

As alterações por contigüidade de sentidos englobam: o autor pelo produto (ouvir Gilberto Gil, assistir ao Jô Soares); a qualidade pelo objeto (caridade por esmola); a marca pelo objeto (boeing por avião), cachaça por branquinha, por exemplo.

As alterações por contigüidade de nomes ocorrem em situações de uso freqüente, em que um elemento de uma locução ou uma parte de um vocábulo é suprimido, transferindo o sentido para o que restou, como em salário por salário mínimo, teipe por videoteipe, vídeo por videocassete. A criação de siglas está vinculada também às alterações por contigüidade de nomes: EAD (Educação à distância); NURC (Norma Urbana Culta); IRPF (Imposto de Renda de Pessoa Física).

Essas considerações nos levam a afirmar que o vocabulário constitui um todo organizado, ao contrário do que se poderia supor, por se tratar de um inventário aberto. Os vocábulos de nossa língua se distribuem por associações de sentido, como as relações de parentesco, as partes do corpo, os nomes das cores, e muitas outras e por conjuntos de vocábulos que têm em comum o seu radical ou base, como nos casos de composição e de derivação. Como observa Mattoso Camara (1970) “(...) têm sistemas em que as palavras se apresentam em correlação e oposição (...) são sistemas abertos com um número de elementos indefinido.”

Observação: Muitos exemplos aqui apresentados foram extraídos do III capítulo do livro Iniciação à Semântica (Marques, 1990), em que a autora faz uma excelente síntese dos aspectos semânticos estudados por Stephen Ullmann.

Conotação e Denotação

Esses dois conceitos são muito fáceis de entender se Você se lembrar que duas partes distintas, mas interdependentes, constituem o signo lingüístico: (i) o significante ou plano da expressão, uma parte perceptível, constituída de sons, e (ii) o significado ou plano do conteúdo, a parte inteligível, o conceito. Por isso, em uma palavra que ouvimos, percebemos um conjunto de sons (o significante), que nos faz lembrar de um conceito (o significado).

A denotação é justamente o resultado da união existente entre o significante e o significado ou entre o plano da expressão e o plano do conteúdo. A conotação resulta do acréscimo de outros significados paralelos ao significado de base da palavra, isto é, um outro plano de conteúdo pode ser combinado ao plano da expressão. Esse outro plano de conteúdo reveste-se de impressões, valores afetivos e sociais, negativos ou positivos, reações psíquicas que um signo evoca.

Portanto, o sentido conotativo difere de uma cultura para outra, de uma classe social para outra, de uma época a outra. Por exemplo, as palavras senhora, esposa, mulher denotam praticamente a mesma coisa, mas têm conteúdos conotativos diversos, principalmente se pensarmos no prestígio que cada uma delas evoca.

Dessa maneira, podemos dizer que os sentidos das palavras compreendem duas ordens: referencial ou denotativa e afetiva ou conotativa.

A palavra tem valor referencial ou denotativo quando é tomada no seu sentido usual ou literal, isto é, naquele que lhe atribuem os dicionários — o seu sentido é objetivo, explícito, constante. Ela designa ou denota determinado objeto, referindo-se à realidade palpável.

Denotação é a significação objetiva da palavra; é a palavra em estado de                   dicionário. Além do sentido referencial, literal, cada palavra remete a inúmeros outros sentidos, virtuais, conotativos, que são apenas sugeridos, evocando outras idéias associadas, de ordem abstrata, subjetiva.

Conotação é a significação subjetiva da palavra; ocorre quando a palavra evoca outras realidades pelas associações que ela provoca.

Síntese das diferenças fundamentais entre denotação e conotação

Denotação

Conotação

palavra com significação restrita

palavra com significação ampla

palavra com sentido comum do dicionário

palavra cujos sentidos extrapolam o sentido comum

palavra usada de modo automatizado

palavra usada de modo criativo

linguagem comum

linguagem rica e expressiva

1. Exemplos de conotação e denotação (textos 3 e 4)

Para exemplificar, de maneira simples e clara, esses dois conceitos, vamos tomar a palavra cão: terá um sentido denotativo quando designar o animal mamífero quadrúpede canino; terá um sentido conotativo quando expressar o desprezo que desperta em nós uma pessoa sem caráter ou extremamente servil. (Otto M.Garcia, 1973)

Nas receitas abaixo, as palavras têm, na primeira, um sentido objetivo, explícito, constante; foram usadas denotativamente. Na segunda, apresentam múltiplos sentidos, foram usadas conotativamente. Observa-se que os verbos que ocorrem tanto em uma quanto em outra - dissolver, cortar, juntar, servir, retirar, reservar - são aqueles que costumam ocorrer nas receitas; entretanto, o que faz a diferença são as palavras com as quais os verbos combinam, combinações esperadas no texto 3, combinações inusitadas no texto 4.

Texto 3

Cheese  Cake  (Torta de queijo)

(Vovó Anita)

Massa para forrar a forma de abrir e fechar: 1 pacote de biscoito Maizena ou Maria, batido no liquidificador bem seco até ficar uma farinha fininha, 100g de manteiga. Misturar tudo bem misturadinho. Forrar uma forma para tortas, de abrir e fechar, ou um pirex com a massa de biscoito.

Creme: bater na batedeira, até ficar um creme homogêneo: 3 tabletes de cream cheese, ½  xícara de açúcar, 1 colher de chá de essência de baunilha e 3 ovos.

Assar: Mais ou menos 30 minutos em forno baixo, ou até espetar um palito e ele sair seco,. Quando estiver assada, derramar 1 copo de iogurte de mel misturado com o suco de 1 limão. Espetar a torta com um garfo para que o iogurte penetre na massa e levar ao forno, novamente, até dourar.

Geladeira: geladeira por 3 (três) horas, ou freezer por uns 15 minutos.

Cobertura: geléia ácida (cerejas, damascos,  framboesas, jaboticaba, etc.).

Bom apetite!

Texto 4

Receita para bem-conviver

Ana Maria de Moraes Sarmento Vellasco

Ingredientes:

-   3 litros de ternura;

-   2 litros de óleo concentrado de paciência;

-   3 quilos de perdão em pó;

-  10 litros de essência de amizade;

-  10 litros de temperança;

-  50 litros de parcimônia;

-  40 litros de bom-humor;

-  30 quilos de extrato concentrado de solidariedade humana;

-  50 kg de esperança;

-  20 kg de tolerância;

- 100 pitadas de sorrisos espontâneos;

-  20 litros de essência de Amor universal;

- uma folha de papel de carinho, do seu tamanho.

Modo de Fazer:

Misture o amor, o perdão e os sorrisos espontâneos, no caldeirão que se encontra no fundinho do seu coração. Passe os outros ingredientes por uma peneira bem fininha e adicione-os aos do caldeirão. Leve o caldeirão ao fogo alto da sua bondade, mexendo sempre, até alcançar o ponto de pasta cremosa. Deixe a pasta esfriar, até ficar morninha. Abra a folha de papel de carinho. Besunte-se com a pasta, dos pés à cabeça. Deite-se sobre a folha de papel de carinho e enrole-se nela. Suspire bastante e profundamente. Relaxe. Pense em momentos alegres — naqueles que fizeram com que você risse sonoramente. Pense naqueles outros que fizeram com que você se derretesse de ternura. Sinta o gosto de mel de abelhas simpáticas. Sinta o perfume das flores que você acha bem bonitas. Sinta a temperatura de uma noite de verão estrelada. Ouça a musica alegre do trinado do rouxinol encantado. Mantenha o seu coração pleno de emoções boas. Aguarde mais ou menos meia-hora, até que a pasta cremosa e a folha de papel de carinho tenham sido completamente absorvidas.

Resultado:

Depois de mais ou menos meia hora você perceberá que todas aquelas manchinhas que o(a) aborreciam em relação ao bem-conviver no Planeta terão desaparecido. Caso uma ou outra persista, repita a receita e elas cederão, desaparecendo por completo.

2. Exemplo de texto denotativo

Os textos informativos (científicos e jornalísticos), por serem, em geral, objetivos, prendem-se ao sentido denotativo das palavras. Vejamos o texto abaixo, em que a linguagem está estruturada em expressões comuns, com um sentido único.

Texto 5 - texto técnico-científico

Canibalismo entre insetos

Seres que nascem na cabeça de outros e que consomem progressivamente o corpo destes até aniquilá-los, ao atingir o estágio adulto. ... Esse é um enredo que mais parece de ficção científica. No entanto, acontece desde a pré-história, tendo como protagonistas as vespas de certas espécies e as paquinhas, e é um exemplo da curiosa relação dos ‘inimigos naturais’, aproveitada pelo homem no controle biológico de pragas, para substituir com muitas vantagens os inseticidas químicos.

       (Revista Ciência Hoje, no 104, outubro de 1994, Rio, SBPC)

3. Exemplo de texto conotativo

Além dos poetas, os humoristas e os publicitários fazem um amplo uso das palavras no seu sentido conotativo, o que contribui para que os anúncios despertem a atenção dos prováveis consumidores e para que o dito humorístico atinja o seu objetivo de fazer rir, às vezes até com uma certa dose de ironia.

Por exemplo, na propaganda de um ‘shopping’, foi usada a seguinte frase:

Texto 6 - propaganda

O Rio Design Center acaba de ganhar um novo piso.

Marmoleum o piso natural.

                              (Revista Veja Rio, maio/junho, 96)

O anúncio tem aí um duplo sentido, pois transmite duas informações:

1) O Rio Design Center ganhou uma nova loja — PAVIMENTO SUPERIOR — onde estão à venda pisos especiais;

2) nesta loja, é possível encontrar o material para pisoque se chama Marmoleum e é importado da Holanda.

Na frase que fecha o anúncio, desfaz-se a ambigüidade: "Venha até a (ao invés de o) Pavimento Superior e confira esta e outras novidades de revestimentos para pisos". Mas a frase de abertura faz pensar em outros sentidos: o centro comercial ganhou um novo andar, um novo pavimento, ou ganhou um revestimento novo em todo o seu piso, em todo o seu chão.

4. Exemplo de conotação

Os provérbios ou ditos populares são também um outro exemplo de exploração da linguagem no seu uso conotativo. Assim, Quem está na chuva é para se molhar equivale a Quando alguém opta por uma determinada experiência, deve assumir todas as regras e conseqüências decorrentes dessa experiência. Do mesmo modo, Casa de ferreiro, espeto de pau significa O que a pessoa faz fora de casa, para os outros, não faz em casa, para si mesma.

A respeito de conotação, Othon M. Garcia (1973) observa:

Conotação implica, portanto, em relação à coisa designada, um estado de espírito, uma opinião, um juízo, um sentimento, que variam conforme a experiência, o temperamento, a sensibilidade, a cultura e os hábitos do falante ou ouvinte, do autor ou leitor. Conotação é, assim, uma espécie de emanação semântica, possível graças à faculdade que nos permite relacionar coisas análogas ou semelhadas. Esse é, em essência, o traço característico do processo metafórico, pois metaforização é conotação.

Metáfora e metonímia - base para a renovação semântica e lexical

Metáfora

A metáfora é uma figura de linguagem que consiste na alteração do sentido de uma palavra ou expressão, pelo acréscimo de um segundo significado, quando entre o sentido de base e o acrescentado há uma relação de semelhança, de intersecção, isto é, quando apresentam traços semânticos comuns.

Conceito tradicional e essencial para a compreensão do processo de significação da linguagem humana, a metáfora pode ser definida como uma transferência de significado que tem como base uma analogia: dois conceitos são relacionados por apresentarem, na concepção do falante, algum ponto em comum. A partir daí, amplia-se o campo de abrangência do vocábulo, instaurando-se a polissemia, essencial para que se realize qualquer processo de mudança, que exige variação e continuidade. Em termos cognitivos, os procedimentos analógicos apóiam-se em conceitos mais concretos e mais próximos à experiência do indivíduo. Dessa maneira, ele pode estender sua compreensão para níveis mais complexos e abstratos de apreensão e conhecimento da realidade.

Esse procedimento é altamente produtivo na ampliação e renovação do vocabulário de uma língua. Embora seja um processo tradicionalmente encarado como eminentemente semântico, na verdade ele opera com regras pragmáticas. Se entendida apenas no nível semântico, a analogia metafórica pode não ser plenamente decodificada pelo receptor. As inferências são significações pragmáticas não dedutíveis de regras lógicas, mas sim de regras conversacionais, do que é verdadeiro ou relevante a partir das relações contextuais.

(Giraud, 1986)

O caminho dessa transformação se dá sempre do mais concreto para o mais abstrato. No processo de compreensão da realidade, o homem precisa trabalhar com o concreto para poder elaborar raciocínios mais abstratos.

Como exemplo, apresenta-se a seguir um quadro dos verbos relacionados aos sentidos humanos (visão, tato, audição, gustação e olfato), que passaram a expressar atividades mentais (no Português, no Inglês e em outras línguas indo-européias).

Quadro 1 - Verbos relacionados aos sentidos humanos

Baseado em: SWEETSER, Ewe. From etymology to pragmatics. Cambridge, 1990.

Verbo

Sentido referencial (sociofísico)

Sentidos ampliados (conhecimento)

ver

ter habilidade física da visão

Compreender (conhecimento intelectual)

ouvir

ter habilidade física da audição

Entender, obedecer

cheirar

ter habilidade física do olfato

Detectar características

gostar

gosto = habilidade física da gustação

Desenvolver interesse mental e afetivo

saber

ter sabor

Conhecer

sentir

ter habilidade física do tato

Perceber (estado emocional)

Texto 7

A Rosa de Hiroshima

 Pensem nas crianças

Mudas telepáticas

Pensem nas meninas

Cegas inexatas

Pensem nas mulheres

Rotas alteradas

Pensem nas feridas

Como rosas cálidas

Mas oh não se esqueçam

Da rosa da rosa

Da rosa de Hiroshima

A rosa hereditária

A rosa radioativa

Estúpida e inválida

A rosa com cirrose

A anti-rosa atômica

Sem cor nem perfume

Sem rosa sem nada.

(Vinicius de Moraes, Antologia Poética.)

Comentário sobre o texto 7

Perceba que esse texto remete-nos a uma triste realidade: a bomba atômica, identificada pelo poeta como a rosa de Hiroshima. A descrição da rosa corresponde à transposição metafórica das características da bomba:

A rosa hereditária

A rosa radioativa

Estúpida e inválida

A rosa com cirrose

A anti-rosa atômica

Sem cor nem perfume

 

bomba

rosa

atômica

hereditária

radioativa

estúpida

sem cor

inválida

sem perfume

com cirrose

Essa transposição tem como base, como eixo identificador, a relação estabelecida pelo autor entre bomba atômica e rosa.

A semelhança da forma de uma rosa desabrochada e da imagem da explosão da bomba de Hiroshima conduz a uma das possibilidades de identificação: "A anti-rosa atômica".

