Vida e Obra de Bernardo Guimarães
  poeta e romancista brasileiro [1825-1884 - biografia]

 
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BG em São Paulo (3)
(mudança para a casa das Vidais)

por Armelim Guimarães
(do livro inédito "Bernardo Guimarães, o romancista da Abolição") 


Em 1851, Bernardo Guimarães deixou a república da rua da Constituição e foi morar com as Vidais, na rua dos Bambus, numa casa que ficava entre duas repúblicas, a dos companheiros Ferreira de Resende, Evaristo e Bernardo Veiga, e a do Caetano Andrade Pinto, o moço buliçoso e despudorado que chegou inteiramente nu na presença das Vidais.

Não havia nessa rua, segundo Ferreira de Resende, uma só casa que não fosse ocupado por estudantes. "Era, portanto, uma rua exclusivamente acadêmica." (Francisco de Paula Ferreira de Resende, em "Minhas Recordações", Editora José Olympio, 1944, pág. 259).

Álvares de Azevedo foi, então, morar na rua da Consolação e, logo depois, na Ladeira de São Francisco.

O boêmio das Alterosas, que já era um cábula inveterado, mais remisso ainda se tornou nos braços das agradáveis Vidais.

Naquele tempo, o máximo de faltas tolerado na Academia era de 39. Uma falta a mais impunha ao aluno um "R" e a conseqüência repetição do ano, o que, na gíria da época, era "provar o ano".

De Francisco de Paula Ferreira de Resende, na citada obra, então vizinho da república do poeta de Ouro Preto, são estas notas:

"O estudo, porém, era talvez a coisa de que Bernardo Guimarães menos se lembrava; de sorte que o mês de outubro ainda estava longe, e ele já tinha dado 38 ou 39 pontos. Era isto uma péssima recomendação para o exame; e o que era pior, sem meios ou com muito pouco meios para estudar, bastava-lhe entretanto que desse mais um ou dois pontos para que perdesse o ano. Mas o que para Bernardo Guimarães um ano perdido com todas as suas conseqüências comparado com as lânguidas delícias do sono da manhã ou com o seu constante e sempre tão doce devanear de um céptico?!.

"Bernardo, portanto, nem estudava, nem acordava para ir à aula; e ele teria com toda a certeza perdido o ano se não fosse um velho bedel da Academia, o Mendonça, que, morando no Largo de Santa Ifigênia, e sentindo por Bernardo Guimarães uma espécie de caritativa simpatia, tomou a si a penosa tarefa de sair mais cedo para a Academia, passar pelas Vidais, e não  continuava o seu caminho sem que tivesse acordado o Bernardo e o levasse consigo." (pág. 303)

Ao bom Mendonça, pois, muito ficou devendo o dorminhoco do poeta, já que era o dedicado funcionário que o arrancava dos braços quentes das Vidais para conduzi-lo, diariamente, ao seio turbulento das Arcadas.

Apesar de péssimo madrugador quando estudante, o auro-pretano imaginou tintas para compor o seu Hino à Aurora, incluído nos "Cantos da Solidão", obra com a qual, em 1852, em São Paulo, se estreava em livro, poema este de meia dúzia de estrofes com que ele, talvez só mesmo em sonhos, erguia sua taça ao rosicler denunciativo de Febo:

Rósea filha do sol, eu te saúdo!
Formosa virgem de cabelos d'ouro,
Que prazenteira os passos antecedes
Do rei do firmamento,
Em seus caminhos flores despargindo!
Salve, aurora! - quão donosa surges
Nos azulados topes do oriente
Desfraldando o teu manto aurirrosado!

Um acontecimento de estucha, um furo de "intimidade familiar" inteiramente estranho para os descendentes e colaterais de Bernardo Guimarães, é o que o citado Francisco de Paula Ferreira de Resende, ilustre memorialista campanhense, seu vizinho nos Bambus, conta nas "Minhas Recordações":

"Ora, nessa rua dos Bambus e perto da nossa casa moravam umas moças que era muito agradáveis e que não era feias e cuja casa guardava um certo meio-termo entre uma casa fechada e uma casa franca. Estas moças, que se bem me recordo, se chamavam Vidais, viviam com a sua mãe que era uma mulher um pouco pernóstica, mas que escrevia feijão com g cedilhado. Pois bem, esta casa das Vidais era a casa onde Bernardo Guimarães morava e onde ele tinha um filho chamado Benedito".

???!!!

Se não se trata de mais uma falsidade atirada na biografia do estudante de Ouro Preto, esclareça-se que esse Benedito "fora de série" é um galho fora da árvore genealógica dos Bernardos Guimarães. Não se conhece nenhuma outra referência a ele.

"Desta época, um de meus amigos era Hilário, a quem Bernardo também muito queria, talvez porque entre ambos não deixava de haver um certo ponto de contato; e vinha a ser, que assim como Bernardo, também Hilário vivia sempre a rir-se do mundo e nunca realmente o tomava a sério; de sorte que além daquele freqüentar aos outros, uma ou outra vez não lhe deixava de fazer algumas poesias. Lembro-me ainda que, tendo-lhe feita uma por ocasião do seu aniversário natalício, quando a enviou, a acompanhou do seguinte bilhete:

Hilário, um dos sinceros amigos de Bernardo, era um moço doentio, de compleição franzina, e não resistiu às moafas estudantis. A tuberculose o ceifou na flor dos anos.

