Vida e Obra de Bernardo Guimarães
  poeta e romancista brasileiro [1825-1884 - biografia]

 
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Do livro inédito "Bernardo Guimarães, o romancista da Abolição" 
BG no sertão goiano
Armelim Guimarães

Após ter concluído o curso jurídico em São Paulo, em 1852, na Faculdade de Direito de São Francisco, Bernardo Guimarães foi cumprir o seu quatriênio de judicatura em Catalão, no sul de Goiás. Ficou ali seis anos.

De João Alphonsus, na "Revista do Brasil" (nº 35, de maio de 1941):

"Nomeado juiz municipal e delegado de polícia (ao mesmo tempo) de Catalão, em Goiás, ali chegou sem ter gasto vintém na viagem: de fazenda em fazenda, pagava a hospedagem com o poder criador de seu verbo. 'Cada fazendeiro que o hospedava se encarregava de mandá-lo ao mais próximo, até que ele aqui chegasse'" (de um artigo de W. Estelita Campos, de Catalão, no jornal "Araguari")."

Catalão era, naquele tempo, uma cidadezinha morta, com suas casas muitos dispersas, isoladas pelos desmedidos quintais, assombrados por árvores de densas franças, fechados por muros de adobe ou cercas de taquaras, entrelaçadas de trepadeiras, de chuchuzeiros ou de paina de cipó. Em grande parte, ali vivia gente embrutecida, imbuída das mais absurdas superstições, educadas então sob a lei da garrucha e da lambedeira, e que só abriu os seus braços para receber a nova autoridade quando reconheceu que o delegado recém-chegado era diferente dos demais, "bom de prosa", que não policiava com ameaças e cadeias. Era um dotô novo, que topava um desafio à viola ou ao violão, que entrava nas casas até dos mais pobres, sentava em banquinhos na cozinha, aceitava café em canecas de lata.

[Nota do editor do site: o poeta Fagundes Varela (1841-1875) teria conhecido BG em Catalão, cidade para onde aquele poeta se mudou em 1851, ficando lá por alguns anos. BG escreveu um poema em homenagem a Varela

Naqueles meados do século 19, o banditismo era generalizado nas plagas goianas e adjacências, e os homicídios bárbaros, como os que, na cadeira de Bonfim, acabavam de ser praticados por um grupo de mascarados, tornaram-se famosos e incontáveis por toda aquela vasta região. A época era de temores, de pânico, de perigos, de intranqüilidade, de sustos, mas também de coragem, de bravura. Porém não era situação que pudesse preocupar, nem de leve, Bernardo Guimarães. Ele quando menino e adolescente residira nos sertões do Triângulo Mineiro, ali pertinho, e conhecia bem o povo da região. Com uma filosofia toda sua, e ronha muito bem aplicada, nada havia que não superasse.

Bernardo sabia agir com o coração e hábil tato de estrategista. Comia inhame com melado de rapadura no casebre do cangaceiro, filava o bom fumo goiano do cabra facínora, ficava até tarde da noite ouvindo, atento, as epopéicas façanhas do muladeiro destemido, as quais ele aplaudia e incentivava com gostosas gargalhadas, e, à roda da fogueira, comendo batatas assadas ou jacubas de farinha de milho, bebendo um golezito da "boa" com o capuava foragido da polícia, e, usando magistralmente o dialeto da terra, também contava as suas potocas e corumbambas, inventadas para divertir os turebas, e acompanhava ao violão o marrueiro contador de prosa e valentias de improvisador de modinhas.

Tornou-se ele muito logo um confidente, o oráculo, o ídolo daquela gente labrega e intimorata. Fez sólidas amizades com sanguinários curimbabas de muitos homicídios no costado, e com surungangas perversos e frios, comparado aos quais o Lampião seria um santo homem.

Bernardo nos dá conta de algum costume e a compleição do povo catalano que ele encontrou:

"No sertão, ao cair da noite, todos tratam de dormir, como os passarinhos. As trevas e o silêncio são sagrados ao sono, que é o silêncio da alma. Só o homem nas grandes cidades, o tigre nas florestas, o mocho nas ruínas, as estrelas no céu, e o gênio na solidão do gabinete, costumar velar nessas horas que a natureza consagra ao repouso. Meus companheiros eram bons e robustos caboclos, dessa raça semi-selvática e nômade, de origem dúbia entre o indígena e o africano, que vagueiam pelas infindas florestas que correm ao longo do Paranaíba". ("Lendas e Romances", págs. 210 e 211)

Milton Pedrosa põe Bernardo a atravessar a nado as águas divisórias interprovinciais:

"Byroniano como poucos foi de verdade Bernardo Guimarães. Se Byron atravessara os Dardanelos para passar a noite com a amada na Turquia asiática, o poeta do O devanear de um céptico, bom nadador, nos seus tempo de solteiro, juiz municipal em Catalão, fronteira de Goiás, estivesse o Paranaíba calmo ou envolto, atravessava-o a nado para dormir em Minas Gerais". ("Vamos ler!", de 27-4-1944)

É possível que tal façanha acontecesse, mas e o barqueiro Cirino, um dos companheiros do poeta e romancista? Pois Cirino lá estava, à beira do rio sempre pronto a servi-lo com sua canoa.