Texto 8

Apesar de as pernas curtas, a mentira muito tem caminhado e ainda está longe de cansar. Apenas engordou, com o passar dos anos, e uma forte miopia obrigou-a ao uso de óculos de grau. Não pensem, porém, que é cega: é apenas vesga. Esconde a idade, como qualquer senhora…

Comentário sobre o texto 8

Nesse texto desenvolve-se a frase feita popular A mentira tem pernas curtas, atribuindo à mentira características humanas, relacionadas semanticamente. A metáfora é construída com base na analogia entre mentira e velha senhora.

A mentira, como qualquer senhora:

muito tem caminhado

está longe de cansar

engordou

uma forte miopia [surgiu]

não é cega, é apenas vesga

esconde a idade

Texto 9

Amor é fogo que arde sem se ver

é ferida que dói e não se sente,

é um contentamento descontente,

é dor que desatina sem doer.

é um não querer mais que bem querer

é solitário andar por entre a gente,

é nunca contentar-se de contente,

é cuidar que se ganha em se perder;

é querer estar preso por vontade,

é servir a quem vence o vencedor

é ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favor

nos corações humanos amizade,

se tão contrário a si é o mesmo amor.

(Luís de Camões, Sonetos)

Comentário sobre o texto 9

Nesse soneto, escrito no século XVI, Você pode perceber que a linguagem, na sua função estética, mostra-se altamente metafórica, criando novas relações entre as palavras. Camões define o amor como fogo-ferida-contentamento-dor, construindo metáforas e mais metáforas em torno do sentimento amoroso. Assim, podemos perceber a plurissignificação da linguagem literária — o texto literário é conotativo e sem intenção utilitária, em princípio. Dessa maneira, Luís de Camões  remete-nos a definições e reflexões a respeito do amor, transmitindo-nos o seu posicionamento através de imagens paradoxais, contraditórias, como se pode observar. Para ele, o amor é:

fogo que arde

sem se ver

ferida que dói

não se sente

um contentamento

descontente

dor que desatina

sem doer

um não querer

mais que bem querer

solitário andar

entre a gente

nunca contentar-se

de contente

cuidar que se ganha

em se perder

querer estar preso

por vontade

servir

a quem vence o vencedor

ter com quem nos mata

lealdade

Essa contradição é expressa lexicalmente, subentendendo o conector mas:

Fogo que arde mas não se vê

ferida que dói mas mas não se sente,

querer estar preso mas mas por vontade

O último verso do poema resume essa contradição: se tão contrário a si é o mesmo amor.

Texto 10

O Amor bate na aorta

Cantiga do amor sem eira

nem beira,

vira o mundo de cabeça

para baixo,

suspende a saia das mulheres,

tira os óculos dos homens,

o amor, seja como for,

é o amor.
Meu bem, não chores,

hoje tem filme de Carlitos!
O amor bate na porta

o amor bate na aorta,

fui abrir e me constipei.

Cardíaco e melancólico,

o amor ronca na horta

entre pés de laranjeira

entre uvas meio verdes

e desejos já maduros.
Entre uvas meio verdes,

meu amor, não te atormentes.

Certos ácidos adoçam

a boca murcha dos velhos

e quando os dentes não mordem

e quando os braços não prendem

o amor faz uma cócega

o amor desenha uma curva

propõe uma geometria.

Amor é bicho instruído.

Olha: o amor pulou o muro

o amor subiu na árvore

em tempo de se estrepar.

Pronto, o amor se estrepou.

Daqui estou vendo sangue

que escorre do corpo andrógino.

Essa ferida, meu bem,

às vezes não sara nunca

às vezes sara amanhã.

Daqui estou vendo o amor

irritado, desapontado,

mas também vejo outras coisas:

vejo corpos, vejo almas

vejo beijos que se beijam

ouço mãos que se conversam

e que viajam sem mapa.

Vejo muitas outras coisas

que não ouso compreender...

(Carlos Drummond de Andrade)

Comentário do texto 10

Perceba que o texto se estrutura na base da dicotomia: corpo x alma / concreto x abstrato, partindo de associações sonoras e de sentido:

 

associação sonora

porta/aorta/horta

associação de sentido

aorta/constipei/cardíaco

 

boca murcha/velho

 

corpos/almas/beijos/mãos

As associações de sentido criam imagens contraditórias:

 

uvas verdes

desejos maduros

ácidos

Adoçam

dentes

não mordem

braços

não prendem

O poema vai sendo construído do plano denotativo para o conotativo e o amor personificado vai ganhando novas dimensões, com base em um processo polissêmico:

o amor bate na porta

o amor bate na aorta

o amor ronca na horta

o amor faz uma cócega

o amor desenha uma curva

o amor propõe uma geometria

e finalmente aparece o amor irritado, desapontado.

Como Você já estudou, a metáfora pode ser definida como uma transferência de significado que tem como base uma analogia. Em Amor é bicho instruído, o campo de abrangência do vocábulo amor é ampliado e toda a seqüência vai mostrar essa característica: amor = bicho instruído pulou o muro/subiu na árvore/se estrepou.

Na última estrofe do poema, os versos seguem esse processo de ampliação, através da repetição do verbo vejo, da presença de nome e verbo com o mesmo radical — beijos que se beijam — e de uma certa quebra ou desvio semântico — ouço mãos que se conversam / e que viajam sem mapa em que as imagens sinestésicas mostram bem a abrangência a que já nos referimos: ouço/mãos/conversam/viajam.

vejo corpos, vejo almas

vejo beijos que se beijam

ouço mãos que se conversam

e que viajam sem mapa.

Outro ponto que Você pode perceber que nos chama a atenção no texto é o emprego dos tempos verbais. O modo é o indicativo, o modo da realidade. Um rápido levantamento nos mostra o predomínio de verbos no presente, empregado no sentido atemporal, como forma de generalização. As poucas ocorrências de verbos no passado, no pretérito perfeito, portanto no aspecto concluso, apontam para as ações que se desenvolvem no texto: pulou-subiu-estrepou. Assim, podemos perceber no poema um lado descritivo, plástico, de quadro à nossa frente, e um outro lado, o narrativo, na penúltima estrofe.

Texto 11

O mundo do menino impossível

(Jorge de Lima)

Fim da tarde, boquinha da noite

com as primeiras estrelas

e os derradeiros sinos.

Entre as estrelas e lá detrás da

igreja,

surge a lua cheia

para chorar com os poetas.

Texto 12

Inutilidades

(José Paulo Paes)

Ninguém coça as costas da

cadeira.

Ninguém chupa a manga da

camisa.

O piano jamais abana a cauda.

Tem asa, porém não voa, a xícara.

De que serve o pé da mesa não

anda?

E a boca da calça se não fala

nunca?

Nem sempre o botão está em sua

casa.

O dente de alho não morde coisa

alguma.

Ah! se trotassem os cavalos do

motor ...

Ah! se fosse de circo o macaco do

carro ...

Então a menina dos olhos comeria

Até bolo esportivo e bala de

revólver.

Metonímia

A metonímia, outro recurso retórico, é a alteração de sentido de uma palavra ou expressão pelo acréscimo de um outro significado ao já existente quando entre eles existe uma relação de contigüidade, de inclusão, de implicação, de interdependência, de coexistência. Por exemplo, quando dizemos "As cãs inspiram respeito", estamos empregando cãs por velhice, porque as pessoas idosas possuem, em geral, cabelos brancos.

Outros exemplos de metonímia

fazer mil sugestões = fazer muitas sugestões

foi movimentada a redonda no gramado = foi movimentada a bola

no Oriente Médio, não descansam as armas = ... não descansam os guerreiros

ser o bode expiatório = ser sempre culpado por tudo o que acontece de ruim

ser o Cristo da turma = sofrer enxovalhado pelos colegas

ser uma pena brilhante = ser um grande escritor

ter cinco bocas para alimentar = ter cinco pessoas para alimentar

ter ótima cabeça = ser inteligente e perspicaz

 Platão e Fiorin (1995) detalham os processos de alteração de sentido, a metáfora e metonímia, tendo em vista o ensino da língua a partir da análise de textos.

Enquanto a metáfora baseia-se em uma relação de similaridade de sentidos, a metonímia baseia-se em uma relação de contigüidade de sentidos.

Esses processos de mudança de sentido são, também, muito produtivos na linguagem coloquial, cotidiana. Plantas, animais, elementos da natureza, partes do corpo humano são fontes de muitas metáforas cognitivas: o mar está cheio de cavalos, estrelas, leões (cavalo-marinho, estrela-do-mar, leão-marinho, peixe-boi); o jardim está cheio de bocas-de-leão, línguas-de-sogra, bolas-de-neve; na natureza falamos da cabeça de uma ponte, do pé de uma montanha, da boca de um rio, da raiz da serra.

A valorização positiva ou negativa é outra fonte de inúmeras metáforas: meu gato, minha flor, um burro, uma besta-quadrada.

A polissemia e os diferentes tipos de textos

Relacionando o texto literário ao texto uadradacometáfora baseia-se npress trnão-literário, devemos considerar que o texto literário tem uma dimensão estética, plurissignificativa e de intenso dinamismo, que possibilita a criação de novas relações de sentido, com predomínio da função poética da linguagem. É, portanto, um espaço relevante de reflexão sobre a realidade, envolvendo um processo de recriação lúdica dessa realidade. No texto não-literário, as relações são mais restritas, tendo em vista a necessidade de uma informação mais objetiva e direta no processo de documentação da realidade, com predomínio da função referencial da linguagem, e na interação entre os indivíduos, com predomínio de outras funções.

O texto literário

A expressão literária, como expressão artística, tem como fundamento a exploração da palavra — desconstrói hábitos de linguagem, baseando sua recriação da realidade no aproveitamento de novas formas de dizer. Como o texto literário é plurissignificativo e provoca um prazer estético, esse trabalho de recriação é uma espécie de jogo com a linguagem, em que a ambigüidade desempenha um papel essencial.

Texto 13

Em um belo dia a deusa dos ventos beija o pé do homem, o maltratado, desprezado pé, e desse beijo nasce o ídolo do futebol. Nasce em berço de palha e barraco de lata e vem ao mundo abraçado a uma bola.

Desde que aprende a andar, sabe jogar. Quando criança alegra os descampados e os baldios, joga e joga e joga nos ermos dos subúrbios até que a noite cai e ninguém mais consegue ver a bola, e quando jovem voa e faz voar nos estádios. Suas artes de malabarista convocam multidões, domingo após domingo, de vitória em vitória, de ovação em ovação.

A bola o procura, o reconhece, precisa dele. No peito de seu pé, ela descansa e se embala. Ele lhe dá brilho e a faz falar, e neste diálogo entre os dois, milhões de mudos conversam. Os Zé Ninguém, os condenados a serem para sempre ninguém, podem sentir-se alguém por um momento, por obra e graça desses passes devolvidos num toque, essas fintas que desenham os zês na grama, esses golaços de calcanhar ou de bicicleta: quando ele joga o time tem doze jogadores.

— Doze? Tem quinze! Vinte!

A bola ri,radiante, no ar. Ele a amortece, a adormece, diz galanteios, dança com ela, e vendo essas coisas nunca vistas, seus adoradores sentem piedade por seus netos ainda não nascidos, que não estão vendo o que acontece.

Mas o ídolo é ídolo apenas por um momento, humana eternidade, coisa de nada; e quando chega a hora do azar para o pé de ouro, a estrela conclui sua viagem do resplendor à escuridão. Esse corpo está com mais remendos que roupa de palhaço, o acrobata virou paralítico, o artista é uma besta:

— Com a ferradura, não!

A fonte da felicidade pública se transforma no pára-raios do rancor público:

— Múmia!

Às vezes, o ídolo não cai inteiro. E às vezes, quando se quebra, a multidão o devora aos pedaços.

(Eduardo Galeano, "Futebol, ao sol e à sombra")

 

Comentário sobre o texto 13

Repare que o texto O ídolo apresenta intenso uso de linguagem metafórica, levando o leitor a refletir sobre a mitificação dos ídolos de futebol. Isso o caracteriza como um texto literário. Diferentemente de um texto jornalístico, informativo, ele não se prende a um fato real, ocorrido e reconhecido pelo leitor, relacionado à trajetória do ídolo, do nascimento à queda.

O raciocínio desenvolvido no texto pode ser segmentado em duas etapas:

Na primeira etapa (parágrafos 1 a 5), fala-se do nascimento do ídolo e de sua atuação glorificada pelos admiradores. Já na segunda etapa (parágrafo 6 em diante), descreve-se a decadência e a derrocada do ídolo. Temos aí, portanto, uma mudança de perspectiva, que inverte o sentido da leitura que se fazia do personagem.

primeira etapa

segunda etapa

perfeito

imperfeito

ideal

não mais ideal

ídolo

não mais ídolo

próximo dos deuses

humano

A passagem de uma etapa a outra é indicada por um sinal: a conjunção mas, adversativa. Essa conjunção introduz a idéia de oposição, contraposição, inversão, marcando, assim, a reversão do ponto de vista do texto e contribuindo para a construção da abordagem crítica do tema dessa crônica.

Para evidenciar a mudança de ponto de vista, as frases que se seguem à conjunção utilizam:

palavras e expressões com sentido de esvaziamento, anulação: “Mas o ídolo é ídolo apenas por um momento, humana eternidade, coisa de nada.”.

imagens que quase desumanizam o jogador, primeiro reduzindo-o a um “corpo” (matéria apenas), depois aproximando-o de um objeto” “Esse corpo está com mais remendos que roupa de palhaço.”.

Assim, temos a seguinte gradação:

 

ídolo

homem

corpo - objeto

próximo aos deuses

 

 

perfeito

falível

apenas matéria

eterno

finito

degradada

O texto mostra a projeção que o admirador faz de si próprio no seu ídolo. O ídolo funciona, na lógica do texto, como uma representação metonímica da multidão que o idolatra, uma vez que, através do ídolo, o admirador também se realiza.

"neste diálogo entre os dois (o ídolo e a bola), milhões de mudos conversam". (parágrafo 3, primeira etapa do texto);

"a fonte da felicidade pública se transforma no pára-raios do rancor público" (parágrafo 8, segunda etapa do texto).

Os trechos acima evidenciam que, criticamente, a crônica denuncia como o imaginário popular lida com o ídolo: tanto como mediador da vitória de quem o adora ("milhões de mudos conversam"), como catalizador de todas as insatisfações de quem o defende ("pára-raios do rancor público"), o ídolo é apenas um corpo vazio a ser preenchido com os desejos e as frustrações daqueles que o tomam como referência.

Dessa maneira, a crônica apresenta a sua visão crítica em relação à mitificação dos que perdem a sua individualidade para se transformarem na projeção do desejo do outro.

