Este trabalho foi realizado no segundo semestre de 2000 por:

Cinara Glaise Puglia,

Janaína Pérola D’Arcádia Fonseca Spolidorio,

Maria Ângela Ribeiro Barbosa,

Margareth R. T. Miyamoto,

Marlene Aparecida Medeiros e

Renata de Felice Del Monte.

 

APRESENTAÇÃO

 

 

O Jogo Narrativo

– Ώ Qué gigantes? – dijo Sancho Panza

– Aquellos que allí ves – respondió su amo – de los brazos largos, que los suelen tener algunos de casi dos leguas.

 

 

PREFÁCIO

Normalmente, ao se ler um romance, com a intenção de se fazer um estudo sobre a obra, procura-se fazer uma leitura mais atenta que a habitual. Nota-se, então, as partes do enredo, personagens, o tempo, o espaço, foco narrativo. No caso de Dom Casmurro, pode ser encontrado também, além dos pontos já citados, um jogo narrativo. Machado de Assis, grande personalidade da literatura mundial, constrói um intrincado jogo em que nada aparece por acaso. Percebe-se a existência desse jogo, pois é possível estabelecer-se regras para a leitura do romance, a fim de serem melhores observadas as intenções do narrador.

Resta ainda salientar que a obra de Machado de Assis parece estar toda interligada. Em Memórias Póstumas de Brás Cubas, aparece um personagem que depois se torna outro romance, Quincas Borba. O livro Esaú e Jacó é, segundo seu narrador em terceira pessoa, uma parte dos cadernos do Conselheiro Aires, que por sua vez, será o narrador em primeira pessoa do Memorial de Aires. O próprio Dom Casmurro, parece ter um predecessor, Casa Velha. Isto sem falar dos inúmeros contos em que suas idéias, esboçadas nos romances, aparecem ampliadas e desenvolvidas. Algumas dessas idéias são muito recorrentes, dando matéria a pesquisas e reflexões mais intensas.

Este pseudo ensaio pretende analisar apenas algumas dessas matérias, dado o tempo de pesquisa ter sido muito pequeno, o que impediu um maior aprofundamento dos assuntos.

O JOGO NARRATIVO

CAPÍTULO PRIMEIRO – DO TÍTULO

Uma noite destas, resolvi começar a ler um livro. Entrei na biblioteca e retirei da estante um que me pareceu em bom estado – Dom Casmurro. Não digo que o tenha escolhido por algum motivo específico, pois, realmente, era apenas um entre tantos. Observei a sua espessura, só para calcular o tempo de leitura. Não levaria muito tempo.

Logo ao primeiro capítulo fiquei a cismar. Este narrador está tentando enganar-me. Encontrou um moço que lhe leu alguns versos. Dormiu durante a leitura e ousou fingir que escutava o rapaz. O pior de tudo é que teve a audácia de ocultar a mim, leitor, que dormia. O narrador disse: "... pode ser que os versos não fossem inteiramente maus...", e ainda queria que eu acreditasse que ele os ouviu. Atribuiu também ao título um significado falso, "Não consultes dicionários." Dava-me ordens.

Minha primeira reação, ao descobrir que estava sendo enganado foi fechar o livro e verificar o seu autor. Em letras miúdas e douradas li: Machado de Assis.

Retornei à estante e resolvi pegar um velho livro de literatura brasileira. Eu sabia quem era Machado de Assis, mas queria confirmar biografia e características do movimento literário ao qual pertencia o autor.

De posse de tais informações, decidi que teria de ler o livro mais de uma vez. A primeira vez, naquela mesma noite, fiz a leitura sem me preocupar com o que havia nas entrelinhas. Ao ler o último capítulo, percebi que o narrador havia dado uma pista valiosíssima ao dizer que "... uma estava dentro da outra, como a fruta dentro da casca...". Apesar de estar se referindo a Capitu, uma das personagens de livro, encarei a pista tal como a personagem mais famosa de Sir Arthur Conan Doyle o faria. Percebi, desde este momento, que um complexo jogo estava presente em Dom Casmurro. Rapidamente, peguei um papel e rascunhei algumas regras que pudessem me manter no rumo certo durante a segunda leitura do. Ao fechar o livro, tive a estranha sensação de que era o próprio livro que me ditava tais regras. Creio que foi somente impressão, pois é claro que um livro é incapaz de falar. Certo de que Sir Arthur Conan Doyle me inspirava a seguir pistas, retornei ao Dom Casmurro.

CAPÍTULO SEGUNDO – DO TRABALHO

Agora que expliquei o título, passo a escrever o trabalho. Antes disso, porém, digamos os motivos que me põem o teclado nas mãos. Enquanto fazia essas reflexões observei que estavam dispostos, um ao lado do outro na mesa em que estava sentado, Silviano Santiago, Helen Caldwell, John Gledson, Afrânio Coutinho, além de um exemplar da Bíblia Sagrada e outro de mitologia clássica... Não alcanço a razão de tais livros. Sou aluno de Letras, e, sinto-me no dever de fazer um bem à humanidade. Fazer um trabalho que analisasse o jogo presente no livro certamente colocaria seu sorriso irônico em xeque-mate e ajudaria as pessoas a escolher melhor seus amigos de cabeceira. Depois, percebi que o livro não merecia receber tanta atenção, e, desta forma, resolvi escrever algo mais técnico. Escrever algo que auxilie os alunos a fazer pesquisas e a não se deixar levar por certos registros sem questionamento prévio é muito mais interessante. Sendo assim, mostrarei o que percebi, e assentarei a mão para uma obra de maior tomo... uma tese talvez. Eia, comecemos a evocação por uma célebre noite, ocorrida uma semana após a leitura primeira de Dom Casmurro.

CAPÍTULO TERCEIRO – O DOM

Estava eu na biblioteca, e já era bem tarde. Havia vários livros espalhados pela mesa, e eu conhecia já a intimidade de cada um deles. O único mistério que restava era o próprio Dom Casmurro. Apesar de estar terminando minha oitava leitura, não conseguia iniciar um trabalho, pois não tinha como seguir uma só linha de pensamento. O cansaço era demais, e admito que fechei os olhos algumas vezes durante a leitura. Foi então que, estranhamente, ouvi uma voz chamar minha atenção:

– Ei!

– Quem me chama? Onde você está?

– Aqui, na prateleira, bem atrás de você.

Virei-me e mirei a prateleira. Era referente a contos de fadas. A voz continuava a chamar-me. Logo, um livro veio ao chão. Peguei-o, e li seu título: Chapeuzinho Vermelho.

– Pensei que não fosse me achar nunca.

– Você está falando... Livros não falam.

– É lógico que falam. Não são todos os humanos que nos ouvem. Somente os escolhidos. Queria lhe falar sobre seu trabalho.

– Você? Chapeuzinho Vermelho? E o que você sabe sobre Dom Casmurro?

– Queria dizer-lhe que acredito. Capitu e Escobar são realmente o lobo da história. Quis dizer-lhe isto para o auxiliar em seu trabalho. Me identifico muito com Bentinho, pois ele também é ludibriado quando entra no bosque da vida. Ezequiel deveria comer bolinhos envenenados!

Ia dizer-lhe que estava enganada, era apenas uma leitora muito inocente, mas adormeci sobre o livro. Talvez meu dom de falar com os livros só ocorresse algumas vezes. Dom Casmurro voltara às minhas mãos. A denúncia de Chapeuzinho Vermelho era certamente um sinal divino. Me senti como Joana D’Arc , pois certamente eu era escolhido.

CAPÍTULO QUARTO – LEITOR INOCENTE

Fiz alguns apontamentos, explicando que um leitor inocente é aquele que não se dá conta da existência do jogo narrativo e acredita no narrador. "...Mas eu creio que não, e tu concordarás comigo; se te lembras bem da Capitu menina hás de reconhecer que uma estava dentro da outra, como a fruta dentro da casca."(cap. CXLVIII). Neste trecho, o narrador quer que o leitor concorde consigo, no entanto, a única lembrança que possa haver de Capitu para o leitor é dada pelo narrador.

CAPÍTULO QUINTO – PACIÊNCIA

Sei que está curiosa a respeito das regras do jogo, mas a paciência é uma virtude. Talvez possa usá-las, se as achar interessantes e úteis. Se não pode pular o próximo capítulo.

CAPÍTULO SEXTO – AS REGRAS DO JOGO

Volto agora às regras do jogo que mencionei no primeiro capítulo.

  1. Não te esqueças que o jogo está dentro do livro, assim como a fruta dentro da casca.
  2. Tem sempre em tua mente que Dom Casmurro é uma ópera, escrita por Deus e musicada pelo Diabo.
  3. Recorre a uma biblioteca, pois tudo é matéria às curiosidades. As citações serão inúmeras e se não te servirem para desvendar os mistérios, ao menos tornar-te-ás mais culto.
  4. Sê religioso. Segue São Tomé.
  5. Sê os próprios vermes dos livros. A eles foi dedicado um capítulo e toda uma obra.
  6. Lembra-te: estás a ler um livro escrito por um advogado.
  7. Busca somente o último conteúdo da caixa de Pandora.
  8. Mantém teus olhos bem abertos e desconfia de tudo.
  9. Não penses que moinhos são gigantes
  10. Pesquisa a raiz de tudo, pois a essência é o primordial.
  11. Relaciona a frase do grande Shakespeare. "To be or not to be – that is the question" com a frase do ilustre filósofo Joaquim Borba "Ao vencedor, as batatas".
  12. Sê minucioso. Haverá pistas nos mínimos detalhes.
  13. Obedece, quando julgares prudente – algumas ordens serão de grande esclarecimento.
  14. Ata as pontas do livro – um estará dentro do outro.

CAPÍTULO SÉTIMO – DOS NOMES

Minhas pesquisas complicaram-se um pouco na semana seguinte, pois uma funcionária da biblioteca interrompeu-me. Ela sempre me questionava se gostava deste ou daquele nome. Costumava andar para cima e para baixo com um dicionário de nomes. Dizia que era importantíssimo saber o significado deles. Eu nunca tinha atentado para tais detalhes banais e disse-lhe mesmo que era coisa de mulher. Todas as vezes que lia um livro procurava o significado dos nomes das personagens que mais lhe agradassem no dicionário.