"De bom grado -- diz Bernardo Guimarães falando de Cirino -- eu o compararia a Caronte, barqueiro do Averno, se as ondas turbulentas e ruidosas do Paranaíba, que vão quebrando o silêncio dessas risonhas solidões cobertas da mais vigorosa e luxuriante vegetação, pudessem ser comparadas às águas silenciosas e letárgicas do Aqueronte." (Lendas e Romances", pág. 211).

Para um jovem recém-formado, a vida no mato e no meio de jagunços não era coisa fácil. Requeria têmpera e fibra, ou, então, muito jeito. Mas o jovem bacharel mineiro sabia admiravelmente compreender a manha daquele povo e harmonizar-se com ela, o que era o mais difícil.

"Graduado em Direito em 1852, doze anos após o irmão Joaquim Caetano, na mesma Faculdade de São Paulo, Bernardo Guimarães começou a galgar as asperezas da vida , mais cruciante para um moço pobre e sem pai alcaide. Tinha de nascer de si mesmo, para lembrar-nos de uma expressão de Tácito, criar-se na luta, sagrar-se no merecimento". (Escragnolle Doria, "Bernardo Guimarães", no livro "Minas Gerais em 1925, de Victor Silveira, pág. 409).

"Depois de entrar na vida prática, perdeu o gênio folgazão, tornou-se taciturno e contemplativo, viveu em isolamento, curtiu as agruras da miséria, deixou crescer a barba, tinha cabelos compridos, em desalinho, a roupa mal cuidada e o desanimo do seu espírito. Perdurou-lhe o vício de intemperança, contraído no tempo de acadêmico, para imitar Byron, Musset e Espronceda." (Artur Motta, "Bernardo Guimarães", na "Revista do Brasil", nº 49, de janeiro de 1920, pág. 58).

Azarado Bernardo Guimarães! Como tem sido incompreendida sua boêmia! 

Não há quem fale dele que não o meta em borracheiras em todos os dias de sua vida! Querem mesmo que ele seja o eterno pau-d'água, embora desmintam essa exagerada acusação as excelentes obras literárias que ele produziu, só possível a um cérebro sadiamente equilibrado. Lembrar as moafas de Bernardo e citar Byron como padrão de sua vida, tornaram-se lugar-comum para todos os maria-vai-com-as-outras, que desejam mencioná-lo sem conhecer realmente o verdadeiro Bernardo Guimarães. Já se pode negar que, depois, ele sempre gostou de um moderado aperitivo, e às vezes, de um bom vinho à mesa, hábito e prazer iguais aos de tantos e tantos varões ilustres e respeitados, de inequívoca moral. Por que Bernardo Guimarães deva ser um ente à parte? Só para enxovalhá-lo?

No longínquo sertão goiano não se encontravam os melhores vinhos, não se conseguia um "Chateau Margot" ou um "Sautern". Tinha-se que contentar com um zurrapa de ignorada ou duvidosa procedência. Em compensação, havia a excelente caninha dos alambiques da terra, de sabor que só mesmo os hábeis goianos conheciam, do qual tinha o segredo. Como era a mesa ali servida com companhia de tropeiros, Bernardo a reproduz no romance O Ermitão de Muquém, na página 15 da edição de 1928.

Referindo-se ao romancista mineiro, assim escreveu Coelho Neto:

"Andejo e verdadeiramente amante da natureza e dos simples, o seu prazer era trilhar as serenas estradas sertanejas, pousar nos ranchos onde soava a viola, à beira do fogo contava históricas do velho tempo. É um dos primeiros na escala dos escritores nacionalistas que trouxeram para a literatura as belezas selvagens de nossa Pátria e os costumes de nossa gente do interior." ("Compêndio de Literatura Brasileira", págs. 113 e 114, da edição de 1929, Livraria Francisco Alves).

Bernardo Guimarães em Catalão fora recebido de braços abertos pelo Coronel Antônio da Silva Paranhos, formosa inteligência, cidadão daquela integridade à antiga, chefe do Partido Liberal do município e fazendeiro de dilatado prestígio político, tendo sido, por várias vezes, deputado provincial dm Goiás e senador na primeira legislatura republicana. Paranhos era um português culto e apreciador das belas-letras. Muito se afeiçoou ao vate de Minas, ao qual franqueou a sua casa, proporcionando-lhe nababescamente hospedagem durante o tempo em que o bardo ali esteve.

Era em casa do Coronel Paranhos que Bernardo entrava nas brincadeiras familiares e nas rodadas inocentes do voltarete e da vermelhinha, de que participavam também o padre e o boticário. Até algumas ceias e danças civilizadas o ilustre anfitrião fazia realizar no enorme salão de sua residência, a que "não faltava a quadrilha marcada em francês, o cotilhão, o minuendo e a gavota, o que não era nada pouco para o lugar e a época" (Sousa Ataíde)

Uma tarde, em Catalão, Bernardo Guimarães recebeu a triste notícias do falecimento, no Rio de Janeiro, de Álvares de Azevedo. Aquela noite passou-a compondo um longo poema em homenagem ao amigo morto. Enviou-o imediatamente ao "Jornal do Comércio", da Corte. Porém, por motivo que se ignora, tal composição nunca foi publicada.