Diferentemente de um texto jornalístico, que pode tentar induzir a opinião do leitor, ora glorificando, ora desmoralizando um ídolo no tempo real, o texto literário, com seu teor lírico, emociona e leva a uma reflexão.

O vocabulário do texto apresenta expressões que indicam a classe social do ídolo: berço de palha, barraco de lata, ermos do subúrbio. Anuncia-se o endeusamento do futuro ídolo: o "recém-nascido", o ser único, especial (palha/Jesus, deusa dos ventos).

Na expressão peito do pé (seguida de descansa, embala), evidencia-se o cruzamento entre os significados conotativos e denotativos da palavra peito. Como peito do pé é uma expressão cristalizada, já perdeu o significado conotativo. O confronto que a frase promove faz com que se recupere a referência ao significado primeiro da palavra, já esquecida no uso coloquial. Assim se dá a revitalização do uso dessa forma cristalizada.

Os elementos gramaticais do texto também contribuem para a sua expressividade:

a conjunção mas, adversativa, expressa a passagem de uma etapa a outra do texto. Essa conjunção introduz a idéia de oposição, contribuindo para a construção da abordagem crítica do tema dessa crônica;

a idéia de continuidade, de acumulação é acentuada através do uso da repetição do verbo e da conjunção (joga e joga e joga, que é diferente de joga muito ou joga sempre). A idéia de freqüência, de repetição é reproduzida na forma escolhida. Conteúdo e forma são construídos com base no mesmo princípio.

"domingo após domingo"- idéia de sucessividade

"de vitória em vitória", "de ovação em ovação"- idéia de acumulação e de sucessividade (de...em)

Texto 14

O grande clandestino

Eu me distraio muito com a passagem do tempo.Chego às vezes a dormir. Durmo meses e anos. O tempo então aproveita e passa escondido. Mas que velocidade!

Basta ver o estado das coisas depois que desperto: quase todas fora do lugar, ou desaparecidas, outras, com uma prole imensa; outras ainda alteradas e irreconhecíveis.

Se durmo de novo, e acordo, repete-se o fenômeno.

Sempre pensei que o tempo fizesse tudo às claras. Oh, não!

Eu queria convidá-los a assistir ao que ele tem feito comigo. Mas é espetáculo todo íntimo e não disponho de tribunas.

Além do mais, o tempo em pessoa é praticamente invisível, como a ventania. Só se pode apreciar o resultado de seu trabalho, nunca a sua maneira de trabalhar.

O que é preciso é nunca dormir e ficar vigilante para obrigá-lo ao menos a disfarçar a evidência de suas metamorfoses.

É de fato penoso deixar de ver as coisas tais como as vimos a primeira vez. O tempo tudo transforma e arrasa, sem nos dar aviso.

Ora. Isso entristece. Isso nos deixa intranqüilos. A não ser que nos misturemos com ele, façamos dele um aliado.

Aí, sim, destruição e reconstrução se confundem. Sacos e sacos se enchendo e esvaziando toda a vida. Perde-se até a idéia da morte. Então a gente aproveita para erigir sistemas, tomar iniciativas, amar, lutar e tempo fica assim tão escondido dentro de nós, que se tem a impressão que fugiu para sempre e se esqueceu.

Em verdade, ele não repousa nunca. Nem mesmo nas pirâmides. Nem nos horizontes onde parece pernoitar.

Rói as pedras como o vento, rói os ossos como um cão. O que mais admira é a extrema delicadeza com que pratica essas violências.

Todos falam de sua impassibilidade. Não é bem isso. Tanto assim que aumenta de velocidade à medida que nos distanciamos de nossas origens. E quase pára quando o esperamos na solidão.

Meu mal é sentir-Ihe a passagem como a de um animal na noite chego quase a tocar nele. Fico horas à janela vendo-o passar. É um vício.

Oh, como se diverte! Para ele, destruir uma árvore, um rosto, uma instituição, uma catedral — tanto faz.

O desagradável é quando de repente se retira dalgum objeto ou de alguém. É claro que prossegue depois, mas deixa sempre uma coisa morta. Franqueza, nessa hora dá um aperto no coração, uma nostalgia!...

Contudo não se deve ligar demasiada importância ao tempo. Ele corre de qualquer maneira.

E é até possível que não exista.

Seu propósito evidente é envelhecer o mundo.

Mas a resposta ao mundo é renascer sempre para o tempo.

(Aníbal Machado)

O que a produção de um texto literário implica

1.       a valorização da forma

2.       a reflexão sobre o real

3.       a reconstrução da linguagem

4.       a plurissignificação

5.      a intangibilidade da organização lingüística

1. Valorização da forma

O uso literário da língua caracteriza-se por um cuidado especial com a forma, visando à exploração de recursos que o sistema lingüístico oferece nos planos fônico, prosódico, lexical, morfossintático e semântico.

Não é o tema mas sim a maneira como ele é explorado formalmente que vai caracterizar um texto como literário. Assim, não há temas específicos de textos literários, nem temas inadequados a esse tipo de texto.

Os dois textos que seguem têm o mesmo tema — o açúcar: no primeiro, a função poética é predominante. É uma das razões para ser considerado um texto literário. Já no segundo, puramente informativo, há o predomínio da função referencial.

Texto 15

O açúcar

(Ferreira Gullar. Toda poesia. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1980, pp.227-228)

O açúcar

O branco açúcar que adoçará meu café

nesta manhã de Ipanema

não foi produzido por mim

nem surgiu dentro do açucareiro por

milagre.

Vejo-o puro

e afável ao paladar

como beijo de moça, água

na pele, flor

que se dissolve na boca. Mas este

açúcar

não foi feito por mim.

Este açúcar veio

da mercearia da esquina e tampouco o

fez o Oliveira, dono da mercearia.

Este açúcar veio

de uma usina de açúcar em

Pernambuco

ou no Estado do Rio

e tampouco o fez o dono da usina.

Este açúcar era cana

e veio dos canaviais extensos

que não nascem por acaso

no regaço do vale.

Em lugares distantes, onde não há

hospital

nem escola,

homens que não sabem ler e morrem de

fome

aos 27 anos

plantaram e colheram a cana

que viraria açúcar.

Em usinas escuras,

homens de vida amarga

e dura

produziram este açúcar

branco e puro

com que adoço meu café esta manhã

em Ipanema.

Texto 16

A cana-de-açúcar

(Vesentini, J.W. Brasil, sociedade e espaço. São Paulo, Ática, 1992, p.106)

Originária da Ásia, a cana-de-açúcar foi introduzida no Brasil pelos colonizadores portugueses no século XVI. A região que durante séculos foi a grande produtora de cana-de-açúcar no Brasil é a Zona da Mata nordestina, onde os férteis solos de massapé, lém da menor distância em relação ao mercado europeu, propiciaram condições favoráveis a esse cultivo. Atualmente, o maior produtor nacional de cana-de-açúcar é São Paulo, seguido de Pernambuco, Alagoas, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Além de produzir o açúcar, que em parte é exportado e em parte abastece o mercado interno, a cana serve também para a produção de álcool, importante nos dias atuais como fonte de energia e de bebidas. A imensa expansão dos canaviais no Brasil, especialmente em São Paulo, está ligada ao uso do álcool como combustível.

Comentários sobre os textos 15 e 16: "O açúcar" e "A cana-de-açúcar"

O texto "O açúcar" parte de uma palavra do domínio comum — açúcar — e vai ampliando seu potencial significativo, explorando recursos formais para estabelecer um paralelo entre o açúcar — branco, doce, puro — e a vida do trabalhador que o produz — dura, amarga, triste.

a) associações lexicais entre vocábulos do mesmo campo semântico:

       açúcar

              açucareiro

                          adoçar

                                 dissolver

                                    usina

                                      cana

                                    canavial

                                  plantar

                                    colher

                                         mercearia

                                             comprar

                                          vender

b) relações antitéticas: vida amarga e dura x açúcar branco e puro;

c) comparações: a comparação é o confronto de idéias por meio de conectivos, de palavras que explicitam o que está sendo comparado. Na comparação, um termo se define em função do que sabemos de outro:

Vejo-o [o açúcar]  puro e afável como beijo de moça

                                                          (como) água na pele

                                 (como) flor que se dissolve na boca

No texto "A cana-de-açúcar", de expressão não-literária, o autor informa o leitor sobre a origem da cana-de-açúcar, os lugares onde é produzida, como teve início seu cultivo no Brasil, etc.

Para caracterizar ou explicitar a diferença entre função informativa e função artístico-literária da linguagem, através do confronto entre um determinado dado da realidade e o mesmo dado, reaproveitado em uma obra artística, podem ser comparadas as seguintes situações:

o barulho de buzinas na rua e uma música que use esse mesmo som;

o som de vozes de crianças brincando e a música Domingo no Parque (Gilberto Gil);

o som de uma cavalgada e a música Disparada (Geraldo Vandré);

uma foto de jornal — uma foto dos sem-terra e um quadro — Os retirantes, de Portinari — com o mesmo tema da foto;

várias cenas do cotidiano e uma colagem de Glauco Rodrigues;

imagens de pessoas se movimentando e uma escultura representando pessoas;

uma pequena crítica sobre a passagem de uma escola de samba e a música Foi um rio que passou em minha vida (Paulinho da Viola).

2. Reflexão sobre o real

Em lugar de apenas informar sobre o real, ou de produzi-lo, a expressão literária é utilizada principalmente como um meio de refletir e recriar a realidade, reordenando-a. Isso dá ao texto literário um caráter ficcional, ou seja, o texto literário interpreta aspectos da realidade efetiva, de maneira indireta, recriando o real num plano imaginário.

Refletindo a experiência cultural de um povo, o texto literário contribui para a definição e para o fortalecimento da identidade nacional. Por isso, num país como o Brasil, onde as características culturais precisam ainda ser revitalizadas e valorizadas, as artes desempenham um papel muito importante.

A título de exemplo, citamos Platão e Fiorin (1991), que dizem: "Graciliano Ramos, em VIDAS SECAS, inventou um certo Fabiano e uma certa Sinhá Vitória para revelar uma verdade sobre tantos fabianos e sinhás vitórias, despossuídos de quase todos os bens materiais e culturais, e por isso degradados ao nível da animalidade.".

3. Recriação da linguagem (desautomatização)

No texto literário, relacionada ao processo de recriação do real, ocorre a desautomatização da linguagem. Assim, pela reinvenção dos procedimentos lingüísticos normalmente utilizados no cotidiano, a expressão literária desconstrói hábitos de linguagem, baseando sua recriação no aproveitamento de novas formas de dizer. O uso estético da linguagem pressupõe criar novas relações entre as palavras, combinando-as de maneira inusitada, singular, revelando assim novas formas de ver o mundo.

Apresentam-se, a seguir, três textos que exemplificam esse processo: os dois primeiros, que tratam do mesmo tema, são comparados em relação aos recursos lingüísticos utilizados, o que os caracteriza como literário e não-literário, respectivamente. 

Texto 17

A queimada

Num alvoroço de alegria, os homens viam amarelecer a folhagem que era a carne e fender-se os troncos firmes, eretos, que eram a ossatura do monstro. Mas o fogo avançava sobre eles, interrompendo-lhes o prazer. Surpresos, atônitos, repararam que a devastação tétrica lhes ameaçava a vida e era invencível pelo mato adentro, quase pelas terras alheias. (...) O aceiro foi sendo aberto até que o fogo se aproximou; a coluna, como um ser animado, avançava solene, sôfrega por saciar o apetite. Sobre a terra queimada na superfície, aquecida até o seio, continuava a queda dos galhos. O fogo não tardou a penetrar num pequeno taquaral. Ouviam-se sucessivas e medonhas descargas de um tiroteio, quando a taboca estalava nas chamas. O fumo crescia e subia no ar rubro, incendiado, os estampidos redobravam, as labaredas esguichavam, enquanto a fogueira circundava num abraço a moita de bambus.

     (Fragmento. Graça Aranha. Canaã, Rio de Janeiro,F.Briguiet, pp.111-113)

 

Texto 18

Incêndio destrói prédio da 4 andares no Centro

Um incêndio, possivelmente provocado por um curto-circuito, destruiu no início da madrugada de ontem um prédio de quatro andares na Rua Teófilo Otoni, 38, no Centro. O fogo começou no primeiro andar, onde funcionava uma empresa especializada na venda e fabricação de componentes eletrônicos, a Mec Central. O prédio era de construção antiga e estava em obras; como havia grande quantidade de madeira estocada, a propagação do fogo foi rápida. A ação dos bombeiros evitou que prédios vizinhos fossem atingidos pelas chamas. Não houve feridos.

"Incêndio destrói prédio de 4 andares no Centro" (Jornal do Brasil, 19/02/97)

Comentários sobre os textos 17 e 18 : "A Queimada" e "Incêndio destrói prédio de 4 andares no Centro"

Você reconhece o texto 17, "A Queimada", como um texto literário, por apresentar inúmeros recursos expressivos: metáforas (folhagem/carne; troncos/ossos; o ar rubro) e comparações (a coluna, como um ser animado, avançava solene). O autor fala da queimada como se ela fosse um ser vivo, atribuindo-se-lhe características próprias de seres animados, como solene, sôfrega, cheia de apetite. Nesse texto, o plano do conteúdo, a descrição de uma queimada, é recriado no plano da expressão.

No texto 8, "Incêndio destrói prédio de 4 andares no Centro", o leitor passa pelo plano da expressão e vai direto ao conteúdo para entender, informar-se. Trata-se, por isto, de um texto não-literário, cuja finalidade é documentar, transmitir notícias. A linguagem deste texto é denotativa, não apresenta nenhuma combinação nova ou inusitada de palavras; seu conteúdo pode ser resumido sem prejuízo da informação que ele contém.

Texto 17

Texto 18

"a coluna avançava solene e sôfrega"

"o incêndio começou no

primeiro andar"

"a propagação foi rápida"

       adjetivação metafórica:

       troncos firmes e eretos

       descargas medonhas

       ar rubro

ausência de adjetivação: o

incêndio,

o fogo,

o prédio,

propagação do fogo,

a ação dos bombeiros.

Texto 19

Carnaval

Maravilha do ruído, encantamento do barulho. Zé Pereira, bumba, bumba. Falsetes azucrinam, zombeteiam. Viola chora e espinoteia.