– Você sempre lê este livro. Por que não procura no dicionário os significados dos nomes das personagens que mais lhe chamam a atenção? Pode ajudar-lhe em seu trabalho.

Achei a idéia absurda, mas para agradar-lhe fiz o que me mandava. Ela pediu-me que os lesse em voz alta, para ver se valia a pena ler o livro.

– Bem, o primeiro nome é Capitolina. Este é feminino de Capitolino, um nome latino. Quer dizer glorioso, do Capitólio.

– O nome não é muito bonito, mas o significado é bem pomposo!

– Tem também Santiago... de origem espanhola. É aquele que suplanta, que vence. Apesar de ser uma tolice de mulher, até que faz sentido cada um deles.

– Logicamente. Penso que os escritores não dão nomes quaisquer às suas personagens. Continue, parecem-me interessantes estes nomes.

– Bento, que é o primeiro nome de Santiago, quer dizer abençoado, louvado; e o nome de seu filho, Ezequiel, é de origem hebraica e significa força de Deus.

– Que mistura exótica de nomes!

– Sim, o da mãe de Bento, D. Glória, é tirado de uma das invocações de Nossa Senhora; e o do agregado da família Santiago é de origem hebraica, significando aquele que acrescenta.

– Veja só que interessante! A maior parte dos nomes é relativa a nomes cristãos, mas há um nome de origem latina e outro de origem espanhola – disse a funcionária voltando ao balcão.

Tão logo ela me deixou, comecei a fazer apontamentos sobre os nomes pensando que, obviamente são caraminholas de mulher, mas não dizem que elas têm um sexto sentido?

CAPÍTULO OITAVO – LEITOR DESPRENDIDO

Reparei naquele momento que a funcionária da biblioteca havia me mostrado mais um tipo de leitor, o leitor desprendido, pois, apesar do meu desinteresse e preconceito, não deixou de emitir sua opinião.

CAPÍTULO NONO – LEITOR PERSPICAZ

Ao final da tarde, cansado de tentar reconstruir o meu quebra-cabeças, observei um rapaz, na mesa ao lado, que, suspendendo um momento sua leitura, olhava para o livro de maneira que pudesse comparar a quantidade de folhas já lidas e as restantes. Após uma fração de tempo, sorria ironicamente. Refleti um pouco e encontrei o leitor perspicaz, aquele que duvida do narrador e forma opiniões próprias. "...Aqui deveria ser o meio do livro, mas a inexperiência fez-me ir atrás da pena, e chego ao fim do papel, com o melhor da narração por dizer." (cap.XCVII) "Como podia saber, naquele momento preciso, que tinha chegado ao meio do livro? O que é o meio de um livro? E o meio de um livro que está sendo escrito? Um livro pode ter tantas páginas quantas queira o autor. Seu tamanho depende sempre das intenções de quem escreve (...) Portanto, apressar a narrativa, o melhor dela, como ele próprio nos diz, só porque tinha ultrapassado um marco que na realidade não deveria existir, é porque há motivo."

CAPÍTULO DÉCIMO – LUCRÉCIA

No dia seguinte, voltei à biblioteca, logo que pude. Cheguei muito cedo, e aguardei um pouco até abrir. Neste tempo, participei de uma cena curiosa em frente à biblioteca; porém tratarei disto mais tarde. Neste capítulo me restringirei a contar algo interessante que me ocorreu quando estava a transcrever uma parte do livro: "...Quis puxar as de Capitu, para obrigá-la a vir atrás delas, mas ainda agora a ação não respondeu à intenção. Contudo, achei-me forte e atrevido. Não imitava ninguém; não vivia com rapazes, que me ensinassem anedotas de amor. Não conhecia a violação de Lucrécia..." Neste ponto, fui interrompido por uma moça:

Ύ Que coincidência!

Ύ Desculpe-me. Não tinha visto que havia alguém ao meu lado. Meus livros lhe atrapalham?

Ύ Você estava tão compenetrado que não quis incomodá-lo. No entanto, não resisti e dei uma olhadinha em seus apontamentos. Achei-os interessantes, pois estou justamente a ler um conto no qual uma das personagens é Lucrécia, e pelo que vejo foi escrito pelo mesmo autor que você está estudando.

Ύ Deve ser coincidência mesmo. Veja... no rodapé da página há uma anotação explicando que Lucrécia é uma personagem romana. e... qual é mesmo o nome do conto que está a ler?

CAPÍTULO DÉCIMO PRIMEIRO – VIOLAÇÕES

Ύ O nome do conto é "O caso da vara". Conta a história de um seminarista que foge do seminário e tenta conseguir ajuda com uma senhora... Sinhá Rita, que ensina rendas de bilros às moças. Sua esperança é que ela convença seu pai a tirá-lo do seminário. Sinhá Rita é muito rigorosa com as moças, e repreende uma delas quando esta ri de uma graça que o seminarista fez. Ameaça bater nela com uma vara se não acabar o serviço até à noitinha.

Eu já estava impaciente, pois queria concluir minhas anotações. Como a moça não chegava a lugar algum, resolvi apressá-la:

Ύ Mas, onde Lucrécia se encaixa?

Ύ Seja paciente. Lucrécia era a moça ameaçada. Ao final do dia, todas as moças já tinham terminado o serviço à exceção de Lucrécia. Sinhá Rita pede ao seminarista que pegue a vara, que está próxima dele. Este hesita, pois não quer ver a moça apanhar. Entretanto, sua vontade de sair do seminário é muito maior; e acaba entregando a vara a Sinhá Rita. Lucrécia tinha muito medo...medo de apanhar.

Ύ É...Dizem que coincidências acontecem. Mas há muitas Lucrécias famosas. O que levou o editor a escolher esta em especial é a continuação do texto, que muda de assunto e não de parágrafo. Talvez o editor tenha caído nas armadilhas do narrador.

CAPÍTULO DÉCIMO SEGUNDO – A TROCA

Aquele foi um dia realmente agitado. O engraçado, era que algo me dizia que seria um dia muito proveitoso.

Logo depois que a moça do Caso da Vara me deixou, apareceu-me um Hare-Khrisna, tentando vender-me alguns incensos. Não os queria, mas como o homem insistiu bastante, acabei barganhando minha paz com ele. De brinde deu-me um encarte, no qual estava escrito : "Olhe a natureza e procura a verdade oculta no interior da ilusão". Achei bonito.

Acudiu-me, subitamente, que eu ainda tinha que anotar algumas descobertas que havia feito sobre os quadros de César, Augusto, Nero e Massinissa. Não pude tomar nota na hora, pois isto ocorreu-me enquanto dormia.

CAPÍTULO DÉCIMO TERCEIRO – O SONHO

Penso que só tive tal sonho por causa de meu dom. Imagina, cara leitora, que me encontrava na casa onde passei minha infância querida, que os anos não trazem mais. Estava a brincar com meus soldadinhos e meu cavalo malhado, o favorito, quando um dos soldadinhos dirigiu-se a mim:

Ύ Ei, não notastes nada de distinto na sala?

Ύ Nossa! Você fala?

Ύ Considerando ser um sonho, posso dizer que sim.

Ύ Tem de estragar minhas recordações desta forma?

Ύ Considera-me teu anjo, menino.

Ύ Anjo? – olhei desconfiado para a espada em sua mão.

Ύ Minha graça é John Gledson.

Ύ Ah, não! Será que nem em meu sono tenho o direito de reconstruir meus momentos felizes?

Ύ Vim aqui somente, para informar-te algo sobre os quadros do capítulo II. Quero sobreavisar-te que "A própria ordem dos quadros sugere certa manipulação autoral (isto é, machadiana), pois (já que os quatro medalhões estão nos quatro cantos do quarto) poderia parecer mais natural começar com Massinissa, cronologicamente o primeiro dos quatro, em vez de terminar com ele".

Estava mais interessado no movimento das palavras naquele momento do que em seu próprio significado. Enquanto John Gledson falava os quadros referidos se moviam em minha sala.

Ύ "Ademais, por que três imperadores romanos teriam por companhia um aliado númida de Roma?"

Quando retornei, meus olhos no soldadinho, este estava estático. Mesmo assim, o que ia dizer-lhe saiu de meus lábios como se ainda estivéssemos a conversar:

Ύ Esse teu jeito de falar lembra-me muito os oráculos...ou será Capitu?

CAPÍTULO DÉCIMO QUARTO – LEITOR INCLUSO

Apesar do cansaço fiz nova leitura. Ao chegar ao final do romance percebi que o narrador fica tão íntimo do leitor a ponto de saber com certeza, ou ao menos ter a presunção de saber, o que pensa o leitor. Encontrei neste ponto o leitor incluso. Consiste no truque de trazer o leitor para dentro do romance e conversar com ele, como se fosse uma personagem a mais da estória. O leitor incluso possui vida própria na ficção machadiana, com gestos, fisionomias e postura mental. "A leitora, que é minha amiga e abriu este livro com o fim de descansar da cavatina de ontem para a valsa de hoje, quer fechá-lo às pressas, ao ver que beiramos um abismo. Não faça isso, querida; eu mudo de rumo." (cap. CXIX) Há também um outro exemplo de leitor incluso no cap. CXXIX onde uma personagem do romance aparece na velhice como uma possível leitora. "D. Sancha, peço-lhe que não leia este livro; ou, se o houver lido até aqui, abandone o resto. Basta fechá-lo; melhor será queimá-lo, para não lhe dar tentação e abri-lo outra vez. (...)"

