Arcachon, 30 de setembro de 2000 - Edição nº1

Índice

- Editorial
- O Terceiro Preconceito, por Roberto Luis Worken
- Quem é quem?
- Drink Hability, por Alex Vicente
- Salada Musical, por Morgana de Avalon
- Últimas Notícias
- Especial: Tchaikovsky, por Edgard Bikelis


Editorial

A proposta do Les Petites Papillons é ser um veículo de informações como outro qualquer, com o intuito de abranger um público e assuntos até agora inexplorados no mundo micronacional: o homossexualismo. Tratado sempre de forma jocosa, esse jornal se presta a falar do homossexualismo de forma natural, como deve ser.

Família, amigos, namorados(as), as dúvidas e angústias em todas as fases da descoberta de si mesmo. Tudo isso será transmitido de forma simples e direta e você pode participar enviando suas dúvidas para o e-mail da redação. Sou Desirée Loche, Ministra da Saúde e editora do Les Petites Papillons, e vou estar com vocês todos os meses, trazendo informações, lazer e cultura para todos as pessoas de bom gosto, sejam elas gays, lésbicas ou simpatizantes.

Nessa edição a face secreta de Tchaikovsky; uma coluna de drinks para seu deleite; o que é gay, travesti e etc e como identificar cada um;  uma coluna especial com Roberto Warken (sociólogo) sobre o preconceito e, nas ultimas notícias, tudo sobre o movimento gay.

Boa Leitura!!!

 Desirée Loche           
Editor                 

 

O Terceiro Preconceito

Estou acompanhando o desenvolvimento do processo que envolve o INSS, que insiste em não querer pagar pensão a pessoas que têm companheiro ou companheira do mesmo sexo.

Uma coisa me vem à cabeça: estarão esses/as doutos/as recebendo a assessoria correta? Quem são essas pessoas? Até que ponto uma possível homofobia não seria capaz de fazer lobby encontrando na lei respaldo para favorecer a entidade, o INSS, filho de nossos (des) governos, e não os contribuintes?Enquanto escrevo esta, não tenho idéia do que poderá acontecer, mas posso deixar meu pensamento enveredar por reflexões as quais sou pouco dado e, com o avançar da idade, se tornam inevitáveis. Afinal de contas, estou falando de pensão por viuvez. Os precedentes que este caso abrirá, se o contribuinte reclamante ganhar a causa, será um feito comparado à lei do concubinato, com o reconhecimento do divórcio. Vamos aguardar.

Pensar nesta possível pensão por viuvez me levou a refletir sobre a finitude do ser humano.

Ora! Eu sei que vou envelhecer e morrer. E sei que meu companheiro e você, que está lendo esse artigo, também irão envelhecer e morrer. Mas não estamos habituados/as a falar sobre a velhice do/a homossexual. Da mesma forma, não estamos habituados/as a falar sobre a solidão do/a homossexual, o negro e a negra homossexuais, ou aqueles/as portadoras de necessidades especiais, etc.

Penso que muitos/as gays e lésbicas conseguem lidar melhor com o preconceito de gênero que exercem contra si mesmos que em lidar com o preconceito exercido contra os/as próprios/as homossexuais diferentes. Estarei errado? Senão, o que será que pensamos em relação às diferenças tais como: a "bichinha escrachada", a "traveca", os gordos, os peludos, a baixinha, a machona, aquele que tem dificuldade especial, etc. E, aqui se inserem todos/as que chegam a 3a idade.

Rotulamos, enquadramos, classificamos e disponibilizamos as pessoas que conhecemos em níveis e graus de aceitação de tal forma que, dependendo do caso, até atravessaríamos a calçada para não ter contato com tal pessoa. Mas fugimos do fato de que um dia chegaremos, lá também.

Vamos entrar na terceira idade, e seremos velhinhos e velhinhas, com tesão, com desejo, com necessidade de companhia, com necessidade de cuidados.

Seremos menos homossexuais por sermos da terceira idade? NÃO!

Então apoiemos TODAS as iniciativas pró-homossexuais. Não somente aquelas dedicadas a gays ou lésbicas mas também aquelas que INCLUEM as demais parcelas destes grupos minoritários.

   Roberto Luiz Warken           
(40 anos) Sociologo e especialista         
em educação sexual      
         

 

Quem é quem?