Melopéia negra, melosa, feiticeira, candomblé. Tudo é instrumento, flautas, violões, reco-recos, saxofones, pandeiros, liras, gaitas e trombetas. Instrumentos sem nome inventados subitamente no delírio da improvisação, do ímpeto musical. Tudo é encanto. Os sons se sacodem, berram, lutam, arrebentam no ar sonoro dos ventos, vaias, klaxons, aços estrepitosos. Dentro dos sons movem-se cores, vivas , ardentes, pulando, dançando, desfilando sob o verde das árvores, em face do azul da baía no mundo dourado. Dentro dos sons e das cores, movem-se os cheiros, cheiro de negro, cheiro mulato, cheiro branco, cheiro de todos os matizes, de todas as excitações e de todas as náuseas. Dentro dos cheiros, o movimento dos tatos violentos, brutais, suaves, lúbricos, meigos, alucinantes. Tatos, sons, cores, cheiros se fundem em gostos de gengibre, de mendubim, de castanhas, de bananas, de laranja, de bocas e de mucosa. Libertação dos sentidos envolventes das massas frenéticas, que maxixam, gritam, tresandam, deslumbram, saboreiam, de Madureira à Gávea, na unidade do prazer desencadeado.

(Graça Aranha, A viagem maravilhosa, citado em William Cereja e Thereza Magalhães. Português: linguagens. São Paulo, Atual, p.178)

Comentários sobre o texto 19 — "Carnaval"

Você pode perceber que nesse texto os cinco sentidos são explorados de maneira simbólica e inusitada: sons, cores, cheiros, tatos e gostos vão se sucedendo para descrever o carnaval, seu ambiente, a mistura de raças, o contato físico entre as pessoas, a euforia da festa.

Em primeiro lugar, ruídos e sons de diversos instrumentos enchem o ar. Acompanhando esses sons, as cores da natureza e das fantasias se movem, desfilam. Ao ritmo dos sons e cores, movem-se as pessoas das diversas raças, misturando seus cheiros, variados e inebriantes, tocando-se das mais diversas formas: pela luta, pelo carinho, pela sexualidade. Esse contato íntimo conduz a uma fusão de bocas e gostos.

Tudo isto é o carnaval — "libertação dos sentidos", proporcionando um "prazer desencadeado". O autor, observador atento de uma cena, expressa seu modo de ver o mundo, suas preferências, seu estado emocional. Ele não descreve o que vê, mas o que pensa ver, o que sente, combinando as palavras de forma inesperada, revelando novas imagens decorrentes dessas combinações.

Sons:

     viola chora e espinoteia

     os sons se sacodem, berram, lutam, arrebentam no ar sonoro ...

Cores:

     movem-se cores, vivas, ardentes, pulando, dançando, desfilando ...

Cheiros:

     movem-se os cheiros, cheiro de negro, cheiro mulato, cheiro branco,

     cheiro de todos os matizes, de todas as excitações e de todas as

     náuseas.

Tato:

     o movimento dos tatos violentos, brutais, suaves, lúbricos, meigos,

     alucinantes.

Gosto:

     gostos de gengibre, de mendubim, de castanhas, de bananas, de laranja,

     de bocas e de mucosa.

4. Plurissignificação

O trabalho de recriação que se efetiva na construção do texto literário é uma atividade lúdica, uma brincadeira com a linguagem. Por isso, o texto literário provoca um prazer estético no seu fruidor, como acontece nas outras manifestações artísticas. Enquanto atividade de recriação, a expressão literária caracteriza-se pela conotação, criando novos significados, ao passo que a expressão não-literária se reconhece pelo seu caráter denotativo. No texto literário, faz-se igualmente um amplo uso de metáforas e metonímias, com o objetivo de despertar no leitor o prazer estético. Isso é o que define o seu caráter plurissignificativo.

Texto 20

Acrobatismo

(Cassiano Ricardo)

Parou o vento. Todas as árvores

quiseram ver o salto original.

Então

quedaram-se todas

com os seus anéis azuis de orvalho

e os seus colares de ouro teatral,

prestando muita atenção.

Foi como se um silêncio fofo de veludo

Começasse a passear seus pés de lã por tudo.

Nisto uma folha sai, muito viva, de uma rama,

e vai cair sem o menor rumor

sobre o tapete da grama.

É um louva-a-deus lépido e longo

que se jogou de um trapézio

como um pequeno palhaço verde

e lá se foi a rodopiar

às cambalhotas

no ar.

Comentários sobre o texto 20 — "Acrobatismo"

Veja que nesse poema, há um amplo uso de metáforas, isto é, uso de palavras fora do seu sentido normal. Segundo Mattoso Camara Jr. (1978), a metáfora "consiste na transferência de um termo para um âmbito de significação que não é o seu". Fundamenta-se "numa relação toda subjetiva, criada no trabalho mental de apreensão."

Assim, por exemplo, entre a folha e o louva-a-deus traços comuns como a leveza de movimento, a cor, permitem que se estabeleça entre eles uma relação, a partir da qual se cria uma metáfora. O mesmo acontece entre o trapézio e o galho de onde o inseto se jogou no ar (um traço comum entre eles é, por exemplo, a forma); entre o palhaço verde e o louva-a-deus (traços comuns: a cor, a acrobacia de um e outro); entre o tapete de grama e o chão recoberto de vegetação (têm em comum a cor, a maciez).

5. Intangibilidade da organização lingüística

Uma das características do texto literário é a sua intangibilidade, sua intocabilidade. As palavras que foram utilizadas e a maneira escolhida pelo autor para combiná-las são próprias de cada autor e de texto, e não devemos alterá-las sob o risco de mutilar ou comprometer a intenção do autor. Não podemos, portanto, em um texto literário, mudar a posição em que as palavras foram colocadas, suprimir ou acrescentar vocábulos, substituir vocábulos por sinônimos, resumir as idéias. A esse respeito, o poeta francês Paul Valéry diz que, quando se resume um texto não-literário, apreende-se o essencial; quando se resume um texto literário, perde-se o essencial.

Podemos, por exemplo, perguntar a diversas pessoas o que pensam sobre o tema da separação amorosa. Poderão surgir, a partir de suas respostas, textos líricos, poéticos e textos não-literários. No Soneto da Separação, Vinícius de Moraes revela a sua maneira peculiar de tratar esse tema. Pelo trabalho com a linguagem, pelo uso de recursos poéticos, seu soneto é um texto literário.

Texto 21

Soneto da Separação

Vinicius de Moraes

De repente do riso fez-se o pranto

Silencioso e branco como a bruma

E das bocas unidas fez-se a espuma

E das mão espalmadas fez-se o espanto.

 

De repente da calma fez-se o vento

Que dos olhos desfez a última chama

E da paixão fez-se o pressentimento

E do momento imóvel fez-se o drama.

 

De repente, não mais que de repente

Fez-se de triste o que se fez amante

E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante

Fez-se da vida uma aventura errante

De repente, não mais que de repente.

A seguir, um poema de Ferreira Gullar, a partir do qual são feitos comentários que evidenciam algumas características da expressão literária apontadas no embasamento teórico.

Texto 22

Meu povo, meu poema

Ferreira Gullar

Meu povo e meu poema crescem juntos

como cresce no fruto

a ávore nova

No povo meu poema vai nascendo

como no canavial

nasce verde o açúcar

No povo meu poema está maduro

como o sol

na garganta do futuro

Meu povo em meu poema

se reflete

como a espiga se funde em terra fértil

Ao povo seu poema aqui devolvo

menos como quem canta

do que planta.

Comentários sobre o texto 22

Quanto à relevância do plano da expressão—desautomatização da linguagem, Você pode observar que:

a escolha de palavras que compõem as comparações do poema: o poema nasce como o açúcar, o povo e o poema crescem como a árvore nova. Estas comparações levam às metáforas: povo/terra onde brota poema—árvore;

o jogo entre as repetições de estruturas e a quebra dessas repetições:

"Meu povo e meu poema" , "no povo meu poema", "Ao povo seu poema";

a rima na última estrofe: canta/planta reforça as metáforas básicas do poema: povo—terra, poema—árvore;

a personificação : "Como o sol na garganta do futuro". Dois planos foram explorados -- o do real e o da recriação da realidade:

Real à o campo da agricultura: plantar, crescer, terra fértil.

Recriação à o poeta associa a germinação e a fertilidade à palavra poética; o poeta é comparado a um plantador; o poema é o fruto que ele produz (metáfora).

Um outro exemplo interessante para mostrar a desautomatização da linguagem encontramos no poema Som, de Carlos Drummond de Andrade (texto 15), em que o autor, ao invés de usar a expressão hoje em dia, já cristalizada na língua, cria a expressão hoje-em-noite.

Recursos fônicos característicos da literariedade

O escritor de um texto literário, ao explorar conteúdos, procura recriar a linguagem, e, para essa recriação, utiliza recursos variados. São alguns deles:

a.       ritmo

b.      sonoridade

c.       rimas e aliterações

a) Ritmo: evidencia-se pela alternância de sílabas que apresentam maior ou menor intensidade em sua enunciação.

Texto 23

Quem dera

Que sintas

As dores

De amores

Que louco

Senti!

(Casimiro de Abreu)

Textos literários em prosa também podem apresentar efeitos sonoros e rítmicos. Como exemplo, transcrevemos um trecho do romance "Gabriela, cravo e canela", de Jorge Amado (texto 22)

Texto 24

"Gabriela ia andando, aquela canção ela cantara em menina. Parou a escutar, a ver a roda rodar. Antes da morte do pai e da mãe, antes de ir para a casa dos tios. Que beleza os pés pequeninos no chão a dançar! Seus pés reclamavam, queriam dançar. Resistir não podia, brinquedo de roda adorava brincar. Arrancou os sapatos, largou na calçada, correu pros meninos. De um lado Tuísca, de outro lado Rosinha. Rodando na praça, a cantar e a dançar."

 (Gabriela, cravo e canela, de Jorge Amado)

Repare que esse texto, em forma de prosa, apresenta um ritmo e uma sonoridade que nos fazem lembrar os textos em verso. Existem nele:

rimas (escutar, rodar, dançar, brincar);

inversões que contribuem para o ritmo e a rima (os pés pequeninos no chão a dançar, brinquedo de roda adorava brincar);

frases curtas com um número aproximado de sílabas:

seus pés reclamavam

queriam dançar

resistir não podia

brinquedo de roda

adorava brincar

de um lado Tuísca

de outro lado Rosinha

rodando na praça

a cantar e a dançar

Seja em prosa, seja em verso, o texto poético contribui para o enriquecimento da linguagem, explorando a sonoridade e o ritmo das palavras e atribuindo-lhes novos sentidos, mesmo quando essas palavras são as do dia-a-dia.

b) Sonoridade - por meio da sonoridade de um texto, é possível prolongar, evidenciar ou transformar o sentido que o léxico e a sintaxe dão às palavras e às frases.

Texto 25

Som

Nem soneto nem sonata

vou curtir um som

dissonante dos sonidos

som

ressonante de sibildos

som

sonotinto de sonalhas

nem sonoro nem sonouro

vou curtir um som

mui sonso, mui insolúvel

som não sonoterápico

bem insondável, som

de raspante derrapante

rouco reco ronco rato

som superenrolado

com se sona hoje-em-noite

vou curtir, vou curtir um som

ausente de qualquer música

e rico de curtição

(Carlos Drummond de Andrade. Poesia e prosa. Rio de Janeiro, Aguillar, 1979, p.784)

Reflita no sentido de que nesse poema, aproveitando as associações de significantes, o poeta faz a palavra som ecoar o tempo todo, sob a forma de palavras derivadas de som, ou de vocábulos que apresentam a seqüência fônica s o n, sem relação semântica com a palavra som. Observe:

                    soneto

                               sonouro

                    sonata

                               sonoro

                    dissonante

                               sonso

                    sonidos

                               insolúvel

                    ressonante

                               sonoterápico

                    sontinto

                               insondável

                    sonalhas

                               sona

Há também uma seqüência onomatopaica, reproduzindo o ruído estridente da música moderna:

                   ressonante

                               reco

                   derrapante

                               ronco

                   raspante

                               rato

                   rouco

                               superenrolado

c) Rimas e aliterações: fonemas que se repetem com uma freqüência maior que a esperada podem contribuir para a harmonia do poema; muitas vezes essa repetição serve para reproduzir o ruído daquilo de que fala o poema, como nestes versos de Murilo Araújo, em que a insistência do [i] sugere o barulho provocado pelos grilos.

Texto 26

O trilo dos grilos, tímido,

de aço fino,

esgrime, com o raiozinho dos astros, límpido,

argentino.

(Murilo Araújo)

No poema de Cruz e Souza, a repetição do fonema /v / contribui para o efeito sonoro dos versos e evidencia, mais uma vez, o uso poético da linguagem.

Texto 27

Vozes veladas, veludosas vozes,

Volúpias dos violões, vozes veladas,

Vagam nos velhos vórtices velozes

Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas.

(Cruz e Souza)

Nessa estrofe do soneto de Alphonsus de Guimaraens, Hão de chorar por ela os cinamomos, a repetição de vogais nasais e fechadas contribui para reforçar o conteúdo triste e sombrio.

Texto 28

Hão de chorar por ela os cinamomos,

Murchando as flores ao tombar do dia.

Dos laranjais hão de cair os pomos,

Lembrando-se daquela que os colhia.

(Alphonsus de Guimaraens)

Rima é a conformidade ou identidade de fonemas, que ocorre geralmente no final de dois versos diferentes, podendo aparecer também entre vocábulos no interior dos versos. Existem muitas possibilidades de disposição das rimas nas estrofes do poema. As mais freqüentes são as emparelhadas, as alternadas, as opostas, as encadeadas, as misturadas.

Além disso, as rimas podem ser classificadas em função da sua riqueza, que é definida pelo maior ou menor número de fonemas associados, pelas classes das palavras que rimam pela raridade das terminações. Neste sentido, as rimas podem ser perfeitas, imperfeitas, pobres, ricas, preciosas.

O texto abaixo exemplifica rimas emparelhadas, porque se sucedem duas a duas, e ricas, pois as palavras que rimam pertencem a diferentes classes gramaticais (retalha/toalha: verbo e substantivo; multicores/amores: adjetivo e substantivo; secreta/poeta: adjetivo e substantivo)

Texto 29

Queixas do poeta

No rio caudaloso que a solidão retalha,

na funda correnteza na límpida toalha,

deslizam mansamente as garças alvejantes;

nos trêmulos cipós de orvalho gotejantes

embalam-se avezinhas de penas multicores

pejando a mata virgem de cânticos de amores;

mais presa de uma dor tantálica e secreta

de dia em dia murcha o louro do poeta! ...

(Fagundes Varela)

A literatura é o veículo, por excelência, da linguagem na sua função poética, mas não é o único; podemos perceber a presença da linguagem poética também na publicidade, nas brincadeiras infantis, nos jogos de palavras, nos trocadilhos, etc.

O literário escrito e o literário oral

Além de explorar as características do texto literário, é necessário destacar os seguintes pontos:

1.       o valor estético da manifestação literária independe da forma pela qual ela é transmitida;

2.       a expressão literária pode se dar de uma forma escrita ou de uma forma oral;

3.       as características que individualizam a expressão literária escrita aplicam-se também à literatura oral.