CAPÍTULO DÉCIMO QUINTO – NUVENS

Ao reler o capítulo anterior, olhei pela janela. Havia imensas nuvens como enormes blocos de algodão. Este tipo específico de nuvem é capaz de fazer qualquer casmurro voltar a ser criança. Apertei o olhar e comecei a decifrar a escultura da natureza. Aos poucos pude ver um gigante agitando seus braços e que aos poucos transformava-se em moinhos de vento... Me dei conta de que apenas duas das personagens mais importantes estão vivas à época da confecção da narrativa, o próprio narrador e Sancha. Casmurro e Sancha... Fiquei a refletir nisso quando uma garota entrava espavorida e perguntava à bibliotecária:

– Vocês têm o Dom Quixote, de Cervantes?

CAPÍTULO DÉCIMO SEXTO – O MEDO DA VARA

Antes de deixar a biblioteca, comecei a lembrar dos acontecimentos daquela manhã. Uma mãe com seu filho dobraram a esquina da rua da biblioteca. Não me era possível ouvir o que ela lhe dizia, mas o garoto estava quase a chorar. Quando estavam próximos de mim, o menino começou a chorar desbragadamente. A mãe ameaçou bater-lhe, e o pequeno escondeu-se por entre minhas pernas. Achei graça de seu ato. Parecia um animalzinho assustado a clamar por sua sobrevivência. Estaria ele chorando com medo de apanhar, ou com medo de revelar algo?

Minhas reflexões foram interrompidas quando a moça da biblioteca avisou-me que já estava quase na hora de interromper o expediente. Decidi deixar este assunto de lado, e terminar de escrever o que havia começado:

"– Medo?

– Sim, pergunto se você tem medo.

– Medo de quê?

– Medo de apanhar, de ser preso, de brigar, de andar, de trabalhar... (...)

– Mas... não entendo. De apanhar?

– Sim." ( Cap. XLII )

CAPÍTULO DÉCIMO SÉTIMO – CONIVÊNCIA

Resolvi, No dia seguinte, traçar um perfil do comportamento dos pais de Capitu. Podem-se citar vários trechos em que se observa a conivência de D. Fortunata e do Sr. Pádua nos avanços do namoro dos jovens, nunca esquecendo, entretanto, que o retrato é pintado pelo Dr. Bento Santiago.

"... De resto, ele chegou sem cólera todo meigo, apesar do gesto duvidoso ou menos duvidoso em que nos apanhou..." (cap. XV); "... Depois, parece-me que desconfiou. Vendo-me calado, enfiado, cosido à parede, achou talvez que houvera entre nós algo mais que penteado, e sorriu por dissimulação... (cap. XXXIV); "...Outra vez D. Fortunata apareceu à porta da casa; não sei para quê, se nem me deixou tempo de puxar o braço; desapareceu logo. Podia ser um simples desencargo de consciência, uma cerimônia, como as rezas de obrigação, sem devoção, que se dizem de tropel; a não ser que fosse para certificar aos próprios olhos a realidade que o coração lhe dizia..." (cap. XLVI); "Não, uma vez que tínhamos outra vara disponível, pedia-a para mim, ‘jovem seminarista’, a quem esta distinção cabia mais diretamente. Pádua ficou pálido, como as tochas. Era pôr à prova o coração de um pai" (cap. XXX)

CAPÍTULO DÉCIMO OITAVO – LEITOR PERSEVERANTE

Sons abafados me chegava pela janela. Aos poucos os sons transformavam-se em barulho ensurdecedor. Um grupo de adolescentes passava do lado de fora da biblioteca discutindo acaloradamente. Desconcentrei-me e mirei ao redor. Todos os presentes olharam para a direção dos ruídos. Bem, nem todos. Havia um leitor que não tirou os olhos do seu livro. Nem por um momento sua atenção foi desviada para outros assuntos. Descobri, nesse momento o leitor perseverante: "... mas as contradições são deste mundo. A verdade é que minha mãe era cândida como a primeira aurora, anterior ao primeiro pecado; nem por simples intuição era capaz de deduzir uma coisa de outra..." (cap. XLI) A verdadeira contradição está no próximo trecho. " (...) Disse-lhe que começava a achar minha mãe um tanto fria e arredia com ela. Pois aqui mesmo valeu a arte fina de Capitu! (...) – Mas eu tenho notado que já é fria com Ezequiel . Quando ele vai comigo, mamãe não lhe faz as mesmas graças." (cap. CXV) O leitor perseverante é capaz de perceber a contradição mesmo em um intervalo de setenta e quatro capítulos.

CAPÍTULO DÉCIMO NONO – O QUEBRA-CABEÇA

Havia um cartaz novo no mural da biblioteca naquele dia. Falava sobre um concurso de quebra-cabeças. Os participantes deveriam trazer um desses jogos com muitas peças e trocar com um adversário. O primeiro que montasse a sua figura seria o vencedor. Senti-me, naquele momento como um participante, pois estava certamente juntando os pedaços na narrativa em que eram dadas as características de Bentinho. Resolvi participar secretamente. Tentaria montar o meu quebra-cabeça antes de algum dos garotos do concurso.

Lembrei-me da letra "f" das regras do jogo e pude observar a primeira pista sobre o Bento, dada por ele mesmo, "... Vivo só, (...) Não alcanço a razão de tais personagens (...) Se me faltassem os outros, vá; um homem consola-se mais ou menos das pessoas que perde; mas falto eu mesmo, e esta lacuna é tudo." ( cap. II ). Nos dois trechos extremos pode-se verificar uma súplica do narrador para que se apiedem dele. No trecho central demonstra-se como alguém sem malícia.

"... Buscasse eu neste livro a minha glória, e diria que as negociações partiram de mim; mas não, foi ela que as iniciou." (cap. XLVI) Neste fragmento está clara a intenção de demonstrar a sua modéstia, e sinceridade à época da construção das memórias; e aqui: "...Eu, que era muito chorão por esse tempo, sentia os olhos molhados..." (idem) a sua imaturidade na adolescência. "(...) manha, não, não podia ser manha, sabia muito bem que eu era amigo dela, e não seria capaz de fingir um sentimento que não tivesse." (cap. XLI) Neste trecho revela que não era dissimulado, ao menos, até então. "... Há coisas que só se aprendem tarde; é mister nascer com elas para fazê-las cedo. E melhor é naturalmente cedo que artificialmente tarde..." (cap. XV) A citação demonstra que a sua própria dissimulação só aparece tarde e artificialmente.

Preste muita atenção ao trecho que se segue. "Capitu tornou cá para fora e pediu-me que outra vez lhe contasse o que se passara com minha mãe. Satisfi-la, atenuando o texto desta vez, para não amofiná-la. Não me chames dissimulado, chama-me compassivo; é certo que receava perder Capitu, e se lhe morressem as esperanças todas, mais doía-me vê-la padecer." Quando o Dr. Bento Santiago traça um perfil de Capitu, faz questão de ressaltar a sua dissimulação, embora não lhe dê o nome. Quando traça o seu próprio perfil, dá ao seu ato o nome de dissimulação, mas justifica-o atenuando.

"Timidez não é tão ruim moeda, como parece. Se eu fosse destemido, é provável que, com a indignação que experimentei, rompesse a chamar-lhe mentiroso , mas então seria preciso confessar-lhe que estivera à escuta, atrás da porta, e uma ação valia outra." (cap. XXV)

"Vamos à primeira tarde, em que vim a saber que já cantava, porque a denúncia de José Dias, meu caro leitor, foi dada principalmente a mim" (cap. X). Eis aqui a peça da ingenuidade e à frente a da submissão e logo após o respeito: "Eu só gosto de mamãe. (...) e eu tornei ao filho submisso que era" (cap. XLI); "Que o meu desejo era nenhum, crê-se facilmente, sem ser preciso jurar pelo céu nem pela terra. Meu desejo era ir atrás de Capitu e falar-lhe agora do mal que nos esperava, mas o pai era o pai..." (cap. XV)

O leitor pesquisador é aquele que segue os labirintos criador pelo narrador tentando montar o quebra-cabeça.

Quanto ao concurso, confesso que perdi. As crianças levaram três dias e eu estou nisso já há dois meses.

CAPÍTULO VIGÉSIMO – LEITOR MINUCIOSO

Ao chegar à biblioteca, na tarde seguinte, encontrei um grupo de meninas que discutiam Dom Casmurro com tão acalorada paixão que me atrevi a perguntar qual era o motivo da euforia.

– Acabamos de completar a cronologia de Dom Casmurro.

Acabava de encontrar o leitor minucioso: aquele que consegue perceber pequenos detalhes, para, por exemplo, fazer a cronologia da vida de Bento Santiago.

CAPÍTULO VIGÉSIMO PRIMEIRO – QUANTA PRESSA

Olhei para uma folha de papel em que havia anotado: "Ezequiel, quando começou o capítulo anterior, não era ainda gerado; quando acabou era cristão e católico. Este outro é destinado a fazer chegar o meu Ezequiel aos cinco anos"( cap. CIX ), e percebi que havia um ponto final após a palavra anos. Tinha certeza de que não pontuara este texto, pois o mesmo era um fragmento que continuava. Aproximei o dedo do ponto e ele pulou. Percebi, então, que não se tratava de um ponto final e sim de uma pequena pulga. Ela, depois disso, se colocara em outra folha de papel que continha a seguinte anotação: "E, em outra parte, conclui o crítico mineiro: filho para Machado de Assis é sempre tormento do espírito e do coração, sempre um dos fatores de tragédia doméstica, como é o caso de Ezequiel, filho de Bentinho, em Dom Casmurro. Filhos só dão aborrecimentos, tristeza, cansaço, peso. A impressão que tive era de que a pulga queria que eu fizesse a ligação entre os dois trechos. Mas, pensando bem, cheguei à conclusão de que Machado de Assis não se teria deixado levar por essa armadilha e colocado os seus recalques a serviço de sua literatura. A pressa da narrativa devia-se ao fato de que Bentinho precisava não enternecer o leitor em face do pequeno Ezequiel. Descobri-me o leitor desprendido, aquele que ficou sem exemplo no seu capítulo próprio.

CAPÍTULO VIGÉSIMO SEGUNDO – LEITOR ATENTO

– Um livro do Jorge Amado.