O QUE É HOMOSSEXUAL?

É a pessoa que se sente atraída e/ou apresenta vivência sexual com outra pessoa do mesmo sexo. Relativo à afinidade ou comportamento sexual entre pessoas do mesmo sexo. Homens e mulheres que amam e/ou sentem atração por pessoas do mesmo sexo.

O QUE É HETEROSEXUAL?

Relativo à afinidade ou comportamento sexual entre indivíduos de sexos opostos. Homens e/ou mulheres que amam ou sentem atração por pessoas de sexos opostos.

O QUE É GAY?

Do inglês, Gay (guêi) [gei] adjetivo de alegre; (cores) vistoso, vivo; homossexual. Expressão de origem inglesa que se refere ao homossexual masculino ou a toda condição homossexual. Ex. Mundo Gay. Designa preferencialmente o homem do gênero masculino que tem atração, e/ou ama pessoa do mesmo sexo. Expressões como: viado, bicha, boiola, etc. são ditas pejorativas pois trazem consigo um significado negativo da homossexualidade masculina

O QUE É LESBICA?

Lésbio+ico, de ou pertencente a Ilha de Lesbos. Homossexual feminina. Diz-se da mulher que ama e/ou sente atração. Expressões como: sapatão, caminhoneira, paraíba, etc. são ditas pejorativas pois trazem consigo um significado negativo da homossexualidade feminina.

O QUE É BISSEXUAL?

Refere-se ao indivíduo que se sente atraído e que pode relacionar-se sexual e afetivamente com pessoas do mesmo sexo e sexo oposto.

O QUE É TRAVESTI?

Pessoa (homem ou mulher) que sente-se bem em se vestir com roupas do sexo oposto. Em alguns casos, os homens fazem implantes de silicone e/ou tomam hormônios e, as mulheres podem tomar hormônios. Nem todo travesti é homossexual.

O QUE É TRANSEXUAL?

É a pessoa (homem ou mulher) que, mesmo tendo nascido biologicamente perfeita apresenta uma identidade com o sexo oposto. Essa vontade de ser do sexo oposto é permanente e, em muitos casos, recorre-se a cirurgia para adequar o corpo a identidade.

O QUE É DRAG QUEEN?

Homem que se traveste com roupas do sexo oposto de forma exagerada.

O QUE É DRAG KING?

Mulher que se traveste com roupas do sexo oposto de forma exagerada.

  Drink Hability

Cidadãos, é com grande satisfação que escrevo esta coluna, uma coluna que espero que seja lida com bastante gosto e principalmente com muita atenção, pois trata de um assunto que 90% da população gosta, o famoso álcool, nas suas mais diversas formas, tais como: cerveja, vinhos, aguardentes, whiskys dentre outros. Esta coluna também contará com algumas receitas dos mais famosos drink´s para serem usadas com MODERAÇÃO, repito e friso, MODERAÇÃO, pois sabemos muito bem que tudo que vem em excesso causa um grande mal, para a saúde e para o intelecto do ser humano, além de causar o vício...

Então coloco abaixo uma reportagem da Revista Veja de 01 de dezembro de 1999, no que diz que o álcool na dose certa, repito, na dose certa, faz bem ao coração, reduzindo em 79% o risco de infarte, portanto leiam com atenção:

""A dose certa"  para o  coração
Revista Veja, 01 de Dezembro de 1999.


