Capítulo 24
do livro inédito
"Bernardo Guimarães, o romancista da
Abolição"
Egresso das
cátedras
Armelim Guimarães
Felício Buarque, no “Almanaque Alves” de 1917, depois de dizer que as
aulas confiadas a Bernardo era “um dos meios de proteção que lhe concedia o
Governo”, “com o generoso intuito de animá-lo nas incertezas de seu precário
viver”, informa que o poeta e romancista mineiro nunca dera aula alguma “por
espaço de alguns anos, embora residisse na mesma localidade”. É esse outro
perverso exagero, senão mesmo mentira atirada à biografia de Bernardo Guimarães!
Desmentia-o Teresa Guimarães. Vamos até admitir não ter sido ele, nos últimos
tempos, por precariedade de saúde, e, sobretudo, por estafas de longas viagens,
não ter sido o poeta um professor dos mais assíduos, o Colégio de Congonhas,
e ultimamente, no de Queluz.
Parece-me que a partir de 1877
já Bernardo Guimarães havia abandonado, de vez, o magistério. Passou, desde
então, a viver dos caraminguás que lhe rendiam esporadicamente os direitos
autorais. O Garnier era seu patrão...
As aulas de Bernardo andavam
com urucubaca. As cadeiras de Retórica e Poética do Liceu de Ouro Preto havia
muito estavam suprimidas. As de Filosofia e Literatura do Colégio de Congonhas
foram fogo de palha. A Queluz não iria mais.
A advocacia, já tinha mesmo
mandado às favas. Cargos de nomeação do Governo, nem queria ouvir falar
nisso! Da política fugia como o diabo foge da cruz. Nem pensar queria em seguir
ao pai, que fora parlamentar em vários períodos legislativos na Assembléia
Provincial, embora lhe acenasse com propostas e certos favoritismos de mão
beijada, que outros não rejeitariam. E não seria nem cascudo nem ximango.
Permaneceria um independente. Entregar-se-ia inteiramente às letras e às
musas, nem que para tanto fosse preciso passar à água e angu.
Também o mano Joaquim Caetano
(1813-1896) já lá estava na boa terra, como desembargador da Relação de
Minas Gerais, “da qual foi presidente, assumindo o exercício do cargo em 3 de
dezembro de 1874”. (Laurêncio Lago, “Supremo Tribunal Federal e Supremo
Tribunal de Justiça”, Rio, 1940, página 134).
Em 1876, na Paulicéia, era o
sobrinho de Bernardo, o Antônio Augusto de Ataíde, quem termina o curso jurídico.
Mas essa nova quadra da vida de
Bernardo Guimarães não começava bem. Um tragédia ocorre, então, no lar do
escritor.
Alarma-se D. Teresa, e com elas
as mucamas e D. Felicidade. É que o primogênito, João Nabor, estorce-se com
dores e cólicas, rolando-se sobre o leito. Bernardo corre ao quarto do menino.
Percebe-lhe no rosto a catadura da morte. Por um pequeno frasco que a criança
comprime às mãos, adivinha-se o mal: ingerira inadvertidamente uma forte dose
de estricnina. O vidro, achara-o momento antes em casa de sua tia Germana,
esposa do Dr. Calisto Arieira, médico e farmacêutico. Inocentemente, João
Nabor enchia-o de água, que bebia em seguida.
Quis o infortúnio que isso
ocorresse no dia da mentira, 1º de abril. Era 1878. Bernardo, sem perda de
tempo, manda um serviçal pedir a urgente presença do concunhado, o Dr.
Calisto. O clínico, entretanto, homem austero e grave, e que há havia caído
em divertidas maroteiras do pândego boêmio, recusa-se, em face da data que é,
em atender ao chamado insistentes. Sabe o médico que, para uma boa pilhéria de
1º de abril, o concunhado poeta será capaz de brincar até mesmo com a Parca!
Diante da recusa e da premência
do socorro, o romancista, corpulento e forte, pessoalmente vai à casa do esculápio,
que não era longe. Segura-o pela gola do paletó, e leva-o à força, quando
arrastando-o, para atira-lo ao leito do filho moribundo.
O jornal sul-mineiro “O
Itajubá”, na edição de 14 de abril de 1878, transcreve da “Atualidade”,
do Rio de Janeiro, a notícia pormenorizada desse infausto, segundo a qual houve
o comparecimento de três outros médios, os Drs. Carlos Thomaz, Serrano e
Francisco de Magalhães. Nada, porém, puderam fazer para salvar o menino.
Bernardo Guimarães, em toda a
sua vida, jamais experimentara tamanha dor. Carlos José dos Santos nos fala do
abalo que o escritor sofreu “com a morte do seu filhinho João Nabor”,
falecido aos dez anos de idade. Era – diz esse íntimo companheiro do poeta
– “uma criança interessantíssima”.
João Nabor foi sepultado no
cemitério anexo à igreja de São José, necrópole que, seis anos depois, também
receberia os despojos do pai do menino.
Amuado, triste e desalentado,
viveu Bernardo algumas semanas de abstinência de letras e de musas. Mas o tempo
cicatriza as feridas da alma. Aos poucos o escritor foi retomando sua ferramenta
de trabalho. Por essa época mandava ele para o Rio de Janeiro sua colaboração
para o “Jornal do Comércio” e para a “Revista Brasileira”, na qual, em
1880, publicou o poema “A Camões”.
Embora vivendo sob o peso fatídico
do tédio que a idade, as doenças e os túmulos lhe ia trazendo, não perdia
nenhuma oportunidade para vibrar as cordas de sua harpa jocosa e genial. Diante
de qualquer eventualidade, e por motivo às vezes de mínimos acontecimentos,
improvisava versos interessantíssimos e perfeitos. Quase todas essas produções
se perderam. Ao menos um de seus amigos, Aurélio Pires, lembra-se de algumas
dessas rimas. Conta-nos ele:
“Em 1881, achando-se como
habitualmente acontecia, em uma república de estudantes (de Farmácia) da velha
capital mineira, como o criado perguntasse, em presença do poeta, se podia
servir o almoço, Bernardo Guimarães incumbiu-se de responder-lhe, o que fez do
seguinte modo:
Traga já
esse almoço,
Moço!
E não faça como a indigente,
Gente,
Que traz, em vez de pipote,
Pote,
E bebe, com grande mágoa,
Água!,
Do que eu gosto é de cerveja,
Veja,
Também tomo, com deleite,
Leite,
E como frutas maduras,
Duras.
Traga, já, qualquer quitanda!
Anda!
Que a gente lambisqueira
Queira
Semelhante gulodice...
Disse.
Observe-se
que a palavra “quitanda”, empregada pelo poeta neste improviso, era usada,
em Minas – e ainda o é em cidades pequenas e nas roças – na acepção de
biscoitos, broas, pão, bolos e sequilhos.
Bernardo
Guimarães já havia, nos seus dias de acadêmico brincalhão, criado o bestialógico,
nos últimos anos de sua vida engendrou esta outra modalidade poética – os
versos monossilábicos em eco. Esse também é o caso da longa balada Gentil
Sofia.
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Joaquim Caetano, irmão de BG,
fez carreira no Judiciário
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