– Mas eu lhe pedi uma receita culinária.

– Há muitas receitas nos livros de Jorge Amado. Às vezes o

que se procura em um livro, encontra-se em outro.

Observava as duas jovens conversando quando encontrei a seguinte passagem: "O leitor atento, verdadeiramente ruminante, tem quatro estômagos no cérebro, e por eles faz passar e repassar os atos e os fatos, até que deduz a verdade, que estava, ou parecia estar escondida."(Esau e Jacó – cap. LXIX) Percebi que o leitor atento poderia ser encontrado em qualquer obra.

Percebi também que o próprio narrador nomeia o leitor de acordo com as suas intenções. Leitor precoce, leitor obtuso, leitor desgraçado,

CAPÍTULO VIGÉSIMO TERCEIRO – MANDUCA

Chovia torrencialmente certa tarde, e fui obrigado a me demorar mais na biblioteca, pois não havia modo de sair dali. Já que tinha que me submeter a tal sacrifício, procurei uma mesa. O homem que estava ao meu lado lia calmamente a seção de obituários do jornal. Isso só podia ser um sinal. Eu tinha passado quase todo meu tempo tentando decifrar algo que não estava claro nos capítulos referentes ao Manduca, um defunto que não tinha muita razão para aparecer na obra.

Lá fora, a chuva encorpava cada vez mais. Minha única saída era reler o livro entre os capítulos LXXXIV e XCIII. Quando estava na metade, o homem retirou-se. Aproveitei o espaço para espalhar os livros pela mesa. Talvez precisasse de algum especificamente.

John Gledson parecia desviar a minha atenção da leitura. Senti que o livro me chamava. Cheguei a pensar se não estaria ligado espiritualmente ao autor. Ainda não conhecia seu conteúdo. Fechei Dom Casmurro e comecei a ler Machado de Assis – Impostura e Realismo.

 

CAPÍTULO VIGÉSIMO QUARTO – ACHADO QUE CONSOLA

A intensidade da chuva parecia seguir a intensidade de minha euforia. Eu estava conseguindo fazer relações. No capítulo LXXXIV, há uma parte da narrativa que diz: "O mal foi que os dois casos se conjugassem na mesma tarde". Nesta singela frase, Bentinho dá uma valiosa pista que levará o leitor atento a encontrar sua recompensa nove capítulos adiante.

Os dois casos aos quais Bento Santiago se refere são Capitu e Manduca. A melodia de Capitolina regia harmoniosamente sua alma, até que ele recebeu a notícia da morte de Manduca. É provável que o narrador tenha utilizado o verbo conjugar, exatamente para acentuar as relações entre os dois fatos. O capítulo XCIII recebe justamente o nome de "Um amigo por um defunto". Ao relacionar essas duas peças do quebra-cabeça, é possível deduzir que Bentinho nos entrega pela primeira vez sua insegurança. Esta sutileza pode indicar sua mais remota desconfiança sobre um relacionamento entre Capitu e Escobar.

CAPÍTULO VIGÉSIMO QUINTO – NÃO VALE A PENA

Chega! é melhor que jogue fora este trabalho. Rasgue em mil pedacinhos. Não perca seu tempo. Sei que é muita pretensão minha querer que estas reflexões malucas se tornem públicas.

CAPÍTULO VIGÉSIMO SEXTO – A ESPERANÇA É A ÚLTIMA QUE MORRE

Fazia já alguns dias que eu não tinha progressos consideráveis em minhas pesquisas. Tenho que confessar-lhe, leitora amiga, que já estava a ponto de me dar por vencido.

Sem ter a menor idéia de que rumo tomar, avistei aquela funcionária da biblioteca que tinha me incitado a procurar pelos nomes das personagens. Procurei então pelas folhas nas quais tinha anotado seus significados, juntei-as a alguns apontamentos e deixei um livro de mitos e a Bíblia Sagrada ao meu lado. Foi durante estas pesquisas que tive a certeza de estar diante da ponta de um "iceberg".

CAPÍTULO VIGÉSIMO SÉTIMO – O DAS RELIGIÕES

Capitolina era a única personagem cujo nome era de origem latina. Não só isso a apontava para uma religião pagã; mas também o fato de que todas as vezes que ela refletia comportava-se como um oráculo. Suas respostas depois de reflexões sempre vinham de forma enigmática. Os nomes do restante das personagens tinham sua origem no pensamento israelita.

Observe os trechos: "... mas o padre Cabral, que levava tudo para a Escritura, dizia que com o vizinho Pádua se dava a lição de Elifaz a Jó: ‘Não desprezes a correção do Senhor; Ele fere e cura’."( cap. XVI ) "Quando mais tarde, vim a saber que a lança de Aquiles também curou uma ferida que fez, tive tais ou quais veleidades de escrever uma dissertação a este propósito. Cheguei a pegar em livros velhos, livros mortos, livros enterrados, a abri-los, a compará-los, catando o texto e o sentido, para achar a origem comum do oráculo pagão e do pensamento israelita..."( cap. XVII ) O narrador da a impressão de querer justamente unir as religiões. Isto pode ser observado em toda a obra de Machado de Assis.

CAPÍTULO VIGÉSIMO OITAVO – LEITOR INCRÉDULO

"Abane a cabeça, leitor; faça todos os gestos de incredulidade. Chegue a deitar fora este livro, se o tédio já o não obrigou a isso antes; tudo é possível. Mas, se o não fez antes e só agora, fio que torne a pegar do livro e que o abra na mesma página, sem crer por isso na veracidade do autor. Todavia, não há nada mais exato." Nesta digressão, o narrador chama a atenção do leitor para o texto que a antecede, texto este que talvez não encontrasse no leitor tanta indignação.

CAPÍTULO VIGÉSIMO NONO – PANDORA

Apesar de Bentinho considerar D. Glória como uma santa "... Procura no cemitério de S. João Batista uma sepultura sem nome, com esta única indicação: Uma Santa." (cap. CXLII), e o próprio nome dela remeter para o cristianismo; é possível notar que suas atitudes em relação ao filho não condizem com a imagem que Bento tenta passar. D. Glória não quer que Bentinho vá ao seminário, mas não apresenta esforço algum para mudar tal quadro e muitos outros mais que aparecem durante a narrativa.

Durante meus estudos sobre mitologia clássica, encontrei uma leitura que em muito me lembrava D. Glória. Bento tenta passar a idéia de que sua mãe é uma mulher perfeita, assim como Pandora o era no mito de Prometeu. Suas ações parecem exatamente saídas da caixa de Pandora. Penso eu, porém, que certas coisas não deveriam sair de seu local de origem.

CAPÍTULO TRIGÉSIMO – A IGREJA DO DIABO

Recorda-te, leitora, da regra "b"? Pois então... Certa manhã, eu estava completamente só na biblioteca, e aquilo nunca me acontecera antes. Não havia pessoas consultando livros, e a única funcionária do atendimento se ausentara por alguns minutos. Foram poucos minutos, mas o suficiente para que eu conseguisse decifrar meu oráculo pessoal.

Ao ler o capítulo XCII "O diabo não é tão feio como se pinta", ocorreu-me algo que tinha lá sua razão. Se considerarmos que D. Glória é Deus "Deus fará o que o senhor quiser" (cap. XXVI), e que mantém Bentinho sob sua proteção, determinando também o seu destino (ela o prometeu para a igreja), podemos ver Capitu sob uma ótica diferente. Ela pode representar o Diabo.

Dona Glória tem seus discípulos. Capitu se cansa "Beata! carola! papa-missas!" (cap. XVIII), e vai ter com D. Glória para lhe dizer que quer formar sua própria igreja, já que muitos o fazem. "O que unicamente digo aqui é que, ao passo que nos prendíamos um ao outro, ela ia prendendo minha mãe, fez-se mais assídua e terna, vivia ao pé dela, com os olhos nela." (cap. L) Ela não coloca objeções "Minha filha, você vai perder o seu companheiro de criança... Fez-lhe tão bem este tratamento de filha...", e então Capitu consegue enfim captar Bentinho como seu discípulo "... Ande, peça, mande. Olhe; diga-lhe que está pronto a ir estudar leis em São Paulo." Mas como Bentinho é ser humano e com defeitos sai da casa de D. Glória e casa-se com Capitu, mas vai morar na praia da Glória. "Que queres tu, meu pobre Diabo. As capas de algodão têm agora franjas de seda, como as de veludo tiveram franjas de algodão. Que queres tu? é a eterna contradição humana."

CAPÍTULO TRIGÉSIMO PRIMEIRO – LEITOR DESCUIDADO

Certa tarde percebi que outros olhos liam o capítulo pelas minhas costas. Continuei não me dando por achado. Ao passar adiante a página, porém, os olhos pediram-me para voltar atrás. Na preocupação de não dar a perceber que era seguido na leitura fui descuidado e caí na armadilha do narrador. "Tudo era matéria às curiosidades de Capitu. Caso houve, porém, no qual não sei se aprendeu ou ensinou, ou se fez ambas as coisas, como eu. É o que contarei no outro capítulo." (cap. XXXII). Neste trecho o narrador aguça a atenção do leitor para algo de que só vai falar no próximo capítulo. Fala, então, dos olhos de ressaca, num capítulo muito denso, embora não muito longo. Para o leitor descuidado a denúncia pode ficar esquecida.

CAPÍTULO TRIGÉSIMO SEGUNDO – A CARTA NA MANGA

O que não se espera, nesta confusão toda, é que Bentinho talvez tenha outros planos para si mesmo. Ele pode muito bem ter unido o útil ao agradável, e usado Capitu para tirá-lo da obrigação de ser padre, uma vez que o poder destes sobre as pessoas e limitado apenas aos devotos católicos: "Deveras, não quer ser padre? As leis são belas, meu querido... Pode ir a São Paulo, a Pernambuco ou ainda mais longe...Vá para as leis se tal é sua vocação" (cap. XXVI).