Os médicos sabem há tempos que uma bebidinha ajuda a reduzir os riscos de doenças cardíacas. Mas só agora se descobriu a dose certa de álcool. Depois de acompanhar 21.000 homens saudáveis, com idade entre 40 e 84 anos, pesquisadores da faculdade de medicina de Harvard concluíram que o consumo de 30 gramas de álcool (o equivalente a duas taças de vinho, duas latinhas de cerveja ou duas doses de uísque), de cinco a seis vezes por semana, reduz em 79% os riscos de infarto. O resultado foi publicado na última edição da revista Circulation, da Sociedade Americana de Cardiologia. Entusiasmados com os re sultados, os médicos investigaram também os efeitos sobre o cérebro. Tintim! Um drinque semanal diminui em 21% o perigo de isquemia cerebral, a suspensão da irrigação sanguínea no cérebro. "Se usado com bom senso, o álcool pode ser considerado um remédio", atesta o cardiologista carioca José Geraldo de Castro Amino.
Sem moderação, o álcool é um perigo. Além de diminuir a proteção ao coração (veja quadro abaixo), aumenta os riscos de hipertensão, complicações de diabetes e problemas hepáticos. "Além, é óbvio, de poder levar ao alcoolismo", adverte o epidemiologista gaúcho Aloyzio Achutti. Por isso, os médicos não se sentem à vontade em receitar bebidas alcoólicas contra os males cardíacos. Não fosse o risco de a receita descambar para o abuso, o álcool estaria no rol dos recursos mais indicados na prevenção das doenças cardiovasculares, que mata 300.000 pessoas por ano no Brasil. Além do álcool em si, as bebidas alcoólicas contêm os flavonóides, proteína encontrada em grãos, lêvedos e frutas, sobretudo na casca de uva – daí o vinho ser o mais indicado na prevenção do infarto. Essa substância evita a formação de placas de gordura pelo LDL, o colesterol ruim. Depositadas nas paredes das artérias, as placas gordurosas dificultam a irrigação sanguínea do coração. Tem mais. O álcool incentiva a produção de HDL, o colesterol bom, que impede a formação e o acúmulo de LDL nas artérias coronárias. Um santo remédio, desde que os goles sejam parcimoniosos."

Então, por hoje é só, na próxima edição, colocarei algumas receitas de alguns drinks usando os mais variados ingredientes.... preparem seus liquidificadores, pois vc´s vão usar a cabeça. Até!!

Alex Vicente            

Últimas Notícias

O presidente do Grupo Gay da Bahia (GGB), o antropólogo Luiz Mott , denunciou no domingo, dia 03/09/2000, ameaça de morte em carta enviada por integrantes de um certo Movimento Machista Brasileiro (MMB), de Fortaleza.

Mott, que está com viagem marcada para os próximos dias para Fortaleza, não perdeu tempo: denunciou o grupo e pediu providências imediatas ao governador do Ceará Tasso Jeressati. (04/09/2000)

O presidente de Associação da Parada GLBT de São Paulo, Roberto de Jesus, recebeu na manhã desta quarta-feira, dia 06/09/2000, na sede da entidade uma bomba de fabricação caseira. Quem encontrou a caixa foi o vice-presidente da associação, Nelson Matias Pereira, que, desconfiado, entrou imediatamente em contato com a delegada Inês Cunha, do Grupo de Repressão aos Delitos de Intolerância (Grade). Afirmando tratar-se de uma bomba, ela acionou o Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate) da Polícia Militar. Os policiais detonaram a carta-bomba no Parque Dom Pedro, região central de São Paulo

O Ato Público de Repúdio aos Atentados, Contra o Preconceito e a Discriminação, e em Defesa dos Direitos Humanos aconteceu nesta quinta-feira, dia 14/09/2000, às 18 horas, na Câmara Municipal de São Paulo (Viaduto Jacareí, 100 - Centro

Por determinação da Justiça, o estudante J.S.S., de 17 anos, retornou às aulas no dia 18 de setembro na Escola Estadual Desembargador André Araujo, em Manaus, da qual havia sido transferido no início de agosto, sob alegação de que teria beijado na boca, nos corredores da instituição, seu colega R.N.M. O diretor da escola alegou que o beijo foi apenas a "gota d'água" e que os dois alunos estavam sendo transferidos por indisciplina. No entanto, o juiz da infância e da juventude Rafael Romano entendeu que havia o risco de J.S.S. perder o ano letivo e concedeu a liminar pedindo a reintegração do estudante à escola, solicitada pela advogada Suely dos Santos Costa, da Associação Amazonense de Gays, Lésbicas e Travestis. O outro garoto, R.N.M., pelo constrangimento causado pelo caso, preferiu aceitar a transferência. (22/09/2000)

Foi realizado na terça-feira, dia 26, na Câmara Legislativa do Distrito Federal, uma manifestação contra o veto do governador Joaquim Roriz ao projeto de lei, da deputada petista Maria José Maninha (foto), que pune a discriminação com base na orientação sexual. São necessários 13 votos de deputados distritais para derrubar o veto do governador e promulgar o projeto. Um protesto foi marcado para 9h30, nesse mesmo dia.

O Movimento e a Música...