Habitualmente, associa-se a expressão literária à sua forma escrita. Cria-se, então, uma distorção que entende como literárias apenas as manifestações escritas. Entretanto, podemos fruir igualmente um poema, a letra de uma música popular ou o desafio de repentistas, porque todas são manifestações artísticas que têm a linguagem como veículo.

O fundamento da literatura é o trabalho com a palavra, não importando se utilizada na forma escrita ou na forma oral.

O trabalho literário com a palavra apresenta as seguintes características:

1.       a relevância do plano da expressão: não é pelo tema que se define o literário, mas pela forma como se constrói a sua expressão;

2.       a recriação do real: embora o universo literário tenha como um de seus referentes a realidade, ele não a reproduz. Vale-se dela para reordenar os elementos que a constituem, criando, portanto, uma outra realidade;

3.       a desautomatização da percepção: por meio da reordenação dos     elementos da realidade conhecida, a expressão literária proporciona uma     compreensão diferente e revitalizada do mundo e da linguagem que o expressa;

4.       o ludismo e o prazer estético: esse trabalho de recomposição do     mundo e da linguagem propicia a fruição estética, advinda do aspecto lúdico da atividade literária;

5.       a expressão cultural: como atividade com a linguagem, a literatura é      um meio de manifestação cultural das características de um povo. Dessa forma, a literatura contribui para definir mais nitidamente a identidade desse povo.

Distinções entre o literário escrito e o literário oral

Há algumas diferenças que devem ser levadas em conta na diferenciação da forma escrita e da forma oral da expressão literária:

Forma escrita

Forma oral

         público específico, alfabetizado, isto é, iniciado na palavra escrita;

         tendência a usar linguagem formal;

         contato indireto com o(s) receptor(es);.

         mais recente;

         forma de socialização e de transmissão de conhecimento nas sociedades letradas.

         em princípio, público inespecífico;

         tendência à linguagem mais informal;

         possibilidade de contato direto entre os interagentes:  emissor e receptor;

         mais antiga;

         forma de socialização e de transmissão de conhecimento nas populações ágrafas,  primitivas.

Vamos nos deter um pouco na literatura de cordel, produção particularmente ligada à cultura brasileira, que apresenta características da literatura popular oral (na tradição dos cantadores e trovadores), e vem impressa sob a forma de folhetos.

Literatura de cordel

A palavra cordel tem origem na palavra corda, devido ao meio encontrado por seus autores para divulgá-la — no Nordeste, é comum encontrar esses folhetos expostos nos mercados, nas feiras, pendurados em cordinhas estiradas. Os criadores de cordel são artistas populares muito especiais — eles contam histórias sobre nosso povo de um jeito simples, crítico e, ao mesmo tempo, poético. Embora sejam publicados em forma de livretos, os textos de cordel são uma forma popular da arte literária, geralmente cantada e fortemente rimada e ritmada.

Tendo raízes ibéricas, o cordel, que passa a ser impresso nos finais do século XIX, surge como um meio de comunicação muito significativo, em especial no nordeste brasileiro, num contexto em que os demais meios eram inexistentes ou muito precários. Lidos em feiras, fazendas, praças e mercados, traziam registros de fatos e fenômenos remarcáveis, comentários e sátiras sociais e políticas, informações sobre a vida rural e urbana, relatos de atos heróicos, lições moralistas e religiosas.

(...) Passando do tema do herói individual ( Lampião, Padre Cícero, Getúlio Vargas) à crítica social, do registro de episódios raros à descrição de fatos históricos, desempenharam também papel significativo na expressão e formação do imaginário social.

(....) O cordelista Manoel Santa Maria redigiu o folheto "Césio 137 e a salada de lixo à brasileira" pouco tempo depois do acidente de Goiânia, onde a liberação de Césio deixou vítimas, inclusive fatais. Tendo como mote esse acontecimento, exibe sua verve irônica e critica violentamente a exploração do fato, para ele exagerada, face a outras mazelas da vidanacional." (Moreira, I. "O cordel e a divulgação científica.

(Revista Ciência Hoje, outubro de 2000. Rio, SBPC )

Texto 30

O césio 137 e a salada de lixo à brasileira

Manoel Santa Maria

Essa história do tal

césio cento e trinta e sete

de uma hora para outra

ter se tornado vedete

da sujeira nacional

não convence e cheira mal,

mas dá Ibope e manchete.

Já escutei muito alarde

muita cascata e buxixo,

fofoca e badalação

com esse lixo tão mixo

atômico em Goiânia-Bil

parece que o Brasil

não é chegado a um lixo.

Tem sujeira na política

no futebol tem sujeira,

sujeira até na polícia,

esconder lixo é besteira,

de fato a sujeira é tanta

que, enfim, nem adianta

cobrir o sol com peneira.

Cavalcante Proença caracteriza o cordel como um tipo de literatura oral em verso, diferente da literatura folclórica:

1.       literatura oral folclórica, que se transmite oralmente, que não está sujeita à moda, que já se tornou anônima pelo esquecimento dos autores, passada a patrimônio coletivo;

2.       literatura oral popular, que se transmite pelo uso de meios técnicos (no caso a impressão), que está sujeita à moda, que não é anônima, mas possui intrinsecamente as características da poesia folclórica.

É na categoria literatura oral popular que se inclui a literatura de cordel. Tipicamente um poema narrativo épico, o texto de cordel possui rima e metrificação bem marcados. Veja algumas estrofes de um famoso cordel — "Martírios de Genoveva" —, composto por 1386 versos, publicado em Recife a 9 de novembro de 1943. A sua autoria é atribuída a Leandro Gomes de Barros.

Texto 31

À nobre publicidade

levo respeitosamente

um caso que sucedeu

na Europa antigamente

o qual não foi esperado,

fez comover muita gente.

Nesta história se ver

a virtude progredir

a verdade triunfar

o mau se submergir

a honra salientar-se

a falsidade cair.

...................................

Genoveva era dotada

de inteligência e engenho,

nas feições dela se via

o mais perfeito desenho,

a natureza em orná-la,

se esmerou e fez empenho.

........................................

O duque seu pai que era

um cavalheiro esforçado

entrou em uma batalha

para qual foi convidado

em benefício da pátria

naquele tempo passado.

Enfrentou um cavalheiro

entraram em uma contenda

já ia o duque morrendo

que a luta tornou-se horrenda

neste interim ouviu dizer

--- permita que o defenda.

Era o conde Sigifroi

cavalheiro rijo e forte

vendo que o duque morria

se condoeu de tal sorte

que venceu o inimigo

e salvou o duque da morte.

O duque vendo esta ação

deu-lhe o agradecimento

dizendo: devo-lhe a vida

e para mais merecimento

convidou-o a sua casa

e deu-lhe a filha em casamento.

Como formas que muitas vezes convivem em um mesmo espaço ou época, a literatura oral e a literatura escrita podem também intercambiar recursos entre si. Dessa maneira, elementos de oralidade aparecerão na forma literária escrita e vice-versa.

O texto 30 ("Bom conselho", de Chico Buarque) e o texto 31 (extraído de "Grande Sertão: Veredas", de Guimarães Rosa) são exemplos dessa simbiose.

Texto 32

Bom Conselho

Chico Buarque

"Ouça um bom conselho

Que lhe dou de graça

Inútil dormir

Que a dor não passa

Espere sentado

Ou você se cansa

Está provado

Quem espera nunca alcança"

Partindo de provérbios largamente conhecidos de todos, nesse poema Chico Buarque subverte os seus significados por meio de um jogo paródico de construção de formas a partir da desconstrução de outras.

Texto 33

Agora observe o trecho que se segue, transcrito do início de Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, em que o autor usa um narrador que fala sua história ao invés de escrevê-la.

"— Nonada. Tiros que o senhor ouviu foram de briga de homem não, Deus esteja. Alvejei mira em árvore, no quintal, no baixo do córrego. Por meu acerto. Todo dia isso faço, gosto desde mal em minha mocidade."

Perceba que os dois textos que serão apresentados a seguir — sobre o tema passarada — exemplificam a literatura de cordel e a música popular brasileira.

Texto 34 - Cordel

A passarada do sertão

(Severino Cândido Carolino - "Peito de Aço")

Canta o pombo rouxinol

beija-flor o concri

pica-pau o bem-tem-vi

seriema o curiã

pintassilva o socã

periquito rola chanchão

sabiá e o cancão

no romper da madrugada

canta alegre a passarada

quando chove no sertão

O papagaio também fala

dentro do oco do pau

paturi o bacurau

maracanã se regala

urubu não tem escala

zabalã galo pavão

pia o pinto gavião

no romper da madrugada

canta alegre a passarada

quando chove no sertão

Texto 35 - Letra de música

Passaredo

(Chico Buarque e Francis Hyme)

Ei, quero-quero

Oi, tico-tico

Anum, pardal, chapim

Xô, cotovia

Xô, ave-maria

Xô, pescador-martim

Some, rolinha

Anda, andorinha

Te esconde, bem-te-vi

Voa, bicudo

Voa, sanhaço

Vai, juriti

Bico calado, muito cuidado

Que o homem vem aí

Prosa e Verso

Quando a língua ultrapassa a sua função essencialmente comunicativa e se torna, ela própria, a matéria prima para uma obra de arte, tem se como resultado o texto literário.

"Essa aplicação artística da língua é espontânea e se encontra em todas as sociedades, mesmo as mais rudimentares."

(Mattoso Camara Jr., 1996)

Para caracterizar a atividade literária como essencialmente poética, Mattoso Camara Jr. afirma: "A poética é a atividade lingüística que tem um objetivo de arte e procura criar com a linguagem um estado psíquico de emoção estética por meio da aplicação sistemática de processos de estilística.

(...) A expressão lingüística tende a organizar-se em frases ritmadas, na base da entonação, do número de sílabas, da distribuição mais ou menos regular das sílabas acentuadas, constituindo-se séries de versos; mas a POESIA, ou atividade poética em sentido lato, se faz também em PROSA, isto é, sem essa organização rítmica das frases.

Várias são as possibilidades de exploração da linguagem com esta função poética: no material sonoro, nas palavras, na associação de idéias, nas construções frasais. Para isto utilizam-se o ritmo, a harmonia imitativa, a rima, a aliteração, as figuras de palavras, as figuras de pensamento, as figuras de sintaxe.

A poesia pode se manifestar tanto em forma de prosa quanto em forma de verso. A poesia é a qualidade particular de tudo o que toca o espírito, provocando emoção e prazer estético. Embora no uso comum a palavra poesia seja utilizada para nomear o texto literário em forma de verso, a poesia não se confunde com poema, que "é a fixação material da poesia, é a decantação formal do estado lírico. São as palavras, os versos e as estrofes que se dizem e que se escrevem, e assim fixam e transmitem o estado lírico do poeta."

(Antonio Soares Amora, em Língua, literatura e redação, de J. D. Maia)

A poesia pode ainda ser encontrada em outras manifestações artísticas, como a pintura, a música, a dança, etc. O prazer estético é o que sentimos ao ler um texto poético, ao observar um quadro, ao ouvir uma música, quando nos sensibilizamos e experimentamos um estado emotivo ou lírico.

Um texto literário pode ser produzido em prosa ou verso: prosa é um discurso contínuo, não fragmentado, organizado em períodos e parágrafos; verso é uma sucessão de sílabas ou fonemas formando uma unidade rítmica e melódica que corresponde, normalmente, a uma linha do poema. Algumas diferenças entre prosa e verso poderiam ser assim resumidas: na prosa há uma tendência à ordem direta na estruturação dos termos do período; no verso há uma tendência à ordem indireta; na prosa a rima é pouco freqüente, enquanto no verso ela é muito utilizada, apesar de não ser obrigatória; na prosa o ritmo acompanha a naturalidade da fala, enquanto no verso o ritmo é marcante e existe preocupação com a métrica; no verso é maior a preocupação com a realização de seqüências melódicas do que na prosa.

Nos dois textos abaixo, um em prosa, outro em verso, o tema é a televisão. Entretanto, cada um tem suas características próprias, como apontaremos mais adiante.

Texto 36

"Mas muito lhe será perdoado [à TV] pela sua ajuda aos doentes, aos velhos, aos solitários. Na grande cidade — num apartamento de quarto e sala, num casebre de subúrbio, numa orgulhosa mansão, a criatura solitária tem nela a grande distração, o grande consolo, a grande companhia. Ela instala dentro de sua toca humilde o tumulto e o frêmito de mil vidas, a emoção, o suspense, a fascinação dos dramas do mundo."

(Rubem Braga, Ela tem alma de pomba)

Comentários sobre o texto 36

Você já deve ter percebido, que, nesse texto, o referente, a televisão, é designado como um meio de ajuda, de companhia a muitas pessoas. O parágrafo é extraído de um contexto maior, que pode ajudar a entender o sentido mais amplo das idéias colocadas.

As orações são coordenadas, mas a ordem não é necessariamente a ordem direta. Os termos também são coordenados entre si, encadeando-se de forma objetiva. Os vocábulos são utilizados no seu sentido referencial.

Do ponto de vista da construção, o texto não contém elementos inesperados que exijam do leitor uma reflexão profunda. A linguagem é referencial e serve como suporte de uma argumentação.

Texto 37

 A televisão

(Chico Buarque de Holanda)

 

O homem da rua

Fica só por teimosia

Não encontra companhia

Mas pra casa não vai não

Em casa a roda

Já mudou, qua a roda

muda

A roda é triste a roda é

muda

Em volta lá da televisão

No céu a lua

Surge grande e muito

prosa

Dá uma volta graciosa

Pra chamar as atenções

O homem da rua

Que da lua está distante

Por ser nego bem falante

Fala só com seus botões

O homem da rua

Com seu tamborim calado

Já pode esperar sentado

Sua escola não vem não

A sua gente

Está aprendendo

humildemente

Um batuque diferente

Que vem lá da televisão

No céu a lua

Que não estava no

programa

Cheia e nua, chega e

chama

Pra mostrar evoluções

O homem da rua

Não percebe o seu

chamego

E por falta doutro nego

Samba só com seus botões

 

Os namorados

Já dispensam o seu namoro

Quem quer riso, quem quer choro

Não faz mais esforço não

E a própria vida

Ainda vai sentar sentida

Vendo a vida mais vivida

Que vem lá da televisão

O homem da rua

Por ser nego conformado

Deixa a lua ali de lado

E vai ligar os seus botões

No céu a lua

Encabulada e já minguando

Numa nuvem se ocultando

Vai de volta pros sertões.

Comentários sobre o texto 37

Preste atenção no sentido de que esse texto apresenta-se como um todo autônomo, independente de um contexto mais amplo para ter significação. Embora a disposição das linhas seja em versos, não existe uma metrificação regular. Algumas repetições de palavras contribuem para o ritmo e para as significações de desânimo, impotência diante do poder da televisão.