"(...) Todo esse discurso não me saiu assim, de vez, enfiado naturalmente, peremptório, como pode parecer do texto, mas aos pedaços mastigado, em voz um pouco surda e tímida. (...) Realmente, a matéria do discurso revelara em mim uma alma nova; eu próprio não me conhecia. Mas a palavra final é que trouxe um vigor único. José Dias ficou aturdido. – Conto com o senhor para salvar-me."(cap. XXV). Bentinho já estava treinando a sua oratória. Como padre

CAPÍTULO TRIGÉSIMO TERCEIRO – HIPNOSE

Durante alguns dias, notei que uma moça vinha diariamente à biblioteca e que seus livros diziam respeito à história antiga. Devo confessar que isto me tirou tanto a atenção, que fui movido por uma força hipnótica em direção a ela. O tempo que levei até sua mesa pareceu-me o de uma vida. Depois perguntei:

– Desculpe-me o incômodo, mas posso fazer-lhe uma pergunta?

– Certamente.

– Percebi que você tem lido livros de história antiga. Por acaso posso pedir-lhe um obséquio?

– Primeiro você terá que decidir se é pergunta ou favor.

– Perdão, é que estou um pouco confuso. Por acaso você teria algo sobre....Massinissa? – O nome do rei númida saiu de minha boca como se tivesse vontade própria. Não estivera em meu cérebro. Enquanto refletia sobre esse estranho fato, a moça já havia ido buscar um livro e o entregava em minhas mãos. Agradeci e retornei à minha mesa, mais aturdido do que antes.

CAPÍTULO TRIGÉSIMO QUARTO – ROLETA RUSSA

Imagine minha surpresa ao ler, na capa do livro, em letras garrafais, John Gledson. Já me sentia a brincar de roleta russa, só que sempre a mesma bala parecia penetrar em meu cérebro. Mas que sujeito violento! E ainda ousa dizer que é anjo. Deixei para lá e iniciei minha leitura.

"Em 203a.C., Sifax, rei dos massessilos e inimigos dos romanos, foi derrotado por eles e entregue ao rei númida Massinissa, que resolveu levá-lo de volta, acorrentado, a Cirta, capital de seu reino (atual Constantina). Ao alcançarem a cidade, a mulher de Sifax, Sofonisba, pediu a Massinissa que a protegesse, visto que era filha de Asdrúbal, um cartaginês, e temia a vingança dos romanos. Visivelmente atraído por sua beleza e abrandado por suas súplicas, Massinissa decidiu fazer mais e casou-se com ela. Cipião, o general romano, chocado com as notícias e calramente temendo a influência de Sofonisba sobre Massinissa, conseguiu convencê-lo a repudiá-la. Envergonhado de sua ação precipitada, Massinissa concordou, mas pediu a Cipião que lhe permitisse cumprir a promessa feita a Sofonisba de não entregá-la a outro homem. Depois, deu à mulher uma taça de veneno, que ela bebeu calma e orgulhosamente, dizendo: "Aceito este presente de noivado – um presente não malvindo se meu marido foi incapaz de oferecer um outro à sua esposa. Porém diga-lhe isto: que eu teria melhor morte se não tivesse me casado no dia do meu funeral."

Após este trecho contando a história de Massinissa há uma análise de John Gledson: "Outros ensaístas já repararam no paralelo entre Sofonisba e Capitu, na aceitação de bom grado da taça de veneno. O que também deveriam ter visto é que a história é toda um modelo para a trama de Dom Casmurro (...) Massinissa é aliado de Roma, porém aqui se mostram as limitações que essa aliança lhe impõe – basicamente, permanece a suspeita de que poderia recorrer à sua antiga inimizade a Roma. Portanto, ele não pode se casar com a mulher que deseja, ainda mais que ela é cartaginesa. De sua parte, Sofonisba, após a derrota de Sifax, fica numa situação insustentável: caso se aliasse a Massinissa, como uma possível solução, suas origens ainda assim a fariam ser motivo de desconfiança. (...) Bento não pode casar-se fora de sua classe, pois, embora possam ser minimizadas, as suspeitas e tensões permaneceriam para destruir o casamento. Por sua vez, Capitu se vê num dilema ainda maior: não pode superar as tensões e suspeitas e nem sequer assimilá-las. É claro que se trata da situação básica da agregada, tão bem analisada por Schwarz.A história de Sofonisba é ainda mais intimamente relacionada com a de Casa Velha. Pode-se facilmente imaginar por que Machado se sentiu atraído por ela, visto que mostra alianças postas à prova e desnuda a verdadeira natureza do poder, que, evidentemente, está nas mãos dos romanos e de Cipião."

CAPÍTULO TRIGÉSIMO QUINTO – QUEBRA-CABEÇA CHINÊS?

Após esta leitura, veio-me à cabeça, sem razão nenhuma, um quebra-cabeça chinês, de cujo nome não tenho certeza. É feito de ferro e é todo emaranhado: um labirinto metálico. O jogo consiste justamente em retirar algumas partes e reorganizá-las.

CAPÍTULO TRIGÉSIMO SEXTO – O DESAFIO INICIAL

Interessado no jogo dentro do próprio jogo, tomei Dom Casmurro nas mãos e procurei as duas bases de meu quebra-cabeça chinês. Assentei o lápis na mão e analisei a primeira base: "Disse isto fechando o punho, e proferi outras ameaças. Ao relembrá-las, não me acho ridículo; a adolescência e a infância não são, neste ponto, ridículas; é um dos seus privilégios. Este mal ou este perigo começa na mocidade, cresce na madureza e atinge o maior grau na velhice"(cap. XVIII ).

Ao anotar a segunda base: "Nos quatro cantos do teto as figuras das estações, e ao centro das paredes os medalhões de César, Augusto, Nero e Massinissa, com os nomes por baixo..." (cap. II) , notei que ela possuía uma singela curva mais à frente:" Sim, Nero, Augusto, Massinissa, e tu, grande César, que me incitas a fazer os meus comentários, agradeço-vos o conselho" (cap. II).

E a Matemática ousa dizer que a ordem dos fatores não altera o produto...

CAPÍTULO TRIGÉSIMO SÉTIMO – PRIMEIRA PEÇA

Iniciar o problema por seu ponto mais complexo é, no meu ver, mais adequado. Aquela singela curva revelava-me a saída da primeira peça: Júlio César. Bento Santiago inicia sua narrativa na infância, na qual fornece ao leitor dados suficientes para formar uma idéia bastante concreta sobre este período de sua vida. Se a volta da peça ao redor da curva for dada com cuidado, de modo que ela retorne à segunda base integralmente, será então possível traçar grandes coincidências nas duas histórias.

Júlio César representa muito bem a fundação do Império Romano. Ele foi um grande conquistador, e se sua importância político-histórica for considerada, percebe-se que ele consegue ampliar o Império e construir uma nação de grandioso poder sobre outras. Bento Santiago, por sua vez, apresenta ao leitor informações que são capazes de construir um quadro quase que completo de sua infância.

Se a peça for movimentada de modo a dar-lhe uma leve inclinação para a direita, notar-se-á que o último membro da terceira citação e também o primeiro da segunda citação. Eis que a peça solta-se, completamente do quebra-cabeça.

CAPÍTULO TRIGÉSIMO OITAVO – SEGUNDA PEÇA

Ao tirar a primeira, a segunda não apresenta tanta dificuldade. Até os dedos parecem estar mais acostumados com o frio metal. A peça referida, Augusto, remete ao apogeu do Império. Ele teve anos de grande glória durante sua estada no poder, apesar de não possuir as conquistas de César. Como o império já estava formado, Augusto deu continuidade a ele, porém sem permitir que houvesse declínio. Sua função foi complementar aquilo que já tinha sido construído... o aprimoramento foi algo vital de seu governo.

No caso de Bento Santiago, os acontecimentos durante a sua adolescência vêm acrescentar algo naquilo que já estava construído. São transformações que acontecem em decorrência de um período inicial. Desta forma, com a mesma sutileza, a peça toma seu lugar junto à primeira.

CAPÍTULO TRIGÉSIMO NONO – TERCEIRA PEÇA

A terceira peça, Nero, exige maior concentração. Ela situa-se em um ponto crucial entre as duas bases, e não pode ser retirada, portanto, do mesmo modo.

É exatamente durante a madureza da vida de Bento, quero dizer, do Império, que o mal cresce. Os alicerces do Império estão garantidos, porém Nero abusa de seu poder, perde a sanidade e causa um declínio em tudo aquilo que estava estabilizado. O poder de decidir até mesmo quem deve morrer ou não parece mostrar, com acuidade, o exato momento em que Bento Santiago abusa de seu poder e coloca tudo aquilo que foi construído à beira da ruína. Ele forma em sua madureza um mal tão grande, que não consegue controlá-lo.

Tomar cuidado com a ligação existente bem no meio das duas bases, onde se encontra uma sutil ruptura, pode ser de grande ajuda para que reste apenas uma peça. E é exatamente assim que se torna possível retirá-la das bases.

CAPÍTULO QUADRAGÉSIMO – A QUARTA PEÇA

Para se conseguir tirar a última peça é preciso estar bem atento à repetição de uma saliência quase ao final da linha da primeira base. "Pode-se pensar que a ordem representa simplesmente a opinião de que o abuso de poder conduz à rebelião, porém deve-se enfatizar que Massinissa era um aliado de Roma, não um rebelde. Para uma resposta completa, precisamos esperar até quase o fim do romance. Quando Bento vai ao encontro de Ezequiel, logo após a alusão à morte de Capitu, é exatamente para o busto de Massinissa que Ezequiel está olhando: Ao entrar na sala, dei com um rapaz de costas, mirando o busto de Massinissa, pintado na parede." Um detalhe interessante nessa saliência, é que Ezequiel conhece muito bem a Antiguidade greco-romana, dado sua profissão – arqueólogo. Ao chegar a este último quadro, a história recomeça e termina novamente, bem como a história do Império, ou mesmo a vida de Bentinho.

Para desatar completamente esta peça do quebra-cabeça chinês é preciso que volte ao capítulo trigésimo quarto – Roleta Russa, referente à Massinissa, e conclua o pensamento.

