A História do Rock de Brasília Contada em Livro

Jornalista reúne depoimentos da turma de curtidores do punk rock da cidade que daria origem a bandas como Legião Urbana, Paralamas do Sucesso, Capital Inicial e Plebe Rude.

ClicMusic
Silvio Essinger
08 de maio de 2001

- Alô, Babu, é o Renato. Você sabe tocarr baixo?

- Não, Renato, só sei tocar alto.

- Rá, rá, rá, tá! Tá bom, tchau.

E assim, por causa de uma piada boba, Babu perdeu a chance de tocar com a Legião Urbana, que poucos anos depois se tornaria uma das maiores bandas de rock no Brasil. Essa é apenas uma das histórias que o jornalista Paulo Marchetti, 30 anos de idade, conta no livro O Diario da Turma 1976/1986: A Historia do Rock de Brasilia, que sai em breve pela editora Conrad e que terá lançamento dia 22 de junho, no Espaço Cultural Renato Russo (ex-Teatro Galpão), na 508 Sul, em Brasília. Durante a festa, uma banda montada especialmente para a ocasião tocará as músicas de alguns dos grupos retratados no livro.

O ano de 1976 é aquele em que saem nos Estados Unidos e na Inglaterra os primeiros discos do punk rock - aqueles que irão influenciar os garotos de Brasília a montar suas bandas. E 1986 é quando as bandas que se destacaram na cena - Legião Urbana, Plebe Rude, Capital Inicial - já estão todas fora da cidade, tocando suas carreiras em meio à explosão do Rock Brasil. Nesses 10 anos se desenrola a história, que é recuperada por Paulo na forma do entrelaçamento de depoimentos das várias das pessoas envolvidas, mais ou menos como no livro Mate-Me por Favor, que retrata a cena punk inaugural, de Nova Iorque.

O jornalista entrevistou mais de 100 pessoas para o livro, 60 das quais acabaram entrando no livro. Algumas conhecidas, como Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá (Legião), Herbert Vianna e Bi Ribeiro (Paralamas, que só seria formado no Rio de Janeiro), Dinho, Lôro, Fê e Flávio Lemos (Capital Inicial), Phillipe Seabra e André Muller (Plebe Rude) e o irmão de André, Bernardo (da Escola de Escândalo). Mas ele também foi atrás de pessoas que não chegaram ao estrelato, como Boticão, Ana Resende, Marta, Cris e o (agora) lendário Babu. Alguns foram bem difíceis de ser achados, como o iugoslavo Sava (que voltou para sua terra) e Iko Ouro Preto, irmão de Dinho, que muito brevemente tocou guitarra na Legião e hoje é fotógrafo em Paris.

Algumas pessoas infelizmente não deram depoimentos para o livro. Dois dos mais importantes, porque morreram, coincidentemente em 1996: Renato Russo e Fejão, guitarrista do Escola de Escândalo. "Fejão tocava de tudo, baixo, guitarra, e muito bem", conta. Outras pessoas, o autor simplemente não conseguiu encontrar porque elas se isolaram no mato: caso de Negrete (baixista da Legião) e Jander Bilaphra (guitarrista e vocalista da Plebe Rude).

Tema bem familiar

Paulo conta que sempre teve muita vontade de escrever um livro - seguindo o conselho do roteirista Doc Comparato, resolveu começar por um tema que conhecia bem. E suas memórias foram reavivadas em 97, quando trabalhava na MTV e estava preparando um especial sobre o aniversário de um ano da morte de Renato Russo, e tomou depoimentos de Dado e Bonfá. Nascia aí a idéia do livro, que ele foi escrevendo nas horas vagas, aproveitando as férias para viajar ao Rio e a Brasília para realizar as entrevistas.

Na época em que tudo aconteceu, o jornalista ainda era menino. Mas, por volta de 1982, as suas duas irmãs mais velhas eram ligadas às turmas. "Minha irmã do meio, Fernanda, era amiga da Aninha, irmã do Dinho. Eu só queria saber de andar de bicicleta e jogar futebol de botão, mas gostava de rock e a gente acabou se conhecendo. Como eu não podia sair de casa, ainda era moleque, ficava ouvindo as fitas que elas traziam - algumas do Renato Russo ao violão, outras da Legião Urbana, da Plebe Rude...", conta. Anos depois, Paulo viraria vocalista da banda brasiliense Filhos de Menguele, cujo baterista era Digão, mais tarde guitarrista dos Raimundos.

O esquema da turma era a seguinte: quem ia para Londres - coisa comum, já que havia muitos filhos de diplomatas - trazia os discos recém-lançados do punk, que eram copiados pela turma em fitas cassetes. Não raro, eles também traziam fitas com os programas do radialista John Peel. Assim, as músicas do Clash, Sex Pistols, Damned e Stranglers (cujos discos levavam meses, às vezes anos, até serem lançados no Brasil) se disseminavam rapidamente entre a garotada, numa Brasília que ainda tinha jeito de cidade de interior. A Turma da Colina (Fê, Flávio, Renato Russo), a primeira na cidade a curtir o punk, acabou transmitindo o gosto para os cabeludos da 104 Sul (Herbert, Bi e Dinho, que por sinal estava escrevendo um livro sobre a Turma da Colina), que ainda viviam o rock progressivo.

Rockonhas

O livro conta algumas prosaicas histórias da turma, como quando Lôro e Gutje (baterista da Plebe) saíram andando pela cidade atrás de uma meninas punks de quem tinham ouvido falar. Ou então de quando Fê e Renato Russo disputavam os exemplares do jornal New Musical Express (a bíblia do punk) que chegavam à biblioteca da Cultura Inglesa."Falo das histórias de fim de semana, das Rockonhas [festas com som e erva que freqüentemente acabavam com a chegada da polícia], das brigas com os playboys, das bebedeiras", relata.

O volume está dividido em duas parte: A Turma e As Bandas. Na segunda, entram os nomes conhecidos e alguns nem tanto, como Aborto Elétrico (que deu origem à Legião e ao Capital) e Detrito Federal, além de outros absolutamente obscuros, como o Diamante Cor-de-Rosa, Oasis e Nirvana (sim, bandas homônimas das gringas, fundadas antes daquelas), que reaparecem numa cuidada árvore genealógica, que impressa em página quádrupla. Além disso, Paulo teve o cuidado de fazer uma lista das bandas favoritas da turma, como Buzzcocks, Talking Heads, Stranglers etc.

O Diário da Turma é um bolo cheio de cerejas, até para quem acha que conhece bem a história do rock de Brasília. Hermano Vianna, irmão de Herbert, deixou que se publicasse trechos de uma carta que Renato Russo havia mandado para ele. Além disso, o livro traz detalhes sobre a tentativa de suícidio do líder da Legião, em 1984, e algumas das mais de 500 fotos que Paulo arrecadou entre os entrevistados. "São aquelas fotos da turma, com enquadramento horrível. Mas tem coisas como o Bonfá, o Negrete e o André Muller no colégio, cinco anos antes de formarem suas bandas", conta.