"(...) hoje sou eu que
estou te livrando
da verdade
." ANA CRISTINA CESAR

"(...) Olho muito tempo o corpo de um poema
até perder de vista o que não seja corpo
e sentir separado dentre os dentes
um filete de sangue
nas gengivas." ANA CRISTINA C
ÉSAR

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"Tudo
será difícil de dizer:
a palavra real
nunca é suave.
Tudo será duro:
luz impiedosa
excessiva vivência
consciência demais do ser.
(Toda palavra é crueldade)" ORIDES FONTELA

"Hamlet"
...mais filosofias
que coisas ! ORIDES FONTELA

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Introduzi acima quatro fragmentos de poemas de duas poetas que muitas das vezes me inspiram.

ANA CRISTINA CÉSAR, ou simplesmente ANA C, como gostava de assinar seus escritos,
nasceu na cidade do Rio de Janeiro. Fez parte da geração de poetas marginais da década
de 70 e viveu por 31 anos, até 1983. Seus últimos versos são a pista de uma angústia
transparente: "Estou muito compenetrada de meu pânico/ lá dentro tomando medidas
preventivas."

ORIDES FONTELA, nasceu na cidade de São João da Boa Vista (SP), mudou-se para São
Paulo onde encontrou o apoio de Antônio Cândido, Augusto Massi, Davi Arrigucci Jr.,
José Mindlin, Marilena Chauí, Eunice Arruda, Ieda de Abreu e alguns outros.
Pessoa de personalidade complexa e difícil, Orides se reconhecia áspera e sem travas na
na língua. Há em seus poemas um tom de amargura lírica e seca. Faleceu em 1998 aos
58 anos de idade.

Para saber mais sobre elas basta se dirigir aos seguintes links:
Ana C -
http://www.lumiarte.com/luardeoutono/accabertura.html
Orides Fontela - http://www.paubrasil.com.br/orides/

Abaixo estão alguns de meus poemas selecionados. Por acaso, a maioria deles não têm
título, nada intencional de minha parte, apenas não sinto a necessidade de dar um nome
àquilo que escrevo.

Boa leitura!

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- Corre !!!
- Corro !!!
- Corre !!!
- Corro!!!
Corre a noite, corro em disparada.
Marte já vai longe, o planeta se foi para sempre.
"Para Sempre", lembra infinito, e nada é infinito, e nada retorna.
A vida segue sua sina... minha sina corre nas veias, é vermelha como marte
e eu a espalho.
Espalho a confusão, o desentendimento, a vida...
Agora é outro dia e recebi outro não.
E assim vou me encharcando de palavras nessa minha
cela, nesse meu espaço, nessa minha finita vida.
13-10-88

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Não transmitirei meu legado a filho nenhum(*).
Não doarei a miséria humana a ninguém.
O vício, o vício é a esperança.
A esperança de não mais ouvir pessoas erradas.
De ser um mago criador de ilusões.
Não molharei mais os pés nas águas dos mortos,
quero apenas minha cartola, para que dela possa tirar fantasias
que encherão os buchos dos homens-animais.
E satisfarão meu cérebro.
Sinto correr agora nas veias o sangue da tarde - sereno e puro.
A estabilidade de meus sensores escapa aos dedos.
Sinto no ar a confusão das palavras
que não se encontram com os atos.
E agora me confundo na realidade do sonho-pesadêlo.
Jan. 89 - * Machado de Assis

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Envelhecer; sinto o tempo que passa.
É mágico, surreal e ao mesmo tempo impressionista.
Hoje acordei com a sensação de ser um quadro, que algum pintor desconhecido
fez há muito tempo. Sou esse quadro, que choca aos olhos no primeiro impacto,
mas também sou onírico, levitável, indefinido.
Com o controle remoto à mão, passo rapidamente por todos os canais e encontro
a poesia concreta, geométrica, pipoca moderna, é o verdadeiro cinema falado.
Abril 92

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Somos duas metades obtusas,
partes de um todo.
Caminhamos por universos distintos,
objetivos iguais.

Fios nos unem e nos separam.
Estamos aqui entre quatro paredes.
Não sabemos de nada
e queremos tudo.
Somos tudo.
Somos ilhas, somos mares, somos desertos,
somos matéria viva.

E você desbrava essas terras,
minhas terras, meu corpo,
minha alma.
Conhece meus sonhos,
meus sentidos, minha vida.

Eu sou o objeto descoberto,
o metal bruto, essa parede de granito estilhaçada.

Somos este quebra-cabeça,
espatifado em poucas peças,
tentando nos unirmos nessa nossa
distância.
Set. 99

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CLANDESTINOS

Clandestinos em nosso próprio universo.
Confusão de palavras,
cuspidas no espaço.

Pintei de vermelho sua boca
pra dizer que me pertencia.
Ledo engano de posse.
Joguei água nos olhos,
pra que a paisagem do seu corpo
se dissolvesse por completo.

Seu cheiro continua na
minha pele,
constante desejo.