Porém que se não antecipe o túmulo...

Com Hilário, José Bonifácio, Aureliano Lessa, Álvares de Azevedo e, às vezes, algum outro colega, Bernardo visitava sempre todos os arrabaldes paulistanos. Já vimos que o Barão de Paranapiacaba havido sido um desses bons andarilhos, acompanhante do aedo mineiro até à Ponte Grande, onde, "envoltos em capa clássica", iam ouvir a "selvagem orquestra" das águas contra os pegões de alvenaria. Na "Rosaura, a Enjeitada", o próprio Bernardo fala desses passeios pelas vizinhas, e nos oferece longos e estupendos retratos de São Paulo daquele tempo, e das brincadeiras dos estudantes, quando iam chupar jabuticabas na chácara do Major Damásio.

A não ser isso, os moços iam fazer literatura para a "Revista Mensal" do "Ensaio Filosófico Paulistano", para os "Ensaios Literários" e para a "Acaiaba", publicação de estudantes fundada naquele ano de 1851, e "que teve grande influência no desenvolvimento do gosto literário e que foi, em longo período, o escrínio de primorosas composições da lira acadêmica." (Almeida Nogueira, op. cit., 7º vol., pág. 87). Mereceu este período os encômios de Couto de Magalhães, transcritos que foram por Almeida Nogueira em suas valiosas "Tradições e Reminiscências".

Bernardo Guimarães, produzindo sempre suas páginas de humorismo ou de lirismo, estava vivendo o período de grande intensidade intelectual da Paulicéia. Depois de afirmar que o poeta mineiro é "uma das figuras mais interessantes da nossa literatura", assinala Sílvio Romero essa quadra máxima das Arcadas, dizendo sobre o vate vila-riquense:

"Cursou, como se viu, Direito em São Paulo, onde foi companheiro de Álvares de Azevedo, Aureliano Lessa, José Bonifácio, Silveira de Sousa, Félix da Cunha, José de Alencar e outros estudantes entusiastas e estróinas daqueles bons tempos. Foi a época de maior efervescência romântica em nossas academias. À poesia religiosa de Magalhães e à poesia cabocla de Gonçalves Dias aqueles moços fizeram suceder uma poesia mais ampla, mais agitada, mais compreensiva. Avantajaram-se aos seus predecessores em conhecer melhor as literaturas estrangeiras, em preocupar-se mais das questões sociais, e em cultivar mais a forma. Trabalharam em horizontes mais vastos e com armas mais brilhantes. Entre eles distinguia-se Bernardo Guimarães por lirismo sereno, plácido, confiante, quase bucólico." (História da Literatura Brasileira", 2º vol., pág. 240).

Em 1851, viu-se Bernardo sem dinheiro. Como prosseguir nos estudos? O velho pai, em Ouro Preto, em situação financeira muito precária, já não podia socorrer o filho. Eis que providencialmente chegava a São Paulo, nessa conjuntura crítica, vindo de Minas, o Capitão João Inocêncio de Faria Alvim, cunhado de Bernardo Guimarães, casado com uma irmã do quintanista em apuros, D. Maria Fausta. Esse Inocêncio e Maria Fausta foram os avós maternos de Alphonsus de Guimarães, o consagrado poeta místico e simbolista. João Inocêncio estava acompanhado os filhos Augusto Fausto Guimarães Alvim e Guilherme Caetano Guimarães Alvim, que deveriam, na Paulicéia, ainda completar os preparatórios para o curso de Direito, o que realmente se efetivou, tendo o primeiro ingressado em 1853 e o segundo em 1854.

Foi, pois, o Capitão João Inocêncio que socorreu o cunhado em dificuldades, e lhe emprestou o dinheiro para safar-se da aflitiva situação. Só muito mais tarde é que Bernardo poderia saldar essa dívida. Quem disso nos dá notícias é um dos íntimos do poeta ouro-pretano, o professor Carlos José dos Santos, em seu opúsculo "Bernardo Guimarães na Intimidade", pág. 19.

"Não era possível obter repostas de suas cartas dirigidas ao Dr. Plácido Farnese, no Rio de Janeiro. Um dia (Bernardo) escreveu-lhe:

"Flávia, tenho-te escrito muitas cartas, pedindo notícias das minhas obras, que deverão estar em poder do Garnier [editor] e, como não as tenhas respondido, concluo que não as tens recebido. Agora, te digo, que o indivíduo que a esta violar é o mais ordinário que tem aparecido neste globo terrestre e..." -- acrescentou mais coisas. Pouco tempo depois recebeu um volume, contendo alguns exemplares de suas obras. Por sua ordem, vendi-as e entreguei-lhe todo o produto realizado. Recebendo, disse-me:

-- Agora, Carlos, vou mandar este dinheiro a meu cunhado João Inocêncio Alvim, ainda para pagamento de despesa com a minha formatura."

Conquanto boêmio, levando a vida muito a seu modo, Bernardo Guimarães foi sempre correto e pontual para com seus compromissos financeiros.
 


Francisco de Paula
Ferreira de Resende
morou numa república
na mesma rua
onde estava BG 



Poeta Álvares de
Azevedo, um dos
inseparáveis amigos
de BG nas Arcadas



José Bonifácio
(o moço) foi outro
amigo de BG na
escola de Direito