...da nossa Música Brasileira são de mulheres " entendidas " ? (É, é esse o nome que se dá a essas moças). Não ? Pois vamos lá:

*Cássia Eller, verdadeira revelação dos anos 90

*Marina, a grande roqueira-pop dos anos 80

*Sandra de Sá, com seu irresistível balanço 

*Adriana Calcanhoto com suas belíssimas composições

*Maria Bethânia, eterna diva da Música Brasileira

*Simone, cada vez mais maravilhosa

*Zizi Possi, uma romântica inveterada, dona de voz maviosa e interpretação impecável

*Angela Ro Ro, a louca contestadora dona de composições e interpretações únicas ( quem conhece sabe )

*Ana Carolina, a melhor " garganta " dos últimos tempos

Pois é, a turma GLS cavou e conquistou o seu espaço mostrando que talento é muito mais do que opção sexual.

Elas fazem sucesso porque são BOAS naquilo que fazem. Colocam sua alma e seu coração nas canções e encantam todo tipo de platéia.  Ainda bem que o tempo em que até por ser separada a mulher era discriminada já acabou, caso contrário estaríamos privados de ver essa explosão de cultura que é nossa música, a mais rica e mais bela de todo o mundo, por não estarem sendo composta e cantada pelas mulheres " certas " .

Certo é quem é o que é sem dar bola para o que quer a sociedade, que a final, o que dá em troca ?

Se a editora chefe não brigar comigo, depois continuo a falar, tem muito mais...

Morgana de Avalon               
Jornalista free lancer ( no momento )        
Empresária artística ( sem distinção de       
preferências sexuais, empresaria todos os talentos )


Especial: Tchaikovsky

Piotr Ilitch Tchaikovsky nasceu em 7 de maio de 1840 - no calendário juliano, adotado na Rússia até a Revolução de Outubro, 25 de abril - na cidade de Votkinsk, às margens do Volga. Votkinsk era, na época, um dos mais prósperos centros siderúrgicos russos. Seu pai, Ilya, era o competente diretor da usina mineradora local; sua mãe, Alexandra, de origem francesa, era uma doce e dedicada dona de casa. Era uma família unida e feliz: por muito tempo Piotr haveria de se lembrar com carinho de seus pais e irmãos.

Desde cedo Piotr dava sinais de interesse por música. Quando tinha cinco anos, sua atividade predileta era passar horas ao piano com sua mãe, descobrindo sons. Porém, apenas quando a família se mudou para Moscou, alguns anos depois, é que tomou suas primeiras aulas formais, com o mestre Filipov.

Em 1850, a família escolheu a profissão do pequeno Piotr: advogado. Para tanto, deveria mudar-se para São Petersburgo, onde freqüentaria as aulas preparatórias para a escola de Direito da então capital russa. Piotr era um excelente estudante, metódico e muito aplicado. Antes mesmo de sua formatura, obteve um bom posto no Ministério da Justiça, que abandonou apenas em 1863, para dedicar-se à música.

Porém, é importante retornarmos a 1854, quando sua mãe haveria de falecer, vítima de cólera. Os biógrafos consideram a morte da mãe como o fato mais marcante da vida de Tchaikovsky. Ele mantinha verdadeira idolatria em relação a Alexandra, que foi, certamente, a pessoa que mais amou em sua vida. A morte da mãe acabou por criar um grande vazio emotivo que depois iria culminar na melancolia quase beirando a morbidez dos últimos anos do compositor.

Como que para compensar essa perda tão grande, por volta dos 18 anos Tchaikovsky mudaria radicalmente seu comportamento. Antes tímido, inseguro, recluso, agora um boêmio consumado. Por um bom período, Piotr entregou-se por inteiro à vida noturna, aos prazeres da bebida e do sexo. E é nessas noitadas que começa a despertar fortemente uma de suas características que mais o incomodariam intimamente: sua homossexualidade.

Tchaikovsky se sentia realmente incomodado com suas tendências sexuais, a ponto de tentar a todo custo reprimi-la. Mas não obteve sucesso. Embora não haja relatos de que tenha mantido um romance homossexual, em cartas - principalmente as destinadas ao irmão Anatoli - podemos saber que muitas vezes o compositor se deixava dominar por seus impulsos, em fugazes experiências com outros homens.