CAPÍTULO QUADRAGÉSIMO PRIMEIRO – A PROVA

Ao perceber a importância da história e da geografia para entender o presente, recorri à prateleira de livros sobre o assunto. Meu interesse porém se detinha a encontrar um atlas, no qual eu pudesse checar a exata localização do local da morte de Capitu no mapa. Não pense, leitora desconfiada, que não possa dizer-lhe, mas a precisão é fundamental em um trabalho de pesquisa.

Para confirmar o que lhe digo, vou explicar o motivo de minha curiosidade. Já havia anotado que Ezequiel morrera nas proximidades de Jerusalém. Parece-me porém, que Dom Casmurro o "matou" com certa intenção neste local. Como advogado, ele pode estar tentando provar que o alcance do pensamento israelita é realmente mais limitado do que o seu como homem das leis. Isto confirmaria sua escolha em ser advogado, dando-lhe total concordância. Caso a Suiça seja próxima ao centro do poder pagão, então poderei provar que minha linha de pensamento está correta.

Como eu lhe dizia... a Suiça fica exatamente ao norte da Itália.

CAPÍTULO QUADRAGÉSIMO SEGUNDO – AMPLIANDO HORIZONTES

Certo dia, cheguei à biblioteca um pouco mais tarde que de costume. Estavam todos na maior euforia. Uma sorridente funcionária olhou para mim e disse:

– Agora já temos acesso à internet. Se quiser utilizá-la pode virar o último corredor à direita.

Agradeci pela informação. Desculpei-lhe por sua falta de conhecimento. Como o acesso à internet poderia ser-me útil no ponto de estudo em que me encontrava? Mesmo assim, outras forças, alheias à minha vontade, levaram-me a consultar a rede de informações. O que mais chamou a minha atenção, entre todos os trabalhos que encontrei, foi um de autoria de Hélio Pólvora. Ele falava muito dos olhos de Capitu, e mencionava ser estranho o fato de que os estudiosos machadianos não comentassem, em seus estudos, sobre um livro de Thomas Hardy, cujo título é The Return of the native.

CAPÍTULO QUADRAGÉSIMO TERCEIRO – FÉRIAS

Retirar as peças deu-me tal fadiga que resolvi tirar um final de semana de descanso, bem merecido.

CAPÍTULO QUADRAGÉSIMO QUARTO – VAMOS AO RETORNO

As histórias de Hardy e Machado de Assis realmente tinham fortes traços em comum, principalmente no que dizia respeito a Capitu e Eustácia: "As duas heroínas, Eustácia Vye e Capitolina, têm destino trágico — a primeira, afogada numa represa com o amante, em noite tempestuosa, quando tentavam fugir de Egdon Heath; a segunda, morta no exílio forçado da Suíça, ali enclausurada pelo ciumento marido Bento Santiago. Ambas, deusas de beleza e feiticeiras, evoluem no entanto em sentido inverso: à medida que Eustácia cresce no amor dos homens, Capitu se transforma aos olhos de Bento, e segundo o testemunho único deste, em visão asquerosa da infidelidade adulterina". Além desta semelhança entre as heroínas, havia também semelhança entre as histórias. Imaginei se Machado de Assis não poderia ter sido influenciado por Thomas Hardy. "O romance hardyano data de 1878. Machado o teria lido? É provável. O nosso Dom Casmurro veio a lume em 1899, pela casa Garnier, que o mandou imprimir em Paris. A impressão ficou pronta em dezembro daquele ano, mas as primeiras cópias somente chegaram às mãos do romancista em fevereiro de 1900".

CAPÍTULO QUADRAGÉSIMO QUINTO – LEITOR CATALOGADOR

Estava, naquela manhã, pensativo tentando organizar os pensamentos quando alguém ao meu lado disse em voz alta:

– Como ele se atreve!

– Fala comigo, senhor?

– Desculpe-me, mas não posso aceitar ser chamado de desgraçado pelo narrador da história que estou lendo.

– Ah! – Olhei para o seu livro e era Dom Casmurro.

– Estou anotando a forma de tratamento que o narrador usa em todas as vezes que fala ao leitor.

– Posso usar suas anotações para um trabalho?

Anotei apenas alguns desses tratamentos: leitor precoce, leitor obtuso, leitor desgraçado.

CAPÍTULO QUADRAGÉSIMO SEXTO – CASAMENTO

No canto esquerdo da biblioteca, duas senhoras de meia idade conversavam em um volume um pouco acima do que é esperado em um ambiente de leitura. Apurei o ouvido para perceber o sentido do que diziam.

– O meu filho vai se casar.

– Parabéns!

– Acho que os parabéns não são adequados à situação. Imagine que a minha futura nora é uma pobre moradora da periferia. Não tem onde cair morta e ainda por cima, não tem o mínimo grau de cultura para chegar aos pés do meu filho.

– Mas eles se amam?

– Que importa! Com esses dotes o casamento não tem a menor chance. O amor não vai conseguir amenizar as diferenças...

Ouvindo isso pus-me a pensar nas descrições de Capitu, dadas pelo próprio Bento. "Trazia um vestidinho melhor e os sapatos de sair" (cap. XXXIX); "Este pode ser que não fosse; era um espelhinho de pataca (perdoai a barateza), comprado a um mascate italiano, moldura tosca, argolinha de latão." (cap. XXXII); "... Chora, menina, chora, / Chora, porque não tem / Vintém,...Creio que a letra, destinada a picar a vaidade das crianças, foi que a enojou agora, porque logo depois me disse: ‘Se eu fosse rica, você fugia, metia-se no paquete e ia para a Europa." (cap. XVIII); "Os dedos roçavam na nuca da pequena ou nas espáduas vestidas de chita..." Bento estava o tempo todo a lembrar a classe social de Capitu e sua família. Na cena do Santíssimo mostra bem qual é o lugar de Pádua: "...E tornava à tocha comum, outra vez a interinidade interrompida; o administrador regressava ao antigo cargo." (cap. XXX)

CAPÍTULO QUADRAGÉSIMO SÉTIMO – DE ONDE NUNCA DEVIA TER SAÍDO

– De onde nunca devia ter saído.

– Mas você está sendo muito severa com sua nora.

– Suponha que tivesse acontecido a você.

As duas senhoras continuavam a sua discussão onde colocavam em evidência os seus preconceitos sociais. E eu estava tentando atar as pontas do livro.

Se não me falha a memória no capítulo II o narrador faz uma crítica à História dos Subúrbios do padre Luiz Gonçalves dos Santos. Fiquei a refletir nessa obra. Deve ter causado grande descontentamento não ao narrador, mas ao próprio Machado de Assis. Cheguei a esta conclusão por intermédio de outra crítica semelhante efetuada em Casa Velha. Tive a impressão de que Machado de Assis queria fazer uma história dos subúrbios menos secas que a do referido padre. De repente a funcionária levantou-se e ligou o ventilador. Sem que eu me apercebesse o vento virou as páginas do livro deixando-o aberto no final. Li a última frase do livro e tive a resposta às minhas divagações. Se cronológicamente era-lhe impossível atar as pontas da vida, psicológicamente ele o consegue, pois, lembre-se da regra "n", enquanto escrevia o tribunal que julgava culpada Capitu e que pedia a absolvição de Bento, escreveu uma história dos subúrbios nas entrelinhas. No entanto, só mostra isso, ao final, para que voltando à História dos Subúrbios, o próprio leitor ate as pontas de sua vida (vida do livro). Não se deve esquecer que Dom Casmurro é um livro.

CAPÍTULO QUADRAGÉSIMO OITAVO – MEMÓRIA

Desviei minha atenção do trabalho, ao ouvir, pela janela, uma voz de criança cantando um canção da minha infância. Lembrei-me de toda a letra e lembrei-me até de um dia em que, brincando e cantando esta mesma canção, quebrei o vaso favorito de uma vizinha. Escondi os cacos. Nunca fui descoberto, mas até hoje me lembro da tristeza nos olhos da velha senhora. Bento mostra-se meio contraditório quanto a sua memória, pois consegue se lembrar tão bem de alguns detalhes difíceis de se comprovar e esquecer-se de outros mais concretos: "Capitu ouvia-me com atenção sôfrega, depois sombria; quando acabei, respirava a custo, como prestes a estalar de cólera, mas conteve-se. (...) Há tanto tempo que isto sucedeu que não posso dizer com segurança se chora deveras, ou se somente enxugou os olhos; cuido que os enxugou somente" (cap. XLII)

CAPÍTULO QUADRAGÉSIMO NONO – NEGÓCIOS

Dois garotos de mais ou menos onze anos sussurravam na mesa ao lado. Percebi que um deles tentava persuadir o outro a fazer seus deveres da escola; em troca dar-lhe-ia uma coleção de figurinhas que era a sua paixão. Estava lendo o, naquele momento o seguinte trecho: "Era preciso uma soma que pagasse os atrasados todos. Deus podia muito bem, irritado com os esquecimentos, negar-se a ouvir-me sem muito dinheiro...(...) Não achava outra espécie em que, mediante a intenção, tudo se cumprisse, fechando a escrituração da minha consciência moral sem deficit." (cap. XX) Passei para um outro em seguida. "Ao portão do Passeio, um mendigo estendeu-nos a mão. José Dias passou adiante, mas eu pensei em Capitu e no seminário, tirei dois vinténs do bolso e dei-os ao mendigo. Este beijou a moeda; eu pedi-lhe que rogasse a Deus por mim, a fim de que eu pudesse satisfazer todos os meus desejos." (cap. XXVII) Bentinho não dá a esmola. Na verdade ele compra a oração do mendigo. Notei, naquele momento, que em todas as vezes que o narrador fala de promessas e orações, traça um paralelo com a vida comercial.