São dias perfeitos.
Out. 99

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Ainda que distante
continuo sendo o senhor de meus domínios.
A vida é um cruzeiro incerto,
não sei onde chegarei,
nem porquê motivo navego.
Quero mais que apenas quinze
minutos de Warhow.
Speed - Factory.
Tiro fotos usando Ray-Ban.
Permeio essa realidade sufocante,
essa visão amortecida.
Estou conciso, arquitetando
planos de destruição.
Incendiar cabeças,
imagens primárias,
minhas armadilhas de sedução.
Dez. 07-99

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Deslizo minha língua por teu corpo,
sinto teu gosto.
Mordo tua carne, mordidas sem dor.
No abraço mais forte,
vem a fusão dos corpos.
Estamos unidos,
minha mão ao alcance da tua,
trocas de saliva, de afagos.
Você me ganha e nessa hora sou teu.
Sou o que te adora,
que te ergue,
que te faz digno.
E tu me pertences nesse instante mais íntimo.
Mar. 2000

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VIVA (ou A Flor e o Espinho)

Em meu deserto interior,
Há uma flor de cactos,
Rodeada de espinhos,
Plantada e viva em terreno árido,
Mas viva.
Sufocada em tempestade de areia.
Já não trilho o medo, essa mentira.
E o medo é o único e perfeito
Oposto do amor.
O amor é o objeto da arte
E toda arte teme render-se,
A seu objeto.
Mergulho.
Vou à tona,
E outra vez mergulho.
O fundo dos oceanos
É mais inexplorado que o solo lunar.
Meu pulso "ex-pulsa" sangue,
No fundo de uma banheira
De águas salgadas.
"The boy with a thorn in the side".
Abr. 07-2000

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Num átimo,
Tu invades minha quietude.
Eu que já estou em pé,
Salvo em porto seguro.
Na velocidade absurda de metrópole
Que não cessa,
Sangue venoso que flui por entre as vias,
Corre e arrasta o tempo.
Visualizo tua boca, teus olhos
Tua língua, teus pêlos...
Desejos de vitrine. Pontos de interrogação.
Lanço-me em direção aos vitrais,
Quero estilhaça-los, triturar o vidro,
Liberar a energia contida neles.
Pulverizar a história de cada
Caco caído ao chão.
E a cidade não pára
E eu vou abrindo caminho
Em seus elos,
Suas marginais,
Suas avenidas;
Entorpecido pela plástica,
Pela modernidade que invade
Minha curiosa visão.
E eu quero tudo isso
E mais.
S.P. 17-07-2000

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Mirei teus olhos
cacei-os na noite.
Não mais te dou prazer.
Não mais te darei prazer nenhum.
Roubo a tesoura da caixa de Pandora
e corto tuas palavras,
transformo-as em confetes
para serem jogados na festa da carne.
"Ecstasyado", preciso de
um antídoto que me faça chorar.
Não sou objeto do teu diário,
nem pertenço a tua música.
Bela vista daqui de cima
- vejo o mar.
É negro, black, dark...
Glow in the dark...
Mas não tenho saudade dessa cidade.
O cristo com braços abertos,
me olha com olhar reprovador
e eu nem medo dele tenho,
nem do animal que dança a minha frente
se jogando aos pombos ao som de
um realejo.
Cartada barata...
Perfume barato...
Ausência de mistério.
UDI 08-08-00

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Via Dutra sobre rodas.
Tiro a areia do corpo,
O sal da mente,
Pele queimada de sol...
Alguém que vai embora.
Siga a seta, coca-cola
Coca-cola.
De que adianta me prender
Por tão pouco?
A vida é vasta.
O universo é vasto
On the road - Kerouac - on the road.
Sinto-me exilado em meu
Próprio espaço,
Entorpecido por uma paz oca,
Vítrea.
Rio 06-12-2000

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Uma palavra que fosse música,
se música não há.
Um grito solto no espaço,
se espaço houvesse.
Um gesto sensível,
se sensibilidade existisse.
O dilema do gozo
encobre a verdade,
dilacera a carne.
Há sim, um timbre de voz
contido,
paralisado no ar.
Impresso na profundeza
de um gélido espelho embaçado.
Antigo objeto de cristal
esquecido na parede de
um quarto.
Estático.
22-12-2000

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A primeira meia hora
é sempre a mais angustiante.
A primeira meia hora
é sempre a mais esperada.
A primeira meia hora
é sempre a mais temerosa
A primeira meia hora
é sempre a mais desejada.

A outra meia hora
nada angustia
nada espera
nada teme
nada deseja.
A outra meia hora
apenas se compenetra
se espreme...
A outra meia hora
se transforma no passado
que nunca foi futuro.
24-01-2001

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Cave Canen

Equilibrista em corda bamba
Ilusória
Coordena seus malabares de fogo.
Não se queima, nem queima.
Assisto, me divirto
Me assusto
Cuspo bolas de fogo.
Capturo a cena
Sem ao certo saber o quanto
Patética é,
Fragmentária...
Estado cítrico de poeta
Trágico.
Cave canen... cave canen...
Zipando canais, fagocitando cenas
Letárgicas (lisérgicas)
De estrobo.
Não desequilibrar, não cair,
Eis o desafio do equilibrista.
20-05-2001