AMA-ME, POR FAVOR
  O sol se foi. A noite já começa a assobiar sussurros frios que valsam sob minha pele trazendo você para perto de meus olhos. Eu o fito de cima a baixo, tentando engolir seu sorriso amarelo, farejando as brumas de seu corpo trepido, lambendo o vapor surrado de seu suor... É inevitável. Meus lábios vão lentamente se abrindo, e nesse abrir arrastado suspira baixinho:
   - Ama-me, por favor...
   Com a mesma lentidão de meus lábios suas pálpebras começam a se tocar, sem me dizer absolutamente nada vai dando forma ao vazio acolchoado do silêncio que me entontece, me prendendo nas teias ecoadas de minha voz pesada que abruptamente escorrega da minha boca compondo a frase repetida:   
   -Ama-me, por favor...
   Não posso me conter. As lágrimas vão escorrendo sob meu rosto esmorecido, como se o mar estivesse caindo em prantos, e novamente o suplicio agora em tom mais elevado:
   -Ama-me, por favor...
   Os vestígios de seus lábios vão se fechando em fragmentos mudos me consumindo em delírios. Vou te perder, não parta, não vá novamente:
   -Ama-me, por favor...
   E você com seu ar frigido e seu olhar ensurdecedor toca suavemente minhas mãos abrindo espaço para o meu olhar desesperado fitar seus lábios cerrados dizendo em murmúrios
   - Venha... venha... venha...
   Pela primeira vez escuto sua voz. É um chamado! Mas não tive tempo de pensar nas mil coisas que uma mulher pensa quando recebe o chamado de seu amado. Foi muito rápido, tal qual a brisa gelada que invade as frestas da janela em noites de julho e também nem poderia passar pela minha imaginação tal comparação sólida de brisas geladas com de noites de julho, afinal era setembro e a primavera me consumia com seu odor!
   Primeiro com os olhos, depois com o corpo eu fui seguindo-o como uma loba vagabunda no cio... Até que você passou através do espelho e eu com os meus olhos imersos em águas salgadas fiquei absorta na tua face esbranquiçada pelo clarão trêmulo da lua. Vi-te seguindo pela porta do infinito e não consegui resistir, toda aquela devoção submissa e calada que guardei dentro de mim por noites a fio estourou-se numa tremenda e horrenda dor, que penetrou em meu corpo se figurando num grito culminante de desespero.
   O espelho se quebrou.
   Os cacos de vidro cristalinos foram se misturando com os pingos salgados, mas não menos cristalinos, que caíam de meus olhos. E sob o abismo de barro batido coberto de lágrimas e vidros em que eu me encontrava ajoelhada quase que em oração, começaram a aparecer frases alucinógenas como:
   - Você não pode me amar.
   Eu podia sim amá-lo e amava-o com toda a seiva de minha alma e por este motivo não desisti e não calei, gritei novamente:
   - Ama-me, por favor.
   E de novo aqueles estilhaços de vidros me diziam:
   - Você não pode me amar...
   Mas desta vez a frase dolente veio acompanhada de outra mais dolente ainda:
   - Eu sou seu espírito, seu próprio espírito...
   Eu calava meus ouvidos e vetava meus olhos e continuava gritando, gritando sempre:
   - Ama-me, por favor...
   Neste momento em que me consumia pelo delírio insensato de meus berros o vi novamente e mesmo contra minha vontade calei-me em soluços desgastados e sem sequer cerrar os lábios disse-me em tom de valsa:
   - Amiga, amor não é impor, amor é simplesmente amor...
Autora: Luana Cristina
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