A palavra botões, combinada primeiro com o verbo falar (Fala só com seus botões e Samba só com seus botões), mostra a solidão do homem. Mais adiante, combinada com o verbo ligar (E vai ligar os seus botões), mostra a rendição do homem ante o fascínio da televisão. As conversas, o namoro, a dança, atividades que pressupõem mais de uma pessoa, são substituídas pela tela da televisão, numa atividade isolada e solitária.

Mostram-se aqui algumas diferenças entre o texto em prosa e o texto em verso. Mas é bom ressaltar que um texto em prosa pode ser também um texto poético, desde que nele o autor utilize alguns recursos da linguagem. A prosa se caracteriza sobretudo pela predominância da função referencial da linguagem. Não é suficiente contrapor verso e prosa com a finalidade de diferenciar poesia de poema.

O exame cuidadoso de um texto em prosa (não-literário) vai-nos mostrar que o ritmo acompanha a naturalidade da fala, que ele é contínuo, é passível de ser resumido, visa a uma recepção mais ampla, tentando falar a todos, convencer, informar e mesmo servir de lazer. Já um texto poético, em prosa ou em verso, vai apontar um ritmo trabalhado, marcado pelas sonoridades; trata-se de um texto não-resumível, mais irracional, que apela para os sentimentos e que visa a encontrar no leitor um cúmplice que estabeleça com o texto uma identidade de sentimentos.

O texto persuasivo

1. O texto jornalístico

Na tentativa de influenciar o leitor a compartilhar determinadas opiniões, o discurso jornalístico pode ter na polissemia um eficiente aliado. São inúmeros os exemplos de metáforas e metonímias incorporadas na linguagem jornalística, funcionando como recursos expressivos, quer depreciativos quer laudatórios. O interessante é que a maior parte dessas metáforas é recorrente, relacionando, por analogia, distintos campos semânticos que se incorporam ao nosso dia-a-dia lingüístico e cultural.

Kneipp apresenta-nos, no seu artigo “Era uma vez um cruzado”, uma análise de alguns desses recursos. Um exemplo de sua é a analogia entre o campo semântico de “discussão de idéias” e o campo semântico de “guerra”:

Ele defendeu ardorosamente seu ponto de vista.

Destruí sua argumentação.

Ele foi batido em toda a linha.

Ele foi inteiramente derrotado.

Nunca consigo ganhar dele uma discussão.

Sua argumentação é inatacável.

Não é possível sustentar essa posição.

Ele foi muito atacado.

A posição que ele defende é muito vulnerável.

 

Também o campo semântico de inflação é comparado, constantemente, em nossos meios de comunicação, a um monstro a ser combatido:

É necessário domar a inflação.

No rastro da inflação.

O grande monstro da inflação.

O dragão da inflação.

Uma inflação galopante

A inflação ruge solta.

A inflação é um monstro híbrido promíscuo.

A inflação é também comparada a uma doença:

A inflação é uma doença.

Os sintomas da inflação.

Dar à inflação um tratamento de choque.

A imunidade da inflação a tratamentos tradicionais.

O surto inflacionário.

A cura da inflação.

A doença crônica da inflação.

Diagnóstico quanto às causas do agravamento da inflação.

Não existem remédios anti-inflacionários que possam ser receitados com segurança e sem contra-indicações no caso brasileiro.

2. O texto publicitário

O barato do estilo

Novas pontas de estoque unem charme e bom preço

Pontas de estoque abarrotadas de peças com pequenos defeitos e botões pendurados são coisa do passado. Nas novas lojas do gênero, charme e sofisticação são tão importantes quanto etiquetas remarcadas. Nas pontas de estoque as novidades pintam toda semana. "O grande barato desse comércio é a pescaria".

Perceba que o texto publicitário utiliza, intensamente, recursos lingüísticos e visuais para obter a ambigüidade, e, em conseqüência, atingir o seu objetivo persuasivo. Na propaganda acima, por exemplo, o vocábulo barato remete a dois sentidos distintos: bom preço e boa qualidade.

A polissemia na linguagem cotidiana

A linguagem dos jovens

Os jovens costumam transformar vocábulos já existentes na língua, que passam a ser usados em um sentido especial, diferente daquele que tinham antes. A linguagem dos jovens  é resultado de mudanças de sentido que os vocábulos vão sofrendo, conforme vão sendo usados. É o que acontece, por exemplo, com a expressão "sangue bom", que no sentido próprio expressa o estado do sangue de uma pessoa: sem doença, sem contaminação; já na gíria, no sentido figurado, "sangue bom" é um tipo de pessoa, de boa índole, pessoa legal.

As escolhas lexicais dos jovens estão direcionadas, por um lado, à criação e à inovação e, por outro, à tradição, ao uso de expressões cristalizadas na língua — usos lingüísticos determinados pelos fatores constitutivos de situações comunicativas da cultura juvenil.

No Distrito Federal, nasce a fala de um Brasil novo. No âmbito fonológico, o resultado da fusão das falas brasileiras criou uma pronúncia nova, que mistura elementos diferentes, mas elimina os traços mais singulares de cada sotaque, como o chiado dos cariocas e dos nordestinos, e o ritmo do catarinense e do gaúcho. A contribuição de Corrêa (1998) revelou que, se, por um lado, podemos afirmar que é claro o processo de focalização dialetal no DF, e que apresenta nuances sociais, por outro lado, não podemos dizer que este processo se dá da mesma maneira em Brasília e nas outras cidades que compõem o Distrito Federal.

Um novo falar multiplica-se no DF, onde ruas são chamadas de conjuntos e entrequadras, avenidas são vias ou eixos, rodovias são denominadas estradas-parque. No âmbito lexical, como em outras regiões e países, os inovadores da linguagem não são acadêmicos: são jovens de diferentes classes sociais, que criam expressões em seus círculos de amizade. Palavras nascem como senhas e podem ser efêmeras ou ganhar popularidade até serem ouvidas em quase todos os endereços.

O léxico de uma língua tem o importante papel de revelar o perfil de um povo. Por isso, os vocábulos não são estáticos no seu emprego: transformam-se quanto à significação e ou quanto à  sua freqüência de uso, quer no decorrer do tempo, quer no lugar onde são usados, quer nas diferentes situações sociais.

Os processos de renovação e ampliação do léxico constituem um instrumento de transformação da visão de mundo e apresentam-se como um recurso de economia da expressão, para criar novos vocábulos e novas significações.

O conjunto de vocábulos de uma língua, considerado como um inventário aberto, apresenta um número infinito de unidades. Como parte de uma língua viva, que se transforma constantemente no uso que os seus falantes fazem dela, são inúmeras as mudanças de sentido, as perdas e acréscimos de vocábulos. Funciona como um espelho da cultura da língua, tendo, portanto, o papel de revelar os interesses, as crenças, a cultura de uma comunidade. Portadores desta função — de espelhar, de revelar o perfil do povo que as emprega —, os vocábulos não poderiam ser estáticos no seu emprego. Assim, quer no tempo, quer no espaço (país, estado, cidade, bairro, rua, superquadra, bloco, casa...), tanto nas camadas sociais como na situação social em que são usados, os vocábulos transformam-se quanto à sua significação, à sua forma, à sua freqüência de emprego. Cada língua possui a sua individualidade, o seu comportamento, a sua lógica.

A transformação do léxico — renovação e ampliação — assume características bem particulares, ligadas à feição da língua em questão. Os neologismos dos jovens vão e vêm; nascem, vivem, desaparecem e ressurgem, e incorporam-se ao léxico da língua. Apesar de o seu uso ser recomendado ao estilo ou registro informal da linguagem, no Brasil, há algumas décadas, ouvem-se neologismos populares nos estilos mais formais. A sociedade brasileira é voltada para a juventude e as pessoas mais velhas da sociedade brasileira têm aderido aos neologismos, divulgados pela mídia, especialmente a televisiva. A linguagem dos jovens acaba por fornecer à língua forte contingente de vocábulos novos, na sua maioria altamente expressivos.

Entende-se por neologia o processo pelo qual se elabora a criação de um neologismo e que constitui um aspecto particular do ato de nomear. Adota-se a classificação de Boulanger (1975: 65-106), em que se distinguem: (i) a neologia de forma (termos criados por afixação, por composição, por siglas, por abreviação, por nomes próprios); (ii) a neologia de sentido (as diversas formas de abstrações relacionadas aos mecanismos da metáfora e da metonímia), e (iii) a neologia por empréstimo (empréstimos internos, externos e pseudo-empréstimos).

Os neologismos dos jovens são marcas do falar do Distrito Federal. As expressões nascem de dentro da galera (rapaziada ou rapeize) e o seu linguajar é um código novo e quase cifrado, a exemplo de:

«O panela pensou que, com o papo de aranha dele, dava pra dar uma de rebolador no filé, ia agradar à galera feminina. Mas, terminou queimando o filme dele. É ser muito bolsinha, né?.»

Essa foi a observação de uma moça de vinte anos, nascida em um hospital de Taguatinga e criada em Ceilândia, a uma moça de vinte e dois anos, nascida e criada em Brasília, em conversa informal, cuja tradução, dada a Vellasco pelas duas moças em questão, é:

«O tolo pensou que, pelo seu modo de falar, como pretenso intelectual, iria agradar às moças e tiraria proveito da situação, que lhe seria favorável. Mas, ao contrário, caiu em descrédito. É ser muito pretensioso, não é?».

O contínuo processo de transformação da língua ocorre devido a mudanças lingüísticas, como a criação lexical por meio de neologismos e ou por meio da perda ou do ganho de novos conteúdos semânticos nas palavras. As mudanças no léxico de uma língua abarcam mecanismos lingüísticos complexos como a gramaticalização a polissemia, entre outros fenômenos sintático-semânticos.

No nosso dia-a-dia, nas diversas situações de uso da linguagem, empregamos vocábulos com sentidos diferentes do seu sentido de base. Essa diferenciação é fruto de um processo lento e constante de mudança de sentido dos vocábulos que são efetivamente usados pelos falantes. Quando um novo sentido é assimilado pela coletividade e generaliza-se, o vocábulo amplia o seu campo de significação. Esse processo é essencial para que se mantenha a vitalidade do idioma. A polissemia é, pois, um processo de renovação da língua.

Segundo Corbeil (citado em Boulanger 1979: 30), «a neologia de forma cria um novo significante para descrever um significado novo, uma realidade nova no mundo biopsicossocial». Assim sendo, para alguns brasilienses, o Centro Comercial Gilberto Salomão, que fica situado ao Lago Sul, em Brasília, pode ser descrito como bobódromo, lugar freqüentado pelos bobos, devido à freqüência assídua de patricinhas e mauricinhos (moças e rapazes de classe média alta, com a cabeça oca). Bobódromo é formado por bobo + dromo = lugar onde, formação neológica análoga à carioca sambódromo, já dicionarizada, bastante difundida e usada pelos brasileiros, que originou fumódromo. Inovações lingüísticas, como essas, resultam de associações de idéias como bebemorar, de beber + comemorar.

O nosso léxico apresenta um valor referencial, um valor contextual e um valor pragmático. Assim, a significação de um vocábulo é importante para a compreensão de qualquer mensagem. A esse primeiro nível de entendimento soma-se o valor contextual do vocábulo, isto é, o vocábulo vai ter um sentido dentro do seu contexto de enunciação: é na pragmática que os vocábulos vão poder atuar, possibilitando aos usuários a interação.

As mudanças de sentido advêm, na maioria das vezes, da influência de fatos socioculturais sobre a linguagem, expressões por meio de vocábulos carregados de sentidos ideológicos. Obedecem a padrões culturais, não sendo, portanto, gratuitas nem arbitrárias. Observamos tais mudanças como sendo o resultado do uso da linguagem como instrumento para a leitura do mundo, para a expressão do indivíduo e para a sua identificação como membro de um determinado grupo social.

Causas histórico-sociais são responsáveis pela maior parte das mudanças de sentido das palavras. Um exemplo dessa mudança é o vocábulo dândi, do inglês, substantivo masculino que significa, segundo o dicionário Aurélio, (i) homem que se veste com extremo apuro, e (ii) depreciativo: janota, almofadinha. Todavia, na linguagem dos jovens ceilandenses (nascidos e criados na cidade de Ceilândia, no Distrito Federal), significa calmo, tranqüilo. É na linguagem dos jovens, em geral, que os vocábulos vão sofrendo mudanças de sentido, conforme o seu uso.

Em Brasília, as neologias de sentido multiplicam-se como os modismos e as bandas de rock. Rapaz bem-vestido e de boa renda é bodinho. Um grupo de jovens brasilienses, que reside no Lago Sul, denominou a roupa feminina, fácil de ser retirada, vestidinho fast-food. Moça feia recebe desses rapazes o nome de dragão e o que lhe dá uns amassos tem sido chamado de Power Ranger — herói japonês de desenhos animados que enfrenta répteis gigantescos na tevê — ou de São Jorge, representado em luta de lança com um dos monstros do imaginário medieval.

O interessante, nesses usos, é a criação de redes de sentido, associadas a um campo conceitual, como o da feiúra feminina, por exemplo. Desse modo, São Jorge e power ranger passam a significar o rapaz que agarra dragão. Há evidente relação metonímica, por um lado, entre o dragão subjugado por São Jorge e a vitória sobre os dragões no programa televisivo e, por outro lado, a concepção masculina sobre o papel social da mulher brasileira em geral: a moça feia não escolhe, é escolhida.

Um outro mecanismo de mudança lexical é o da redução. No falar do jovens candangos, ouve-se cerva para cerveja; refri para refrigerante; gueto para gatorage; ganha (de meganha) para soldado de polícia; dana (de danada) para moça namoradeira; mala (de mala-sem-alça; diz-se de quem é desagradável), e fut para futebol.

Há ainda outros mecanismos produtivos no falar dos jovens candangos. Um é o neologismo por empréstimo, em que são utilizadas expressões de outras línguas. Esse tipo de formação neológica ocorre, no DF, com formações sintagmáticas maiores, expressões idiomáticas, como dar um jump (dar um mergulho na piscina), dar um eject (dar o fora ou dispensar uma garota que se está namorando), sair pra night (noite), dar um time (tempo); acid (difícil) prova; black trunk (gente boa, gente fina); bone less (relevar; deixar pra lá); hang up (cair, levar um tombo), e vou dropar (vou entrar nessa ou vou enfrentar essa situação).

Acerca dos empréstimos, Mattoso Camara afirma que:

Os empréstimos abundantes e francos são os de vocábulos ou «lexicais», em que um radical estrangeiro se adapta à fonologia e à estruturação morfológica da língua importadora. (...) O empréstimo cria um tipo de mudança lingüística inteiramente diverso do que resulta da evolução.