CAPÍTULO QUINQUAGÉSIMO – O DESAFIO

Ao reler pela ... Não sou capaz de dizer quantas vezes reli o livro. Ao reler o capítulo LV – Um Soneto, senti-me desafiado pelo narrador. Quebrei a cabeça dois dias seguidos e foi o que me saiu. Não é um soneto perfeito como queria, Dr. Bento Santiago, mas vá, ao menos consegui preencher o centro. Dou-lhe de presente. Não pretendo autoria. Faça como se fosse seu, dê-lhe um título. Há sonetos que apenas terão isso dos seus autores; alguns nem tanto.

Oh! flor do céu! oh! flor cândida e pura!

Dois tribunais aqui estão presentes:

um, das tuas mãos e olhos e mente

à espera de justiça futura,

outro, cumpriu o destino, sem perdão.

Defendi, acusei, julguei, puni.

Abri a ti todo o meu coração.

Apanha, junta, escolhe, corrige,

Faze tuas descobertas e dê

afinal um veredicto: inocente,

não àquela, mas ao sobrevivente.

A chave não me parece evidente...

Perde-se a vida, ganha-se a batalha!

Ganha-se a vida, perde-se a batalha!

 

CAPÍTULO QUINQUAGÉSIMO PRIMEIRO – A DISSIMULAÇÃO

A um canto da biblioteca, cinco adolescentes formavam uma roda e discutiam a dissimulação de Capitu. Apurei os ouvidos e percebi que como leitores inocentes apenas enxergavam o que Bento queria. Mostraram-se vários trechos onde ficava clara a dissimulação de Capitu.

Cheguei de mansinho e coloquei em cima da mesa deles um papel com algumas anotações: "... Capitu compôs-se depressa, tão depressa que, quando a mãe apontou à porta, ela abanava a cabeça e ria. Nenhum laivo amarelo, nenhuma contração de acanhamento, um riso espontâneo e claro... (cap. XXXIV); "... Enruguei a testa interrogativamente, como se não soubesse nada." (cap. XXII); "...Levantou-se com o passo vagaroso do costume, não aquele vagar arrastado dos preguiçosos, mas um vagar calculado e deduzido, um silogismo completo, a premissa antes da conseqüência , a conseqüência antes da conclusão. Um dever amaríssimo!" (cap. IV); "... Não disse mal dela; ao contrário insinuou-me que podia vir a ser uma moça bonita." (cap. XXII); "...Tendo-lhe nascido morto o primeiro filho, minha mãe pegou-se com Deus para que o segundo vingasse, prometendo, se fosse varão, metê-lo na igreja. Talvez esperasse uma menina." (cap. XI); "Por exemplo... dê-me um caso, dê-me uma porção de números que eu não saiba nem possa saber antes... olhe, dê-me o número das casas de sua mãe e os aluguéis de cada uma, e se eu não disser a soma total em dois , em um minuto, enforque-me!" (cap. XCIV); "... Depois, parece-me que desconfiou. Vendo-me calado, enfiado, cosido à parede, achou talvez que houvera entre nós algo mais que penteado, e sorriu por dissimulação... (cap. XXXIV); "... se tem algum trapinho que me deixe em lembrança, um caderno latino, qualquer coisa, um botão de colete, coisa que já lhe não preste para nada. O valor é a lembrança." (cap. LII).

Não lhes disse nada. Apenas entreguei o papel. No final da tarde recebi, da mesma forma lacônica, outra folhinha de papel.

Ao ler seus apontamentos percebemos estar sendo influenciados pela "oratória" de Bento. Reformulamos nossas opiniões e chegamos à conclusão de que todos os seres humanos são dissimulados, vez ou outra, e que Machado de Assis procurava mostrar em suas obras as características do ser humano. "Basta lembrarmo-nos da sua galeria enorme, e toda ela quase de gente falhada, viciada, defeituosa, má, tarada, ingrata, indolente, preguiçosa, indecisa, incoerente, dissipadora, ou avarenta, frívola, maligna, perdulária, perversa, orgulhosa, quando não rapineira ou assassina, toda uma galeria pascaliana ou raciniana, que revela plenamente a sua maneira de colocar a vida." Bento tem um objetivo ao tentar reforçar a dissimulação de Capitu. Os sentimentos que o levam a agir assim são também, apesar de cruéis, humanos. Obrigados!

CAPÍTULO QUINQUAGÉSIMO SEGUNDO – UM ORÁCULO

Sentei-me à mesa, e uma garotinha veio entregar-me um papel que caíra de um de meus livros. Agradeci, mas ela já tinha partido. Ficando só, refleti algum tempo e tive uma fantasia. Já conhece minhas fantasias. Meus olhos ficaram mirando um pequeno círculo à esquerda do papel, na parte de cima. O círculo logo parecia sugar minha alma para seu interior. Era cor de fogo, mas logo depois do primeiro impacto, parecia ter a cor do céu. O círculo parecia girar lentamente, provocando uma grande calmaria em meu coração. Palavras pareciam ser sussurradas em meus ouvidos: "capable of sleeping without closing them up" (...) "She had Pagan eyes, full of nocturnal mysteries, and their light, as it came and went, was partially hampered by their oppresiv pids and lashes." "claros e grandes" (...) "pupilas vagas e surdas" (...) "olhos de ressaca, com uma força que arrastava para dentro"A ilusão fugia ao meu poder. Eu não conseguia pensar ou mover-me. Só via aquele círculo, girando cada vez com maior intensidade.

CAPÍTULO QUINQUAGÉSIMO TERCEIRO – O SUSSURRAR DO VENTO

Fui tirado daquele estranho estado pela força da natureza. Um vento com a força de Hércules despertou-me de meu transe. O mesmo vento folheou as páginas de meu livro Dom Casmurro. Imediatamente, meus olhos cravaram-se sobre o livro aberto : "Nem só os olhos, mas as restantes feições, a cara, o corpo, a pessoa inteira, iam-se apurando com o tempo. Eram como um debuxo primitivo que o artista vai enchendo e colorindo aos poucos, e a figura entra a ver, sorrir, palpitar, falar quase, até que a família pendura o quadro na parede, em memória do que foi e já não pode ser. Aqui podia ser e era. O costume valeu muito contra o efeito da mudança..." (cap. CXXXII).

Todo o meu corpo sentiu o balançar de um navio ao mar. As palavras pareciam ter melodia, mas marítima. Meus olhos sentiam-se tragados pela força da maré. Viajei nas vagas por um tempo que não posso precisar e só retornei ao meu estado normal, se é que assim pode-se nomeá-lo, quando meus olhos retornaram ao panfleto que o Hare Khrisna havia me dado, entretanto, o círculo parecia ter perdido seu poder.

CAPÍTULO QUINQUAGÉSIMO QUARTO – AGORA SOU CAPITÃO

Na sala da Internet, voltei aos estudos de Hélio Pólvora, e deparei-me com algo muito denso e elucidativo. "Um mar traiçoeiro que ameaçava arrebatar Bentinho e afogá-lo nos seus pélagos... Outra não será a tragicidade embebida no escritor afeito aos mitos gregos, como Thomas Hardy, Machado com certeza tinha conhecimento de que ‘Vênus nasceu do mar’, conforme a observação de Helen Caldwell. ‘Para Santiago’, ela diz, ‘a maré nos olhos de Capitu era uma projeção do seu impulso sexual adolescente, que o assustava nos olhos de Eustacia, em Thomas Hardy."

 

CAPÍTULO QUINQUAGÉSIMO QUINTO – POLÍTICA

Não entendo muito, ou quase nada, de política, mas o meu trabalho deveria ter também uma análise nesse nível. Encontrei em John Gledson um capítulo muito elucidativo e resolvi fazer anotações. "Na obra Dom Casmurro, os acontecimentos da vida pública são mencionados – a Guerra da Criméia, na polêmica de Bentinho com Manduca (cap. XC), ou a anexação das Filipinas aos Estados Unidos, objeto de um comentário sarcástico no cap. LXIV: "Pois eis que não amo a política, e ainda – a política internacional, fechei a janela e vim acabar este capítulo para ir dormir" – para ridicularizar um interesse excessivo por eles.

"Onde os acontecimentos são brasileiros, como no caso da formação do ministério Rio Branco em março de 1871, que é assunto de conversação entre os que comentam a morte de Escobar (cap. CXXII), a menção é tão casual que nem parece valer à pena comentá-la.

"O episódio "O Santíssimo" ou o do próprio "Manduca" assinalam uma história mais ampla do período da história do Brasil, que fascinava Machado mais do que qualquer outro.

"A ficção de Machado de Assis contém uma visão bastante coerente da história brasileira no século XIX, com certas constantes, e gradualmente encontra uma expressão mais acabada nos enredos dos grandes romances.

"Os próprios pontos de vista de Machado, de alguma forma, explicam a ausência de comentários políticos visíveis em Dom Casmurro. Não só Bento, como narrador, não se interessa por tais assuntos, como também, por questões sociais e econômicas, essa falta de interesse é algo que Machado encarava como típica de sua geração. Machado definia esse período com a palavra Conciliação. Na história política do Brasil, o termo se refere à conciliação entre os dois partidos políticos, posta em execução pelo marquês do Paraná em 1853. Procurarei argumentar que Machado via a conciliação como um abrandamento conveniente de políticas diversas dentro da oligarquia dominante, favorecido pela expansão econômica dos anos 1850, expansão baseada na crescente importância da cultura cafeeira. Acontecimentos e questões políticas são ignorados, mas não estão ausentes. Um dos perigos da narrativa de Bento é que pode induzir o leitor a uma visão bastante comum, embora raramente expressa em termos tão crus; isto é, que o Império brasileiro , ou a sociedade brasileira em geral, ou a sociedade latino-americana, é ou era, em certo sentido, estático, ou, para levar a coisa a seu ponto mais extremado ( e mais absurdo), não tem história. Pode-se até dizer que os subscrevem esse ponto de vista correm o risco de concordar com Bento, que nos anos 1890 pode construir uma casa com o mesmo "aspecto e economia" da rua de Matacavalos, quando o barulho do trem passa perto, e a escravidão fora recentemente abolida (para só ficar nisto). A falta de interesse pela política é um dos assuntos de Dom Casmurro: não faz parte da sua substância.

