Sala de Física

Biografias


Johann Carl Friedrich Gauss

  

 (1777 - 1855)

Fins do século XVIII. Numa escola elementar de Brunswick, Alemanha, o professor eternamente cansado transmite a seus alunos uma tarefa: adicionar todos os números inteiros de 1 a 100. Dessa maneira, ficarão ocupados por muito tempo e lhe permitirão um tranqüilo repouso.

Mal acabara de dar a ordem, e já um aluno se ergue, dando-lhe o resultado: 5050. O professor repreende-o, pelo que julgava ser uma brincadeira desrespeitosa (ele próprio ainda não calculara o resultado), mas a criança explica sua resposta. Tinha observado, durante a formulação da questão, que a soma de todos os números de 1 a 100 era igual a cinqüenta vezes a soma do primeiro com o último (1 + 1 00 = 1 O 1), do segundo com o penúltimo (2 + 99 = 101), e assim por diante. Ora, 50 X 101 é igual a 5 050.

Este menino, dotado de uma capacidade tão precoce para a matemática, é o filho do jardineiro da cidade de Brunswick, e aprendeu a ler e escrever com a idade de três anos. Seu nome é Carl Friedrich Gauss e, mais tarde, será chamado o "príncipe dos matemáticos", por todos os círculos científicos da Europa.

O pai de Gauss achava que ele devia aprender um ofício, para se empregar num trabalho útil. A matemática era uma extravagância, dispendiosa para um simples filho e neto de jardineiros. Mas sua mãe, orgulhosa e confiante no gênio de Carl Friedrich, soube vencer as resistências paternas. A família passou então a estimulá-lo e apoiá-lo em seus estudos.

Büttner, o espantado professor que presenciara o cálculo da soma dos primeiros cem números inteiros, deu-lhe um manual, seu primeiro livro "sério" sobre matemática. Aos dez anos, Gauss já o havia assimilado por completo, e buscava algo mais profundo. Lia tudo quanto lhe caía nas mãos. Alguns jovens amigos, interessados como ele nas ciências exatas, emprestavam-lhe os volumes inacessíveis ao seu bolso.

Certo dia, um desses amigos o apresentou a Carlos Ferdinando, Duque de Brunswick. Este compreendeu a grande inteligência escondida sob a timidez daquele menino e decidiu encarregar-se das despesas de sua educação. Gauss ingressou no Colégio Carolino, onde teve o primeiro contato com as matemáticas superiores. Mas o seu professor era decepcionante: sem saber como ensinar, nas suas palavras a matemática não se tornava uma ciência interessante.

É então que, adolescente ainda, Gauss descobre os tratados de Newton, Euler e Lagrange. "Na minha mente, ao ler os tratados de Euler, aglomerou-se bruscamente uma tão grande multidão de idéias minhas e novas, que não conseguia sequer fazer a conta delas", diria alguns anos mais tarde. E, entre os catorze e os dezessete anos, começa a realizar suas primeiras descobertas matemáticas.

Antes mesmo de ingressar no Colégio Carolino, Gauss havia aprendido o grego e o latim, então indispensáveis a uma formação humanística.

Com apenas catorze anos, já se exprimia em latim como em seu idioma natal. Quando, mais tarde, se viu obrigado a decidir acerca da orientação de seus estudos, ficou longamente indeciso entre a filologia e as ciências matemáticas.

A 30 de março de 1796, com dezenove anos, a descoberta de como construir com o compasso o lado do polígono de dezessete lados leva-o a dedicar-se apenas à matemática. Transfere-se então para Helmstadt, para continuar os estudos. A partir daquele dia começa a manter um diário, no qual anota meticulosamente seus pensamentos, suas invenções, os cálculos e o desenvolvimento das suas idéias.

O abandono da filologia como carreira oficial não diminuiu em Gauss o interesse pelas línguas clássicas. Escreveu suas obras geralmente em latim, o que facilitou muitíssimo a sua difusão, pois naquela época essa língua era conhecida e falada por todas as pessoas cultas da Europa.

O mundo científico sofreu um grande choque com a publicação póstuma do diário de Gauss. É que a ele pertencia o mérito de descobertas matemáticas oficialmente atribuídas a outros. Muitas de suas pesquisas ficaram praticamente sepultadas nas folhas do diário, pois Gauss não se interessava pela glória da prioridade. Algumas vezes, quis espontaneamente renunciar a ela, considerando seus pensamentos insuficientemente elaborados e incompletos para confiá-los aos livros.

O diário teve ainda o mérito de retratar todo o processo criativo de uma mente privilegiada. As idéias aparecem na sua forma original, às vezes apenas aludidas. Depois, em outro trabalho publicado pelo próprio Gauss, as mesmas idéias se encontram expostas de forma rigorosa, evoluídas e ligadas a outros ramos de conhecimento. Seu lema era "Pauca sed matura" (poucas coisas, porém elaboradas até a perfeição). E a ele se manteve sempre fiel, deixando a outros cientistas, que melhor desenvolveram idéias suas, o mérito da descoberta.

No entanto, mesmo sem considerar pesquisas só conhecidas postumamente, sua obra é monumental. Gauss ocupou-se, em períodos sucessivos, de diversas disciplinas: aritmética, geometria, análise, eletricidade, astronomia, geodesia, mecânica. A alegria juvenil sentida com a primeira descoberta levou-o a desistir da filologia e a dedicar-se ardorosamente à matemática. A 30 de março de 1796, verificou que era possível construir com régua e compasso os polígonos regulares dotados de um número de lados exprimível pela fórmula 2 2n - 1 onde n é um número inteiro qualquer. Descobrira especificamente como construir com o compasso o lado do polígono de dezessete lados (n = 2, na fórmula). Quem tentar construir o lado do pentágono depois de haver esquecido a demonstração, aprendida na escola há anos, será capaz de apreciar a importância dessa descoberta efetuada por um jovem de dezenove anos de idade.