(Mattoso Camara 1991: 104)

O português brasileiro tem recebido vocábulos de outras línguas, como resultado das relações políticas, culturais e comerciais do Brasil com outros países. Na área técnica, o inglês tem-nos fornecido uma vasta nomenclatura, demonstrando que o processo de mudança lingüística está intimamente relacionado com a história sociopoliticocultural de um povo. Mas, a entrada de elementos estrangeiros em uma língua não é fruto apenas destas relações; trata-se, antes, de um fenômeno sociolingüístico ligado ao prestígio de que goza uma língua ou o povo que a fala.

Em um período em que os Estados Unidos da América são a potência número um do planeta, é natural que o seu idioma adquira força, não apenas no Brasil, como nos países ricos da Europa e nos pobres da África. Em função disto, existem países europeus, como a Holanda e a Dinamarca, nações bilíngües, onde a população fala a língua vernácula e uma grande parcela comunica-se em inglês, presente no rádio e na televisão.

Quanto aos estrangeirismos, Mattoso Camara  refere-se como:

(...) empréstimos vocabulares não-integrados na língua nacional, revelando-se estrangeiros nos fonemas, na flexão e até na grafia, ou os vocábulos nacionais empregados com a significação dos vocábulos estrangeiros de forma semelhante. O vocábulo estrangeiro, quando é sentido como necessário ou útil, tende a adaptar-se à fonologia e à morfologia da língua nacional, o que, para nós, vem a ser o aportuguesamento.

(Mattoso Camara 1991: 111)

A esse respeito, atualmente, no Brasil, existe uma outra realidade. Há alguns anos, as palavras que vêm da tecnologia, da ciência ou da medicina, em geral, são assimiladas antes de ganhar tradução. No dicionário brasileiro Aurélio, não estão incluídas palavras aportuguesadas de anglicismos como leiaute, de layout; encontram-se, sim, inúmeros estrangeirismos, ipsis litteris (termo também dicionarizado no Aurélio), e entre eles centenas de anglicismos em sua forma original, como know-how e xerox (por fotocópia), xerocopiar, xerocópias.

A terminologia técnica brasileira recebe grande influência do inglês, sobretudo as da área econômica (leasing, sollo cash, auto-assistence, consultas online) e da informática. As expressões plugar-se ou logar-se na Internet, dar um download em alguns softwares, escanear, deletar arquivos estão hoje em toda a parte.

Youssef / Fernandez (1988) afirmam que o vocábulo informática foi criado pela união de informação + automática. Vellasco (1996b) cita uma lista de termos da área, como:

chain letter: uma carta que é recebida por alguém e enviada para várias pessoas e assim sucessivamente até que se torna excessivamente difundida. Normalmente o seu texto incita à difusão da carta por outras pessoas.

cracker: indivíduo que faz todo o possível e o impossível para entrar num sistema informático alheio, quebrando sistemas de segurança, para assim poder causar-lhe danos.

e-mail (electronic mail): (1) correio eletrônico. Atualmente, é o serviço mais utilizado na Internet; (2) mensagem ou carta eletrônica.

flame: resposta intempestiva e geralmente provocante a um artigo de news ou e-mail. Um conjunto de flames e contra-flames é denominado uma flame-war.

link: ligações entre diferentes páginas da WEB, acessadas ao clicar-se um ícone ou vocábulo do hipertexto.

Esses e outros anglicismos (palavras provenientes do inglês) fornecem-nos termos derivados como cheinletar, creicar, fleimear, linkar, etc., que se vão integrando à nossa língua e adaptando-se ao nosso sistema lingüístico, fazendo parte do linguajar usual dos brasileiros.

As indexações, como aidético, da sigla AIDS, em inglês, são muito produtivas no processo de criação lexical brasileiro.

Outras vezes, há a retirada de neologismos diretamente da língua fonte, alterando-se-lhes o sentido, como o fazem os jovens. Brother, do inglês, tornou-se colega, companheiro, amigo. Boyzinho é burguês; drop é atirar-se em alguma coisa, em alguma situação; session é reunião, encontro. Assim,  ampliam-se os domínios do nosso léxico.

As propagandas, os noticiários e reportagens de revistas, jornais, rádio e televisão brasileiros também estão repletos de anglicismos. Grandes companhias americanas de alimentação, como a Pizza Hut, espalham as suas placas de fast food e delivery pelas ruas das cidades. A publicidade usa palavras em inglês em seus slogans, como a Nike (Just do it), o Citibank (The Citi never sleeps) e a Wella (Perfectly you). Os títulos de filmes começam a não ser mais traduzidos, a exemplo de What dreams may come, com Robin Williams, e At first sight, com Val Kilmer e Mira Sorvino, anunciados no jornal local Correio Braziliense, em 30 de agosto de 1998. Indubitavelmente, para as distribuidoras, isso significa economia na impressão de cartazes e na criação de um título convidativo em português do Brasil. Sendo a língua um patrimônio de toda uma comunidade lingüística, a todos os membros da sociedade é facultado o direito da criatividade léxica. E os neologismos recém-criados são rapidamente difundidos pelos meios de comunicação de massa (veja-se Alves 1990).

Hoje, no Brasil, não vamos fazer compras, vamos ao shopping. Nos shoppings centers (verbete no dicionário Aurélio), as lojas de roupas não fazem liquidação, fazem sale, nem dão descontos de 10% — são 10% off. Dizemos «comprar num sale do shopping», «tive um dia estressante»; «hora do rush» ou «está um rush danado»; «cheguei atrasada ao meeting com o sales manager da empresa»; «farei um workshop com o expert em marketing» «foi servido um brunch»; «comida light» ( ou «diet»); «estou indo para o point onde meus amigos marcaram uma happy hour»; «moro em um flat» ou em um «apart-hotel»; «ligar para o delivery»; «lanchar um milk-shake e um cheesburguer»; «vestir uma camisa fashion»; «ver um nice talk-show na TV», etc. Nos restaurantes, em geral, uma placa esclarece que a casa está open today (aberta hoje). E, nas academias, ouve-se «ainda não acabei meu paper (artigo) para publicar naquele journal (periódico científico) de lingüística»; «qual é a deadline (data limite) para o envio do paper para publicação?».

Não obstante o grande volume de anglicismos atualmente no português brasileiro, as criações populares de base metafórica, fontes de renovação semântica e lexical, são freqüentes na linguagem brsileira cotidiana, como frescão (ônibus mais confortável do que o padrão e com ar condicionado); dedo-duro (delator), e orelhão (telefone público), entre outros,  todos já dicionarizados.

A metáfora é a descrição não-convencional de uma entidade, de um estado de coisas ou de uma situação, por meio de um outro referente mais concreto, que apresenta traços em comum com a estrutura conceitual da palavra ou expressão polissêmica. O termo metáfora está sendo usado aqui no sentido amplo, sem distinguir-se de outros processos cognitivos como analogia e modelo mental. Longe de ser um fenômeno lingüístico restrito às manifestações literárias, a metáfora ocorre em diversas esferas do conhecimento humano, não obstante ser a literatura a área que, tradicionalmente, se ocupa dos sentidos figurados.

O discurso da ciência, da filosofia, do jornalismo, da economia e demais domínios do saber apresentam abundantes exemplos de usos metafóricos. É interessante notar que também o discurso dos jovens, dos iletrados, das diversas «tribos» urbanas e rurais vem impregnado de expressões metafóricas altamente expressivas.

O fenômeno metafórico ocorre a todo momento, na busca da tradução do mundo, para traduzir novas visões, novos conceitos, novas percepções sobre a realidade circundante. Não se trata de um processo cognitivo restrito à mente dos poetas; trata-se, sim, de fenômeno lingüístico tão trivial para o homem como o da própria linguagem. Os analfabetos constroem metáforas tão bem como os literatos. O ex-governador do DF, Professor Doutor Cristovam Buarque, pronunciou-se publicamente no sentido de que «não poderia trocar Brasília pelo Rio de Janeiro pois não é bígamo», e um trabalhador rural semi-analfabeto, também publicamente, afirmou que «o Movimento dos Sem-Terra (MST) é um trator».

Em termos cognitivos, os procedimentos analógicos envolvidos no mecanismo metafórico apóiam-se em conceitos mais concretos e mais próximos à experiência do indivíduo. Dessa maneira, podemos estender a nossa compreensão para os níveis mais complexos e abstratos de apreensão e conhecimento da realidade. Esse procedimento é altamente produtivo na ampliação e renovação do vocabulário de uma língua.

No DF, a valorização positiva ou negativa é outra fonte de inúmeras metáforas. Exemplo de valorização negativa, ouvida na Universidade de Brasília, de estudantes de uma das áreas de Letras, é o seguinte diálogo:

«(...)

— Meu, esse X é uma besta-quadrada[1]! E o pior é que a gente tem que engolir as aulas dele senão se ferra na matéria e no mestrado todo. Escancarar com ele significa que não dá nem pra fazer concurso aqui depois.

Besta ao cubo e bolsinha. O X, pô, esse cara tem o maior cérebro de bacalhau! E dá as maiores cartadas no Departamento. Isso é que eu não entendo. Todo mundo picha ele na surdina, pô, é unânime! Até os professores também, mas ninguém faz nada porque esse carinha já tá aqui na UnB tem uns vinte e tantos anos. O negócio é engolir ele, ir  tomando uns sonrisais e rezando pra ele se aposentar nessa enxurrada do Efeagacê[2].

(...)»

O Distrito Federal recebe grande fluxo migratório das várias regiões brasileiras, especialmente de cidades interioranas, e é significativo o uso que os jovens candangos fazem de expressões e regras morfossintáticas pertencentes à variedade lingüística não-padrão (substandard), utilizada com sentido afetivo, não-pejorativo. Exemplos são «A festa tá palha ou paia (desanimada, ruim)», muito citada por jovens brasilienses, e «Ele pulou o corguinho (corregozinho)», usualmente citada por jovens taguatinenses e ceilandenses, expressão que significa ele exagerou. A saudação «E aí, cumpadi?» (de compadre) é muito usada, genericamente, pelos jovens do DF. O vocativo «Aí véio (velho)» ou «Aí véi» está impregnado de sentido de identidade; por ele, os jovens candangos já são identificados nos outros estados do Brasil.

é forma apocopada de mor e forma sincopada de maior. Jovens brasilienses utilizam-na amiúde e em várias situações de uso, como intensificador e, na maioria das vezes, sem o verbo de ligação: Aquela mina, mó pressão (Aquela menina está me pressionando muito.); mó data, mó era (há muito tempo); ele, mó rato (ladrão, pilantra); aquele cara, mó raule (pessoa que não é aceita no grupo); ele, mó xarope (desagradável); para papo furado é mó caô. Aqui,  temos o exemplo de uma sintaxe emergente no Distrito Federal.

O uso de expressões lingüísticas, que perdem o seu sentido original e funcionam como operadores discursivos (introdutores, seqüencializadores ou finalizadores de eventos discursivos), é freqüente. Quando em posição assimétrica superior ao interactante, alguns brasilienses utilizam a forma E aí, Mané?

Aí cara, expressão carioca utilizada como saudação e para iniciar uma conversa, é corriqueira na fala dos jovens candangos. Cara é de uso neutro em relação a gênero e podemos fazer uma analogia a , usado em Portugal, onde é empregado tanto para rapaz como para rapariga. cara, também funciona como marcador conversacional, e, muitas vezes, sem o aí.. Um outro marcador conversacional comum, ouvido em todas as cidades do DF, é tipo assim.

Expressão da linguagem dos jovens cariocas, muito difundida na década de 60 e ainda em uso ao final da década de 90 de que os brasilienses fazem uso e também já dicionarizada, é mina para menina (aquela mina) e para namorada (minha mina). Outras expressões dos jovens cariocas, já dicionarizadas, foram importadas, a exemplo de: legal para muito bom; dar gelo, quando não se quer conversar com alguém; canhão para moça feia; perua para moça extravagante, dar um rango para estar com fome; bater um rango ou rangar para fazer uma refeição; maneiro, para bom; agito (de agitação) para festa, e dar um rolé para dar uma volta pela cidade; sanduba para sanduíche. Para despedir-se de alguém, assim como os cariocas, os jovens candangos dizem falô (falou, do verbo falar) ou té mais — forma sincopada da fórmula convencional de despedida, do início deste século, Até mais ver. Para agradecer a alguém, dizem valeu (de valeu a pena).

Expressões da linguagem dos jovens paulistanos (natos e habitantes na cidade de São Paulo) também são importadas pelos jovens candangos e incorporadas ao léxico local, como Vamo sartá, ó meu? Ó meu é expressão típica e amplamente usada por paulistanos.

Em Brasília, ônibus é busú ou baú ou GOL (grande ônibus lotado); jovem cafona e grosseiro leva a fama de peão e, quando tem o hábito de fazer bobagens, chamam-no de prego. Mau caráter transforma-se em rato. Pegar o bonde andando virou viajar na maionese. Pergunta-se Qualé mermão? (Qual é, o que está acontecendo meu irmão?), quando não se gostou de alguma atitude do interlocutor. Vou dropar ou vou entrar nessa, significa vou enfrentar essa situação; vuduzar é invejar alguém; zero-a-zero é pessoa desagradável, boba, ababacada; zica é azar. Nenhum jovem diz que vai embora — vou vazar é a senha ou é vazurix ou vazare ou, ainda, vou abrir o gás.

Na Ceilândia, os jovens empregam rocha para algo muito bom ou uma pessoa confiável. Burro preto é apelido para um tipo de viatura da polícia: Opala negro, da marca Chevrolet, de quatro portas. Babão é bajulador; chaveco é conversa persuasiva; dá boi (ou maior boiada) é conseguir algo facilmente e com vantagem; jaburu é moça feia; goma é lar, casa; rapar é dividir. Parada tornou-se um substantivo de múltiplos significados, servindo para designar situação, coisa por resolver, compromisso assumido (Combinei uma parada com fulano). Já no Rio de Janeiro, parada tem a conotação de difícil (A prova foi uma parada!).

Em Taguatinga, usa-se dois palitos ou tic-tac para rápido. Exemplo: «Vou até ali — dois palitos. Passo aí, mas tic-tac.».

No Gama, queijo é pessoa inocente, pura de alma, e queijudo é alguém que, além de puro de alma, é bonito.

No que tange ao uso de expressões vinculadas à tradição e à herança sociocultural, as expressões populares cristalizadas na língua, provérbios são ouvidos de jovens candangos, como: Ausência aparta amor; Bezerro manso mama na mãe dele e na dos outros, e assim por diante.

Consoante Vellasco (1996 b), a proliferação de certas «famílias» de provérbios deriva de processos cognitivos, que facilitam a aceitação pelo ouvinte de provérbios que não lhe são familiares e encorajam a invenção de novos adágios ou variantes dos existentes. Apesar de tal citação funcionar como provérbio, no contexto interacional, trata-se de um falso provérbio.

