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Biografias


Werner Karl Heisenberg

  

 (1901 - 1976)

Em fins de 1939, aconselhado pelo físico Szilard, Albert Einstein escrevia cuidadosamente uma carta. Ela se dirigia a Franklin Roosevelt, então presidente dos Estados Unidos. Nela, o famoso físico falava sobre a recém-descoberta reação nuclear em cadeia, que iria permitir a construção de reatores e bombas nucleares. Pedia o fornecimento de grandes verbas para o rápido desenvolvimento de pesquisas nesse campo e alertava sobre a possibilidade de que os alemães obtivessem algo semelhante.

Enquanto escrevia, Einstein se recordava de Werner Heisenberg, um dos maiores físicos nucleares do mundo, politicamente filiado ao III Reich. Imaginou que ele certamente dirigiria as pesquisas alemãs e construiria armas atômicas. Lembrou-se também, com certo desconsolo, do Princípio das Incertezas, descoberto por Heisenberg e que ele tentara inutilmente derrubar.

Terminou de escrever e assinou a carta, que foi levada a Roosevelt por um influente banqueiro, chamado Sachs. Graças ao prestígio de Einstein, logo em seguida foram tomadas providências e incrementadas as pesquisas. Mais tarde, Einstein arrependeu-se profundamente de ter escrito aquela carta, pois os alemães nem mesmo tinham tentado construir armas nucleares. Einstein havia se enganado.

(Heisenberg, a direita, com o pai e irmão. Em 1914)

Werner K. Heisenberg nasceu em Würzburg, em 1901. Sua educação inicial e seus estudos universitários foram realizados em Munique, na Baviera. Iniciou o curso de física em 1920. Um de seus professores foi Arnold Sommerfeld, que além de famoso físico era um extraordinário professor. Muitos de seus alunos se tornaram grandes cientistas.

Sommerfeld conhecia o interesse de Heisenberg pela teoria de Niels Bohr e, por isto, levou-o a Copenhague em 1922, para assistir a uma série de conferências desse mestre. Em uma de suas palestras, defendendo uma determinada teoria, Bohr abordou um assunto que, por acaso, Heisenberg tinha estudado bem. O jovem pediu a palavra, para expor objeções a tal teoria; e o experiente físico não conseguiu rebatê-las.

Após a conferência, Bohr procurou Heisenberg e convidou-o para uma longa conversa, que foi o início de uma grande amizade. Falaram sobre os pontos fundamentais e os problemas filosóficos da teoria quântica. Heisenberg ficou impressionadíssimo, e viu que era necessário derrubar as bases da física clássica e erguer um novo edifício científico.

Após se formar, Heisenberg foi realizar seus estudos de pós-graduação em Göttingen. Seu orientador foi Max Born, que anunciara a necessidade de se formular a mecânica quântica, fundamentalmente diferente da mecânica clássica, para a explicação dos fenômenos atômicos. Em 1925, Heisenberg imaginou que era preciso alterar a própria cinemática, isto é, a própria maneira de descrever os movimentos em nível atômico.

Seu raciocínio era aproximadamente o seguinte: todos os dados experimentais referentes ao átomo diziam respeito apenas à emissão e absorção de energia. Não havia experiência alguma que dissesse como os elétrons se moviam dentro do átomo. Mas a teoria de Bohr, por exemplo, falava do raio da órbita do elétron e de sua velocidade. Mas se essas coisas não são observáveis, não tem sentido falar nelas; na explicação de um fenômeno só podem entrar outros fenômenos suscetíveis de serem verificados experimentalmente. É possível afirmar que um átomo possui vários estados energéticos diferentes, e que, ao passar de um para outro, emite ou absorve energia. Mas esses estados não devem ser relacionados a diferentes órbitas eletrônicas.

Depois de lançar, dessa maneira, as bases da mecânica quântica, Heisenberg desenvolveu em 1927 um trabalho em que dava ênfase à relação entre o resultado de uma medição e a perturbação causada sobre ele pelo observador.

Para determinar a temperatura de um copo com água, por exemplo, é necessário colocar dentro dele um termômetro. Este termômetro, ao aquecer-se, absorverá calor, fazendo com que o líquido. sofra uma diminuição de temperatura. Assim, como o processo de medição da temperatura de um objeto modifica o estado térmico deste objeto, toda observação perturba o sistema observado.

Isto já era conhecido anteriormente. Mas, de acordo com as antigas concepções, a perturbação introduzida numa medição poderia ser reduzida à vontade, desde que se aperfeiçoassem as técnicas experimentais e se diminuísse o tamanho dos instrumentos. Ora, a existência de descontinuidades na matéria - átomos, elétrons, fótons - não permite que se reduza à vontade o valor da perturbação; existe um limite que não pode ser ultrapassado.

Além disso, de acordo com a física clássica, as perturbações ocorridas podem ser calculadas exatamente; apesar de a medição modificar o estado do sistema medido, é possível calcular a variação ocorrida e saber tanto o estado inicial quanto o final, após a observação.