Malograva estava a idealizada antologia "As três liras", livro que Bernardo, Álvares e Aureliano Lessa, inseparáveis amigos na época que estudaram na Faculdade de São Francisco de São Paulo, pretendiam publicar.

Só então é que o bardo mineiro se lembrou de um baú que continha inúmeros rascunhos de versos, inclusive alguns originais de Álvares de Azevedo, muitos dos quais eram destinados às "Três Liras". Esse velho cofre esquecera-o em seu quarto, na rua dos Bambus, em São Paulo. Escreveu ao Hilário Gomes de Castro, pedindo-lhe a remessa daquele papéis. O portador voltou com o recado de que as Vidais, na cada das quais BG morou por um certo tempo na Paulicéia, meteram fogo em tudo aquilo, num assomo de asseio e vandalismo.

Quando não estava produzindo literatura, e fora das horas de expediente como juiz municipal e como delegado de polícia, punha-se, de cócoras, a fumar cachimbo ou cigarro de palha, à roda das fogueira ou do poiá de quintal, para ouvir confidências de crimes, espontaneamente revelados pelos facínoras frios, aos quais o poeta aconselhava muita prudência, pois "a justiça poderia tomar conhecimento daquilo".

Em dezembro de 1854 – ou meados de 1855, segundo Sousa Ataíde – Bernardo Guimarães  regressou a Ouro Preto. Os cabras goianos, como prova de grande e sincera amizade, oferecerem-lhe um presente que lhe agradou: um belo cavalo branco, palafrém novo e alto, legítimo frisão de linhas impecáveis, e todo arreado com sela de santo-antônio de preta, nova em folha, e loro, caçambas, atafal e demais pertences ainda sem uso, coxinilho artístico, luxuoso baixeiro e até um rebenque de castão de marfim. E o lindo animal já tinha nome: era o Cisne. E o invejável corcel foi o grande companheiro do escritor nesse seu regresso à terra natal. Tão bons serviços lhe  prestou, e tão intensamente passou a estima-lo, que ele dedicaria um poema, o Adeus a meu cavalo branco chamado Cisne, marcando mais um episódio curioso na vida de Bernardo. Esse poema foi inserto nas “Poesias Diversas”, editadas em 1865.

Joaquim Caetano, o irmão mais velho do boêmio menestrel, desde 1853 se encontrava nomeada Juiz de Direito do Rio Grande, comarca mineira. O mano Manuel, que era padre, ficara na Paulicéia, terminando o curso jurídico.

Artur Motta, na “Revista do Brasil” (nº 49, de janeiro de 1920), assinala a passagem de Bernardo por Formiga, no seu regresso de Goiás. As paisagens que o romancista contemplou nesse largo percurso acham-se descritas por ele em “O Garimpeiro”.

Conta-nos João Alphonsus:

“Ainda em novembro de 1942, na cidade mineira de Patrocínio, o escrivão do crime José Elói dos Santos lamentou que não tivesse aparecido por lá dois anos, porque encontraria ainda a casa da Quininha, onde Bernardo Guimarães passara oito dias, oito noites, na sua viagem para o juizado de Catalão, em Goiás, em 1852 ou 1855 (em 55, quando de lá regressava). Homem  de 60 anos, Elói se lembra de que o tabelião Quinca Pedro e o contador José Marçal, este chefe da Corporação Musical Santa Cecília, já falecidos, costumavam recordar a estada de Bernardo, recordando passagem de “O Garimpeiro”, romance documentado nas datas diamantíferas que se estendem dali para Coromandel, Monte Carmelo, Bagagem (hoje Estrela do Sul), até Catalão... Que romance!” (“Posição Moderna de Bernardo Guimarães”, suplemente literário “Autores e Livros”, de “A Manhã”, Rio de Janeiro, 14-3-1943, pág. 133).

Eis, finalmente, Bernardo Guimarães de novo em Ouro Preto, na sua lendária e saudosa Vila Rica de antanho, onde foi encontra o velho genitor já bastante abatido pela idade e por enfermidades.

Conquanto quase octogenário,  João Joaquim da Silva Guimarães, estimado e influente chefe político, ainda tomara, em 1854, assento na Assembléia Legislativa da Província, para o biênio 54-55, junto com o seu grande amigo Dr. Agostinho José Ferreira Brettas, com Francisco de Assis Ataíde, com o Barão de Itavera, com Rodrigo José Ferreira Brettas e com seu filho, padre Manuel Joaquim da Silva Guimarães.

         



O poeta Fagundes Varela
(1841-1875)
, acima,
 teria conhecido BG,
no sul de Goiás


Joaquim Caetano (1813-
1896),
acima, irmão de BG, também
formou-se em Direito em SP



Álvares de Azevedo
(1831-1852
), acima
morreu quando BG
estava em Catalão