"Assim, a visão geral que se extrai do romance compreende o final dos anos 1850 e os 1860, que Machado encarava como apogeu do segundo Reinado. A ação do romance principia em 1857; fiz menção a 1855 porque esse ano aparece, como variante significativa, em "Um agregado", mas por ora não importa a precisão de detalhes. Todavia, em 1871, data da morte de Escobar, marca com bastante exatidão o fim desse período, o que Machado acentua: "Nunca me esqueceu o mês nem o ano". O acontecimento mais famoso desse ano foi a aprovação de Lei do Ventre Livre. A escolha, por Machado, da data ligeiramente mais antiga, relacionada à formação do ministério Rio Branco, que promulgou a lei, é deliberada, pois ele julgava crítico esse ano em mais de um sentido, e focalizar o dia 28 de setembro poderia parecer limitá-lo demais. O leitor tem de estar preparado para interpretar pequenos indícios, e interpretá-los de modo alegórico – afinal de que outra maneira explica-se a referência ao ministério Rio Branco?"

CAPÍTULO QUINQUAGÉSIMO SEXTO – PAUSA

Reli o trabalho e parei no capítulo quinquagésimo quarto e pensei: Eis aí uma pista. Já havia me esquecido de Helen Caldwell. Pausa para uma coleta de dados.

CAPÍTULO QUINQUAGÉSIMO SÉTIMO – SIGA O MESTRE

Como meu lema é procurar sempre o significado do nome das personagens antes de tirar conclusões precipitadas, o fiz com "Otelo" também.

Otelo constava como de origem teutônica e significava rico, poderoso. Iago, o nome de seu traidor, apareceu como proveniente de Jacó, significando...aquele que suplanta, que vence. Acho que conheço esta história de outros carnavais...

CAPÍTULO QUINQUAGÉSIMO OITAVO – O PRINCÍPIO DA BRINCADEIRA

"The Dom, Santiago informs us, was intended to make fun of his aristocratic airs, for this word is a titular prefix to the name of a member of the higher nobility. In Brazil this use of Dom was confined to the monarch and his legitimate sons. In Portugal also this is the rule, but, there, Dom is sometimes informally applied to a few heads of old houses. The title Dom is used, too, for members of the higher clergy".

CAPÍTULO QUINQUAGÉSIMO NONO – MESTRE?

Estava nisso quando um nevoeiro denso invadiu a biblioteca. Algumas vezes, é melhor buscar o acaso para dirimir certas dúvidas. Consegui divisar um cavalheiro ao longe. Ele lia um volume ricamente encadernado. Dirigiu-se a mim e sem que eu perguntasse nada me disse:

– Dom é um título religioso que vem da palavra latina dominus, "mestre".

– Perdão, senhor...

– Carlos Maria.

– Carlos Maria. Pode repetir-me o que significa Dom?

– Pois não! Dom é um título religioso que vem da palavra latina dominus, "mestre".

– Mestre? E que livro você está lendo?

– Quincas Borba.

É muito interessante como a obra influencia o ponto de vista de uma pessoa.

CAPÍTULO SEXAGÉSIMO – O PARALELO

Feito o paralelo entre personagens de Dom Casmurro e de Otelo, resta apenas analisar o problema de seu título. Segundo o estudo feito por Helen Caldwell, Machado de Assis o escolheu justamente para indicar as mudanças ocorridas na personalidade de Bentinho no decorrer de sua vida. Em seu ponto de vista, o mal corrompe o bem, assim como ocorre na obra de Shakespeare: "the Iago that dominated and destroyed the loving Othello, the Christ-child that became the Prince of Evil".

 

CAPÍTULO SEXAGÉSIMO PRIMEIRO – RETORNO AO SIGNIFICADO DOS NOMES

Por que o Doutor Bento Santiago escolheu para Casmurro o título de Dom? Basta ler o título do capítulo.

 

 

CAPÍTULO SEXAGÉSIMO SEGUNDO – OS VERMES

Ainda quando estudei Caldwell, me deparei com o caso dos vermes. Sob seu ponto de vista, os vermes representam os críticos dos livros: "The worms - which emplied that critics ( and scholars ) grow fat on the books they gnaw but "know absolutely nothing of the texts they gnaw".

Voltei ao capítulo dos vermes, e o analisei melhor: "Cheguei a pegar em livros velhos, livros mortos, livros enterrados, a abri-los, a compará-los, catando o texto e o sentido, para achar a origem comum do oráculo pagão e do pensamento israelita" ( Cap. XVII ) .

Neste ponto, o narrador parece estar confuso sobre qual caminho deve seguir. Ele esforça-se, tentando descobrir a origem de ambos os seus caminhos. Procurou em todos os tipos de livro, mas realmente não conseguiu alcançar a razão da origem dos pensamentos. Lembre que Santiago é advogado, e deve ter alguma linha de raciocínio que certamente o levará a seu próprio caminho.

Cansado de procurar, recorre aos críticos, mas estes lhe respondem que não podem dar tal informação, já que sua função é criticar, e não entender os livros criticados. Ao demonstrar tamanha preocupação, o narrador pode muito bem tentar mostrar seu ar de superioridade em relação ao próprio crítico que lerá sua obra.

CAPÍTULO SEXAGÉSIMO TERCEIRO – CASA VELHA

Ao reler John Gledson, fiquei curioso com tantas menções a Casa Velha. Separei algumas horas para a leitura do mesmo. "O que me causa espanto são as detalhadas coincidências". Apesar de sua narração parecer-se mais com o período inicial da obra de Machado de Assis, apresenta grandes semelhanças com Dom Casmurro. É uma pena que a areia que ainda resta na ampulheta não me permita aprofundar mais neste tema.

CAPÍTULO SEXAGÉSIMO QUARTO – É BEM, E O RESTO?

No dia seguinte cheguei cedo à biblioteca e uma menininha veio perguntar-me:

– Por que você está triste? Você vem todos os dias aqui e fica o tempo todo escrevendo e lendo tantos livros. Qualquer dia desses os livros vão esconder você.

Achei muita graça nela e respondi:

– Eu vou contar a você, mas não espalhe! Dentro deste livro – Dom Casmurro – existe um jogo. Eu venho todos dias aqui porque adoro jogar com o narrador. Acontece que o meu tempo está acabando e por isso eu estou começando a ficar triste. Acho que já estou sentindo saudade antecipada do Bento. Estou nos últimos trechos do jogo e acho que hoje será meu último dia.

– Eu não entendo. Por que você não pode continuar o jogo uma vez que gosta tanto dele? Por que você não leva o jogo para casa?

A mãe da menininha a chamou e ela me deixou naquele instante. Fiquei a refletir e percebi que ela tinha razão. A data de entrega era chegada e o trabalho precisava ser terminado, mas nada impedia que eu continuasse minhas pesquisas sozinho, dali para a frente. Bem vamos à tese.

 

POSFÁCIO

"Depois de tudo quanto se tem escrito nos últimos tempos acerca de Machado de Assis, sua personalidade ainda continua a oferecer estímulo para novas aventuras e descobrimentos. Nenhum outro autor brasileiro suportaria sem alguma perda de prestígio tal excesso de devoções póstumas. A ânsia de opiniões divergentes, o gosto das novidades, das controvérsias, das emulações, nesse caso, é fenômeno singular em nossa vida literária, pois nada costuma satisfazer melhor os leitores, diante de um escritor glorioso, do que os juísos universais, compulsórios e bem disciplinados, capazes de proteger certo repouso da inteligência crítica."

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ASSIS, MACHADO – Casa Velha – Livraria Garnier – 1991– Rio de Janeiro

ASSIS, MACHADO DE – Contos Selecionados – volume II – Sociedade Editora e Gráfica Ltda – 1962 – Rio de Janeiro

ASSIS MACHADO – Dom Casmurro – 12a edição – Série Bom Livro – Editora Ática – 1981 – São Paulo

ASSIS MACHADO – Esaú e Jacó – 3a edição – Editora Cultrix – 1964 – São Paulo

ASSIS, MACHADO – Memórias Póstumas de Brás Cubas – Klick Editora – O Globo – 1977 – São Paulo

ASSIS, MACHADO – Quincas Borba – 5a edição – Editora Cultrix – 1968 – São Paulo

BOSI, ALFREDO – História Concisa da Literatura Brasileira – 36a edição – Editora Cultrix – 1994 – São Paulo

CALDWELL, HELEN – Machado de Assis – University of California Press 1970 – London, England

CERVANTES, MIGUEL – Don Quijote de La Mancha – Ediciones Olimpia – 1993 – España

COUTINHO, AFRÂNIO – A Filosofia de Machado de Assis – Vecchi Editor – 1940 – Rio de Janeiro

GLEDSON, JOHN – Machado de Assis: Impostura e Realismo (Uma Reinterpretação de Dom Casmurro) – Companhia das Letras – 1991 – São Paulo

GRAVES, ROBERT – Os Mitos Gregos – volume 3 – Publicações Dom Quixote – Nova Enciclopédia – 1990 – Lisboa

HARDY, THOMAS – The Return of the Native – Rinehart Editions – 1969 – United States of America

HOLANDA, SÉRGIO BUARQUE DE – "A Filosofia de Machado de Assis" in Cobra de Vidro – 2a edição – Editora Perspectiva – 1978

SANTIAGO, SILVIANO – "Retórica da Verossimilhança" in Uma Literatura nos Trópicos – Ensaios sobre Dependência Cultural – Editora Perspectiva – 1978

SCHWAB, GUSTAV – As mais belas histórias da Antigüidade Clássica – Os Mitos da Grécia e de Roma – 2O VOLUME – Os Mitos de Tróia –– Editora Paz e Terra AS (1995)

SHAKESPEARE, WILLIAM – Otelo, el Moro de Venecia – Ediciones Olimpia – 1995 – España

VEYNE, PAUL – Acreditaram os Gregos nos seus mitos? – Edições Setenta – Lisboa