Mas as propriedades ondulatórias da matéria proíbem isso; conforme Heisenberg mostrou com um enorme número de exemplos, as perturbações introduzidas no processo de medição não podem ser calculadas no campo microscópico. Por isto, ao se fazer uma medição, perturba-se de tal forma o sistema que se torna impossível fazer uma previsão exata sobre seu comportamento futuro.

Heisenberg demonstrou que, na verdade, é possível conhecer alguns dados sobre qualquer sistema, com grande precisão; mas o valor dos outros se tornará cada vez mais impreciso. Ao se medir precisamente a posição de uma partícula, por exemplo, haverá uma perturbação de sua quantidade de movimento, e ao se medir o instante preciso em que ocorre um fenômeno, haverá uma perturbação da energia do sistema. A formulação mais completa desta idéia é denominada Princípio das Incertezas: se não é possível determinar exatamente todas as condições iniciais de um sistema, então também não é possível prever seu comportamento futuro. Os fenômenos não podem ser previstos exatamente; só é possível estabelecer a probabilidade de que algo aconteça.

A impossibilidade de prever os fenômenos não é considerada uma simples deficiência humana ou experimental; admite-se que ela seja inerente à própria natureza. Esta interpretação do Princípio das Incertezas foi desenvolvida mais tarde por Bohr, e tornou-se a base de uma filosofia da ciência, aceita por quase todos os cientistas.

Mas houve quem não aceitasse, as idéias de Heisenberg; e, entre eles, estava Einstein. No Sexto Congresso Solvay de Física, realizado em Bruxelas no ano de 1930, Einstein tentou mostrar a inconsistência do Princípio de Heisenberg, através de uma experiência imaginária.

Bohr ficou preocupado com a objeção. Passou a noite em claro e, na manhã seguinte, refutou as idéias de Einstein. Este, vencido, admitiu que o Princípio das Incertezas estava livre de contradições internas. Mas até a morte permaneceu na esperança de que um dia a física apontasse sua superação. Em 1932, no entanto, a teoria de Heisenberg foi definitivamente consagrada, e seu autor recebeu o prêmio Nobel.

(Dirac, Heisenberg e Schrödinger, indo para a entrega do prêmio Nobel)

Após a descoberta do nêutron, Heisenberg interessou-se pela física nuclear. Foi o primeiro a sugerir que o núcleo atômico é constituído por nêutrons e prótons, e não prótons e elétrons, como se supunha antes. Para explicar a coesão do núcleo, utilizou um modelo decorrente do Princípio das Incertezas, que foi aperfeiçoado mais tarde por Yukawa. Alguns anos depois, foram descobertas as reações nucleares em cadeia, e a teoria mostrava que elas tornavam possível obter explosões monstruosas. A notícia foi cientificamente divulgada, sem se imaginar que levaria à construção de terríveis armas nucleares. Mas, com o início da Segunda Guerra Mundial, cessaram as trocas de informação sobre o assunto. Todos os conhecimentos a respeito foram considerados segredos militares.

Heisenberg, apoiando o governo de Hitler, foi nomeado diretor científico as pesquisas nucleares alemãs. Nos Estados Unidos, não se suspeitava da verdadeira posição de Heisenberg: ele queria manter-se na direção das pesquisas apenas para impedir que cientistas menos escrupulosos utilizassem a energia nuclear para fins bélicos. E de fato o conseguiu. Graças à sua autoridade, convenceu os governantes da inviabilidade econômica da construção de bombas atômicas. Por isso, as pesquisas realizadas na Alemanha durante a guerra, foram apenas relacionadas com a utilização da energia nuclear em reatores atômicos.

(Protótipo do reator nuclear alemão, 1945)

Heisenberg tentou comunicar-se, sem sucesso, com seus colegas do exterior, para que eles também não usassem seus conhecimentos a fim de submeter a energia nuclear a finalidades bélicas. Mas nem o próprio Bohr acreditava mais nele; imaginaram que seu intuito era construir a bomba em segredo e utilizá-la de surpresa. Só após o fim da guerra, ficou sabido que a Alemanha não tentara construir armas atômicas. Mas já era muito tarde para voltar atrás. O grupo Americano de Los Alamos, dirigido por Oppenheimer, já tinha conseguido o artefato.

Um pouco antes da rendição japonesa, uma bomba atômica foi lançada sobre Hiroxima, e outra sobre Nagasáqui. Por não acreditarem na palavra de Heisenberg, os físicos dos Estados Unidos tinham feito exatamente aquilo que ele tentara evitar.

Após uma curta estada na América, Heisenberg retornou à Alemanha, onde continuou a realizar pesquisas sobre reatores, tendo mais tarde sido nomeado diretor científico do Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (CERN), instalado em Genebra. Por meio de vários livros e artigos, procurou sempre mostrar que a ciência deve ser colocada a serviço do homem, e não de sua destruição.

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