Boletim Mensal * Ano VI * Novembro de 2007 * N.º 56

           

 

COLUNA DOS VINHOS

Ivo Amaral Junior

 

 

            Ilustres compadres:

Nosso editor vem insistindo há algum tempo para que eu escrevesse algo sobre o vinho “torna viagem” e, após resvalar no assunto por duas vezes, finalmente me propus a procurar algum artigo material sobre o tema, com o propósito de não falar sobre o que não entendo. Após algum tempo de pesquisa e estudo, infelizmente não-empíricos, consegui adquirir conhecimentos, que tentarei transmitir da forma mais simples e direta possível, alertando, de logo, acerca da pequena mudança de rumo em relação aos artigos anteriores, que estavam entregues à parcela epicurista e hedonista que está presente em cada pessoa e, de forma mais apurada, nesse escriba que tanto ama a vida, o vinho e suas circunstâncias.

            Mas, deixando de lado as reminiscências da minha vida e de algumas vidas alheias, exprimidas em colocações filosóficas e poéticas impingidas em nossas conversas dos últimos três ou quatro meses, vamos partir – ou talvez voltar – ao vinho que partiu e voltou (desculpem o trocadilho! Mas não pude resistir), melhor do que foi ou, como diz a história, completamente diferente do que partiu, ficando melhor quando voltou.

            Bem! Eu também fiquei um pouco desatinado quando terminei de ler o parágrafo acima, mas foi exatamente essa confusão descrita em palavras que ocorreu para que fosse “descoberto” tal néctar, o qual, repise-se, ainda não provei na sua forma mais sublime, ou seja, produzida da forma clássica.

            Na realidade o vinho desse tipo surgiu contemporâneo às viagens das naus portuguesas que faziam périplos pelo mundo, negociando e transportando. Provavelmente, numa das viagens à Índia, com destinação a Goa, uma caravela ou algo do tipo aportou na ilha da Madeira e, dentre vários itens, carregou alguns cascos (tonéis ou pipas) do vinho lá produzido.

            Entremeando um pouco a história, calha à fiveleta dizer que o vinho Madeira é um vinho fortificado, de elevado teor alcoólico, reconhecido internacionalmente, que já passou por situações extremas tanto de êxito quanto de crise – esse último na praga da filoxera, que atingiu os vinhedos, quase os dizimando, em 1872.  O êxito existiu no período anterior e hoje, inegavelmente, classificamos o vinho como uma das riquezas do mundo vinícola.

            À época das grandes navegações e do ritmo intenso dos comerciantes europeus, essas pipas encaminhadas à Índia, não obtiveram aceitação por parte dos compradores (isso há mais de 300 anos), que devolveram a mercadoria, achando que a adição de aguardente vínica – realizada para que o vinho pudesse suportar o percurso – tinha estragado a bebida.

            Qual não foi a surpresa dos vinhateiros da Ilha da Madeira, quando ao abrir os tonéis constataram que o vinho não somente estava bom, mas muito melhor do que quando partiu, o que os levou (felizmente) à conclusão de que a agitação da embarcação, pelo bater das velas e o constante contato do vinho com a madeira dos tonéis de carvalho foram essenciais para essa transformação, tudo comprovado empiricamente após mais algumas viagens.

            Atualmente é quase impossível reproduzir os procedimentos adotados pelos vinhateiros daquele tempo, pois com a utilização de modernas técnicas de armazenamento em cubas de aço inoxidável, controles de temperaturas computadorizadas, entre outros – sem falar que no século anterior já se fazia algo parecido com vapor d’água e serpentinas de cobre – já é possível ter no vinho Madeira seu sabor e características marcantes, de forma mais moderna, econômica e viável.

            Mas nem tudo está perdido! As antigas técnicas, por vezes melhores, apesar de mais dispendiosas e trabalhosas – não estão completamente esquecidas, mormente num país tradicionalista e arraigado aos costumes quanto Portugal.        O produtor José Maria da Fonseca, um dos grandes das terras d’além mar, firmou um convênio com a marinha portuguesa para que durante a viagem do ano de 2007 do navio-escola “Sagres”, construído em 1937 e que serve de embaixada itinerante de Portugal pelo mundo, pudesse incutir a bordo, no convés, dez cascos do seu famoso Moscatel de Setúbal (6.000 litros), retornando as técnicas centenárias e reavivando a lenda desse insofismável vinho fortificado.

            Pelo que vi nas notícias o “Sagres” regressou à terrinha em 15 de outubro passado e já deve ter devolvido as barricas ao saudosista produtor de vinhos, que certamente tomará as medidas para comercialização. Li que as barricas tornaram com alguns litros a menos, fato o qual os marinheiros imediatamente atribuíram à evaporação natural pelo chacoalhar do navio. O difícil foi acreditar... Parece que os marinheiros comprovaram empiricamente as qualidades da técnica utilizada... Sorte de quem provar desse vinho!