Em 1801, Piazzi descobrira um pequeno astro. Seu nome era Ceres e girava entre Marte e Júpiter. Era necessário calcular, com a maior rapidez, a órbita em que se deslocava, porque dentro em pouco desapareceria no esplendor da luz solar e não seria facilmente reencontrado.

O mundo científico dirigiu-se então a Gauss pedindo-lhe que estudasse um método matemático adequado ao cálculo da órbita do asteróide, a partir de poucas observações. Da velocidade com que resolvesse o problema dependeria a possibilidade de reencontrar Ceres e confirmar a sua descoberta. Se Gauss não tivesse êxito, a oportunidade talvez se perdesse por muitos anos, e a existência de Ceres continuaria a ser uma suspeita dos astrônomos.

No início do século XIX, os homens cultos procuravam interessar-se por todos os aspectos da atividade humana. As energias espirituais despertadas pela Revolução Francesa ainda se faziam sentir poderosamente. Por isso, a Europa inteira seguia com extremo interesse os progressos do trabalho de Gauss. Napoleão discutia com seus generais a possibüidade de que o matemático alcançasse a solução do problema, e se inflamava com a idéia de que seu gênio pudesse vencer, na competição com o tempo, o mistério do movimento do asteróide.

O gênio de Gauss não desapontou os que nele acreditaram: a trajetória de Ceres foi calculada. Mas tal incumbência fez Gauss voltar-se para a astronomia. No período que vai de 1801 a 1816, foram publicadas várias obras suas sobre mecânica celeste. Entre 1816 e 1828, os seus interesses se deslocaram para a geometria diferencial: a parte da geometria que estuda as propriedades de forma e curvatura das superfícies no espaço, definidas por meio de equações ou simplesmente com base nas características gerais da sua forma. Ocupou-se, pois, com geometria não-euclidiana, lançando as bases que, cem anos mais tarde, serviriam a Einstein para expor a sua teoria da relatividade geral.

A física matemática constituiu o principal objeto de seus estudos por doze anos, ate; cerca de 1840. Gauss estudava a descrição matemática de certos fenômenos como, por exemplo, a forma geométrica das linhas de força do campo magnético, ou a forma que deve assumir a superfície do mar por efeito da força de atração exercida pela Lua e da força centrífuga originada pela rotação da Terra.

(Göttingen, em estampa de 1824)

Na fase final de sua vida, que se encerrou em Göttingen aos 78 anos, a 23 de fevereiro de 1855, voltou a dedicar-se à geometria e à geodesia (o estudo da forma e das dimensões da Terra).

Os últimos anos de Gauss transcorreram numa atividade febril. Era amigo de alguns matemáticos de grande nomeada, como Pfaff e Bolyai, que sinceramente o admiravam. Alternava o trabalho com o estudo de línguas (estudou sozinho o russo na idade de sessenta anos) e com a leitura de obras literárias. Gostava de Walter Scott, mas detestava Byron, Schiller e Goethe.

Um aspecto interessante da sua multiforme atividade, geralmente pouco conhecido, foi a sua capacidade como inventor. Gauss inventou o telégrafo óptico e o telégrafo com fio. Inventou também o magnetômetro (um instrumento para medir a intensidade do campo magnético). Entretanto, nunca se preocupou em reivindicar a prioridade das suas invenções, e nem procurou aplicações práticas para elas. Interessava-lhe apenas a teoria, deixando aos outros a exploração.

Além de inumeráveis artigos breves em revistas de matemática, física e geodesia, Gauss publicou cerca de 155 volumes sobre os estudos por ele efetuados. Pode-se apenas ressaltar as principais pesquisas e descobertas de cada um dos períodos de sua atividade.

Ao período da aritmética pertence a descoberta do teorema fundamental da álgebra (toda equação algébrica possui pelo menos uma raiz) e a teoria da divisibilidade dos números.

Durante o período dedicado à astronomia destaca-se a aplicação do método dos mínimos quadrados ao cálculo das órbitas dos planetas, além do estudo do cálculo das órbitas e do modo pelo qual se atraem os corpos celestes de forma não-esférica.

No período da geodesia e da geometria, as obras mais importantes versam sobre o estudo das superfícies do espaço, sobre o conceito de curvatura total e acerca dos métodos de representação, no plano, de superfície de forma complexa (problema que se relacionava, também, com a cartografia).

No período da física matemática, Gauss estudou o problema relativo à forma que assume um corpo fluido no estado de equilíbrio, quando solicitado por forças externas; questões sobre o magnetismo terrestre e sua medida; o problema da teoria do potencial eletrostático e eletromagnético; e a teoria da propagação das ondas luminosas.

Finalmente, no último período de sua vida, consagrou-se a pesquisas sobre a generalização das representações geodésicas aos problemas de álgebra.

A morte de Gauss coincide com o incremento da Revolução Industrial. A crença oficial no progresso pacífico começava a ser substituída pela realidade de uma época de crises. Daí para diante, a figura do cientista integral, interessado em todos os aspectos do conhecimento humano, se toma praticamente uma raridade. Por isso, o desaparecimento de Gauss marca o fim de uma era. 

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