De qualquer maneira, a sexualidade reprimida geraria um sem número de conflitos interiores na já frágil personalidade de Tchaikovsky. Mais tarde, alguns atos desesperados seriam frutos de tais conflitos. Mas voltemos ao ano de 1863, em que Tchaikovsky decide largar a carreira jurídica para se dedicar exclusivamente à música. Matricula-se no Conservatório de São Petersburgo e estuda com seu afinco habitual.

Três anos depois, era chamado por Nikolai Rubinstein, irmão de Anton Rubinstein e diretor do recém-criado Conservatório de Moscou, para dar aulas de teoria musical e composição. Muda, não sem certo alívio, para a cidade, onde iria construir sua carreira musical. São dessa época a Primeira Sinfonia, Sonhos de Inverno, e sua aproximação com o chamado Grupo dos Cinco - Mussorgsky, César Cui, Rimsky-Korsakov, Balakirev e Borodin.

Por algum tempo, Tchaikovsky se viu atraído pelas idéias nacionalistas do "Bando Invencível", trabalhando sob a supervisão direta de Balakirev. Mas logo se decepcionou tanto com as propostas do grupo quanto com seus integrantes. E por toda vida, carregaria enorme desprezo pela música de Mussorgsky.

Em 1867, acaba se apaixonando pela célebre cantora francesa Desirée Artôt. Os dois se aproximam e incluem o casamento entre seus projetos. Mas o vacilante Tchaikovsky, temeroso tanto do casamento quanto do vexame de ser apenas o marido desconhecido de uma artista famosa, demorou muito a se decidir: Desirée, nesse meio-tempo, apaixonou-se por outro e partiu.

A decepção amorosa o inspirou em sua primeira grande obra-prima: a abertura fantasia Romeu e Julieta, concluída em 1869. O tripé amor-morte-destino da obra de Shakespeare se tornaria elemento recorrente de sua própria obra.

Alguns anos depois, em 1876, Tchaikovsky tomaria a mais desastrada - e trágica - decisão de sua vida: o casamento. Não por uma paixão como a vivida por Desirée Artôt, mas sim, nas palavras do próprio compositor, "para calar a boca de toda aquela súcia", escolhendo "qualquer uma" como esposa.

Pela correspondência aos seus irmãos que chegou até nós - uma grande parte foi destruída posteriormente pela família - podemos deduzir os verdadeiros motivos de tal decisão, como na carta enviada ao irmão Modest em setembro de 1876:

Como resultado de longa elucubração, de hoje em diante me prepararei para realizar um casamento, com quem quer que esteja disponível. Creio que nossas inclinações sejam o maior e mais insuperável obstáculo à nossa felicidade, e que devemos lutar com todas as forças contra a nossa natureza. Farei o possível para me casar ainda este ano, e, se não tiver coragem de fazê-lo, me libertarei, de qualquer forma, de meus hábitos, e o farei de forma a não ser mais visto na companhia de... Preocupo-me somente em erradicar de mim esta perniciosa paixão.

Resta um mistério: quem seria a "perniciosa paixão" estrategicamente coberta por Tchaikovsky pelas reticências? Ou não seria ninguém, apenas uma "inclinação natural", como insinua em outra carta ao irmão?

Pois em 1877, decidido a casar-se, Tchaikovsky recebeu, de uma aluna do Conservatório de Moscou, uma ardente carta de amor. A estudante chamava-se Antonina Miliukova, tinha 28 anos e era uma mulher bonita e agradável. Tchaikovsky encontrou-se com ela no dia 1o de junho, dois dias depois a pediu em casamento e no dia 18 já estavam casados.

Porém, Tchaikovsky não conseguiu suportar por muito tempo a situação. A mistura de horror à mulher com o intenso sentimento de culpa pela grande farsa que havia montado o levou aos limites da loucura. Em uma semana, pediu "férias" para a esposa e ficou um mês refugiado na casa da irmã Alexandra. De volta ao lar, tentou o suicídio, banhando-se nas águas geladas do rio Moscou esperando contrair pneumonia.

Em pouco tempo, fugiu para a casa do irmão Anatoli, em São Petersburgo, onde teve um colapso nervoso, ficando desacordado por dois dias. O divórcio deveria ocorrer rapidamente. Anatoli e o amigo Nikolai Rubinstein comunicaram a decisão a Antonina, que os recebeu cordialmente e acatou tudo com tranqüilidade.