Vários pseudoprovérbios têm emergido no Distrito Federal, como registrados em Vellasco (1996a, 1996b), a exemplo de Se pinga fosse fortificante, todo brasileiro era gigante; A vida é como a cebola, se descasca chorando; Alcança quem não cansa; Alma sem besouro não escuta zum-zum; Amor é que nem sarampo, todo mundo tem que passar por ele; Antes chorar num Mercedes, que sorrir num ponto de ônibus; Quem vive de passado é museu.

Anexins são enunciados proverbiais, em linguagem coloquial vulgar ou em termos chulos, e geralmente com aliteração, que contêm uma regra prática de moral, com um sentido satírico e alusivo, geralmente em forma metafórica. Exemplos de anexim usados por jovens no DF são Mais vale um cachorro amigo, que um amigo cachorro; e A defesa do boi é a tristeza do homem.

Há uma tendência internacional, especialmente no Brasil, a revisitar-se provérbios, especialmente para deles fazer-se um uso lúdico. No DF, Depois da tempestade vem a bonança ouve-se Depois da tempestade vem o lamaçal; Quem espera sempre alcança tornou-se Quem espera desespera; Não há mal que sempre dure, nem bem que nunca se acabe foi metamorfoseado em Não há mal que sempre dure, nem mal que sempre se ature, e assim por diante. Para a prática de revisitar os provérbios, Gréssillon / Maingueneau (1994) propõem o termo détournement, em francês, e Vellasco (1996b) propõe retomada, para o português do Brasil.

A retomada é um precedente discursivo, que consiste em produzir um enunciado com as mesmas marcas lingüísticas de uma enunciação proverbial, mas, que não faz parte do estoque de provérbios tradicionais conhecidos. Essa prática é feita sob dois regimes diferentes: (i) retomada lúdica, referente ao jogo de palavras, à brincadeira, e (ii) retomada militante, que visa a colocar o enunciado proverbial, que é dotado de autoridade, a serviço de interesses de diversas ordens, como de uma ideologia, da política, etc. Exemplos de retomadas lúdicas coletadas no Distrito Federal são: Quem ama o feio... namora em casa!; Antes coxo, que perneta; Antes fanho, que sem nariz; Antes um toma que dois te darei; Devagar se vai ao longe... mas demora um tempão!

Antes só do que mal acompanhado teve uma retomada político-ideológica para Antes só do que Malan[3] acompanhado, por jovens estudantes de Economia da Universidade de Brasília, que também tomaram De grão em grão, a galinha enche o papo para De Fernando[4] em Fernando[5], o Brasil vai se afundando (vejam-se Vellasco 1996a, 1996b).

As frases feitas são frases de significado convencionado pela sociedade, de uso constante pelos falantes nativos da língua e ditas a título de comentário, em determinadas situações. São exemplos de frases feitas brasileiras: Até aí, morreu Neves; Bem te conheço, meu pau de laranjeira; Calma, que o Brasil é nosso!; Deus existe e é meu amigo!; Mais amor e menos confiança. As frases feitas variam de acordo com a pessoa, o tempo e o número. Geralmente elas são uma avaliação do comportamento do interlocutor e incitam a uma réplica ou são elas mesmas uma réplica. Exemplos de frases feitas citadas por jovens no DF e registradas por Vellasco são: Não me acompanha que eu não sou novela; Deus fez primeiro o homem para não ouvir palpite de mulher; Deus fez primeiro o homem porque toda obra prima precisa de rascunho.

Uma frase proverbial é formada a partir de uma locução (expressão idiomática), varia de acordo com a pessoa, o tempo e o número, e é sempre metafórica. Exemplo de expressão idiomática usada por jovens no Distrito Federal, que gera frases proverbiais é viajar na maionese; Viajei na maionese, mermão.

Em consonância com Vellasco (1996a, 1996b), as superstições ou crendices populares são formas lingüísticas concisas fixas, como os provérbios, possuem carga didática e de tradicionalidade, como os provérbios, são parte do folclore de uma comunidade, mas operam em um setor diferente da experiência humana. Tentam manipular as confrontações do homem com o extra-sensorial, o extrapessoal, com forças sobrenaturais e revela crenças populares pouco explicáveis pela ciência, como Casa de esquina, ou morte ou ruína. Algumas reconhecem a existência de forças externas benevolentes e tentam convertê-las em vantagem para o indivíduo ou para o grupo, como Quem dá e toma, fica corcunda, também coletada por Vellasco no Distrito Federal.

O léxico constitui um todo organizado, apesar de ser um inventário aberto. Os vocábulos da nossa língua distribuem-se por associações de sentido, como as relações de parentesco e outras, e por conjuntos de vocábulos que têm em comum o seu radical ou base, como nos casos de composição e de derivação. Como observa Mattoso Camara (1970), «(...) têm sistemas em que as palavras se apresentam em correlação e oposição (...) são sistemas abertos com um número de elementos indefinido.».

Diferentemente das linguagens formalizadas, a língua natural é complexa. Muitos lógicos, epistemológicos e filósofos pensaram ser a língua natural um instrumento insuficiente para refletir o pensamento. Em vista disso, criaram linguagens formalizadas, definidas em um sistema fechado de significações, em que todas as unidades de sentido pudessem ser controladas: todas as estruturas lingüísticas seriam definidas com precisão e a todo enunciado poder-se-ia atribuir um valor de verdade, ou seja, as proposições seriam logicamente controladas.

A linguagem natural é indeterminada e polissêmica; pertence a um sistema aberto e é organizada de maneira viva (veja-se Morin 1998). Sendo assim, unidades lingüísticas como as palavras e as nuances, que lhes são associadas, nascem, enfraquecem, morrem. Neologismos semânticos e por empréstimo de outras línguas, e mesmo a linguagem dos jovens, migram de uma região para outra ou de um país para outro, dependendo do contexto socioeconômico, histórico e cultural em que ocorrem. A vida da língua, que permite a vida do espírito e a das idéias, exprime-se mais claramente nas esferas marginais dos usos lingüísticos: o uso cotidiano da língua, permeado de neologismos, em um extremo, e a poesia em outro, ambos sustentados pelo pensamento analógico e pela criatividade.

Esse é o aspecto dinâmico da linguagem: um nível de consciência exigido pelo pensamento crítico, capaz de construir o sentido de discursos expressos por meio de uma linguagem imprecisa, indeterminada, polissêmica, complexa e heterogênea. Todavia, são justamente esses «defeitos» os responsáveis pela expressividade, flexibilidade e maleabilidade lingüísticas requeridas para expressar a criatividade humana e manter a economia do sistema lingüístico. Como observou Jakobson (citado em Morin 1998: 215), «a linguagem natural, por oposição às linguagens formalizadas, é que oferece suporte à invenção, à imaginação, à criação». Não há lugar para analogias, metáforas e ambigüidades nos sistemas semânticos fechados formais. As línguas naturais expressam o pensamento humano, nas várias práticas discursivas, por meio de uma seleção lexical que alterna palavras de uso muito preciso com outras altamente imprecisas e polissêmicas, dependendo do gênero do discurso em que elas estão sendo integradas.

O Distrito Federal já apresenta uma busca de identidade nas tendências fonológicas identificadas ao longo de muitos anos de pesquisa nesse sentido (vejam-se Bortoni-Ricardo e Corrêa 2000). No que concerne ao léxico, parece-nos haver um processo paralelo.

Como se percebe pelos dados extraídos de conversas informais aqui apresentados, no Distrito Federal há muitas adaptações dos neologismos populares dos jovens de outras cidades brasileiras, além dos estrangeirismos, esses presentes no Brasil todo — em decorrência de uma linguagem cosmopolita ou globalizada do inglês, via mídia eletrônica. Há criações locais também, o que é interessante para examinar-se a formação de um processo de identidade sociocultural. Nas criações locais, como véio, a fonte pode ser os falares rurais ou rurbanos.

Texto 38

É importante que a gente faça a maromba, que a gente utilize o trabalho de maromba que é pro corpo ficar sarado, pra que a gente possa ficar casca grossa. O que quer dizer? Caído significa o corpo fraco. A maromba é um sentido figurado do marombeiro que puxava a balsa para atravessar duma margem pra outra do rio. Então, o marombeiro é aquele indivíduo que fez força, que tá atrelado ao trabalho de força. O casca grossa é no sentido rude, do resistente, do forte que sofre. Tem um sofrimento, que suporta o sofrimento.”

(Jovem professor de ginástica)

Comentário sobre o texto 38

A explicação que o professor de ginástica deu aos seus alunos pode ser estendida e aplicada a todos os vocábulos que usamos. Não é apenas no mundo dos jovens da ginástica que acontece de os vocábulos irem alterando o seu sentido.

 

MAROMBEIRO

1 - homem que puxava a balsa

2 - homem que “malha” na academia

 

CASCA GROSSA

1 - casca grossa e resistente de um vegetal

2 - homem resistente

 

Quando um taxista diz, por exemplo, que o trânsito está pitimbado, podemos deduzir que está engarrafado. Os vocábulos são elos numa cadeia de idéias e de intenções dentro das frases que dizemos. Na língua de todo dia, os vocábulos estão sempre dentro de uma situação: pitimbado e engarrafado, por exemplo, descrevem como está o trânsito no local. Engarrafado todo mundo conhece, mas pitimbado, não. Porém, com a ajuda dos outros vocábulos, podemos deduzir o que significa.

Na verdade, cada grupo diferente de pessoas, que tem uma ocupação própria, pode ser reconhecido pelo tipo de roupa que usa, pelo seu comportamento, ou ainda pelo modo como usa os vocábulos. Estes vão ganhando novos sentidos, de acordo com as situações em que vão sendo usados.

A univocidade lexical e a sua função comunicativa

Em determinadas situações de comunicação lingüística, os vocábulos devem ser usados com precisão, em um sentido único, de maneira a possibilitar eficácia na emissão e compreensão de mensagens.

Na nossa vida diária, estamos cercados de situações em que a univocidade constitui um requisito fundamental:

receitas de cozinha;

bulas de remédio;

requerimento, ofício ou outro texto em linguagem técnica;

instruções de uso de aparelho;

definição de dicionário.

Quando compramos ou ganhamos um aparelho, um eletrodoméstico, etc., muitas vezes temos dificuldade de usar tal objeto, por não entendermos o que quer dizer o folheto explicativo. Às vezes, o motivo da dificuldade é o desconhecimento do vocabulário específico usado no folheto.

Texto 39

Folheto de instruções para uso de uma churrasqueira

"Os espetos e grelhas giratórias são acionados por motor elétrico. A carne em rotação evita a perda do suco natural e grelha por igual. O sistema giratório unta o churrasco com a gordura derretida e acentua seu sabor. O controle do ponto é fácil e eficiente."

Comentário sobre o texto 39

Esse texto faz parte de um folheto de instruções para uso de uma churrasqueira. Se o leitor desconhecer o vocabulário específico que está sendo utilizado, não poderá compreender corretamente as instruções. Pesquisando em um dicionário, o leitor encontrará várias definições para cada vocábulo. Apenas uma definição (em itálico), em cada verbete, será adequada para a compreensão do vocábulo naquele contexto.

verbete GRELHA

a) pequena grade de ferro sobre a qual se assam ou torram alimentos.

b) antigo instrumento de suplício.

c) cavalo ordinário e magro (em Pernambuco).

 

verbete ROTAÇÃO

a) ato ou efeito de rotar; movimento giratório; giro em voltas sucessivas em torno de um eixo.

b) movimento executado pela terra em torno da linha dos pólos de oeste para leste, em 23 horas, 56 minutos e 4 segundos, ou um dia.

 

verbete SUCO

a) líquido com propriedades nutritivas contido nas substâncias animais ou vegetais; sumo.

b) qualquer líquido orgânico segregado por glândula ou mucosa: suco gástrico.

c) essência, substância.

 

verbete ACENTUAR

a) colocar acento nas sílabas de uma palavra.

b) tornar mais intenso, aumentar, realçar.

 

verbete PONTO

a) picada produzida por agulha em tecido.

b) sinal de pontuação.

c) manchazinha arredondada.

d) lugar de parada de ônibus.

e) registro de entrada e saída do trabalho.

f) parte de um assunto.

g) (culinária) ao ponto — diz-se de carne medianamente assada.

As bulas de remédio também merecem todo o nosso cuidado, qualquer cuidado é pouco. Mas, muitas vezes, temos certa dificuldade de compreender a mensagem, pois há termos técnicos ao lado de outros conhecidos, porém usados em outro sentido. Neste caso, a consulta ao dicionário pode ser valiosa.

Texto 40

Bula de Remédio

"Pacientes com história de reação de hipersensibilidade a outras drogas ou substâncias podem constituir um grupo de maior risco e apresentar efeitos colaterais mais intensos, até mesmo choque. Neste caso, o tratamento deve ser imediatamente suspenso e tomadas as providências médicas adequadas: colocar o paciente deitado com as pernas elevadas e as vias aéreas livres."

Do mesmo modo que no folheto de instruções, há vocábulos que devem ser entendidos univocamente, sob o risco de prejudicar a compreensão do texto.

Texto 41

Requerimento

"Fulano de tal, brasileiro, casado, residente à SQS 305 Bloco H Apto 202, Asa Sul, nesta cidade, vem mui respeitosamente requerer a V.Sa. se digne conceder-lhe uma semana de afastamento por motivo do nascimento da sua filha, ocorrido em 26 de março de 2010.

 

Nestes termos,

Pede deferimento.

Brasília, DF, 26 de março de 2010.

.

 

____________________

               Assinatura

Comentário sobre o texto 41

O requerimento é um documento específico de solicitação, através do qual a pessoa física ou jurídica requer algo a que tem direito (ou pressupõe tê-lo), concedido por lei, decreto, ato, decisão, etc.

Esse tipo de documento exige um formato específico: uma invocação, em que os termos devem ser escritos por extenso; o texto principal, normalmente em terceira pessoa, com informações essenciais, que exercem a unção de identificar o requerente (nome, nacionalidade, profissão, endereço) e apresentar a solicitação; o fecho, em que entram as expressões "Nestes termos" e "Pede deferimento", a data e a assinatura do requerente ou seu representante legal.
A solicitação deve ser explicitamente apresentada, sob pena de não se obter o resultado pretendido.

Sugiro-lhe a leitura do capítulo que Othon Moacyr Garcia escreveu, no seu livro “Comunicação em Prosa Moderna”, sobre o tema redação técnica.

 

 

 

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[1] Expressão originária de besta ao quadrado.

[2] Menção ao Excelentíssimo Dr. Fernando Henrique Cardoso, atual presidente do Brasil.

[3] Ministro da Economia do Brasil, há mais de cinco anos.

[4] Fernando Collor de Mello, ex-presidente do Brasil, que renunciou ao seu mandato, por ter infringido a ética.

[5] Fernando Henrique Cardoso, atual presidente do Brasil.