Tranqüilidade apenas aparente, porém. Antonina logo demonstraria graves perturbações mentais. Volta e meia ela aparecia na casa de Tchaikovsky e constantemente o perseguia. Começou a oscilar entre profunda depressão e euforia histérica, temperada com uma ninfomania cujo resultado foi uma filha cujo pai não se conhece. O destino de Antonina parecia claro: o manicômio, onde foi internada em 1896.

Quase simultaneamente ao "casamento", em 1876, Tchaikovsky recebeu a primeira das milhares de cartas que lhe seriam enviadas por Nadedja von Meck nos próximos 14 anos. Nadedja era uma rica viúva de 45 anos, reclusa e desiludida em relação à vida, que descobriu uma viva atração pela música de Tchaikovsky. A relação entre os dois começou quando ela pediu-lhe a transcrição de algumas de suas obras orquestrais para violino e piano, para que pudessem ser executadas pelos seus músicos particulares (mais adiante, Claude Debussy seria um deles).

Em pouco tempo, os dois estariam trocando confidências íntimas e se descobririam apaixonados um pelo outro, platonicamente. Impuseram a si mesmos a condição de que nunca se veriam pessoalmente. Em algumas ocasiões, Nadedja esboçou uma tentativa de romper o trato, mas Tchaikovsky, receoso como sempre, impedia os encontros pessoais. O mais perto que chegaram um do outro: ela na carruagem, ele na rua, em dois ou três passeios planejados com boa antecedência.

Nadedja pagava uma pensão anual de 6000 rublos para o compositor, em troca das cartas que eram enviadas quase diariamente e dos manuscritos de novas obras, que eram exaustivamente discutidas e analisadas pelos dois. A Quarta Sinfonia, entre outras peças, foi dedicada "a minha melhor amiga": Nadedja. Com seu dinheiro, seu apoio e carinho, Tchaikovsky encontrou na rica viúva alguém que pudesse desempenhar o papel de mãe e protetora.

Enquanto isso, a fama de Tchaikovsky na Rússia e na Europa aumentava consideravalmente. Em algumas viagens que fez durante a década de 1880, o compositor pôde perceber o quanto era apreciado. Encontrou-se com Liszt, Brahms, Grieg e Dvorák, visitou Bayreuth, fez turnê triunfal pelos Estados Unidos, estreava com grande sucesso balés e óperas. Em várias destas estréias, contava com o decisivo apoio do Czar Alexandre III, outro fervoroso admirador.

Em 1890, recebeu uma inesperada carta de Nadedja von Meck. Nela, de maneira seca, Nadedja diz que perdeu toda a sua fortuna, que não poderia mais enviar a pensão ao compositor e que iria interromper defintivamente o contato entre os dois. Tchaikovsky ficou extremamente chocado e tentou inúmeras vezes reatar a relação, enviando bilhetes que nunca foram respondidos. Depois, abalou-se ainda mais ao descobrir que a fortuna da família Von Meck em nada tinha diminuído: ela mentira.

Até hoje, não se sabe o motivo de tão repentino rompimento. Ao que parece, Nadedja teria sido informada de certas "amizades particulares" que o compositor mantinha, o que teria a deixado escandalizada. Mas como, em 14 anos de constante correspondência, ela pôde ignorar um comportamento que era de conhecimento público? Permanece o mistério.

No ano seguinte viria a falecer a querida irmã Alexandra. Aos poucos, a vitalidade e o ânimo de Tchaikovsky começavam a ruir. Poucos dias depois da estréia da Sexta Sinfonia, Patética, ocorrida em 28 de outubro de 1893, o compositor fica gravemente doente. É a cólera, que se alastrava em São Petersburgo. Não resiste. No dia 6 de novembro de 1893, morre Piotr Ilyitch Tchaikovsky. Sua última palavra: maldita.

Segundo consta, Tchaikovsky tomou um copo de água não fervida, mesmo tendo conhecimento da epidemia, em 2 de novembro. Suicídio? A lenda diz que sim, mas nada podemos provar. Este é mais um dos mistérios que a morte de Piotr manterá para sempre insolúveis.

Edgard Bikelis       
Magno Império de Hibérnia  

 

Expediente:

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Colunistas: Alex Vicente, Morgana de Avalon
Colaboradores: Edgard Bikelis  
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