Boletim Mensal * Ano VII * Fevereiro de 2009 * Nº 67

           

 

FADO TAMBÉM É CULTURA  (25)   

                 

Alfredo Antunes

 

 

            Amigos! Obrigado pela companhia! “Venho de longe e.../Hoje, sou a saudade imperial/ Do que já na distância de mim vi...”, diz Fernando Pessoa, como se estivesse escrevendo para esta minha quase  última crônica! Sim, venho de longe! Melhor: vimos de longe! De longe, mas chagamos!O que, hoje, se chama de ‘Fado clássico’ está pronto. Os últimos 30 anos do Séc.XIX e começos do Séc. XX, fixaram-no, definitivamente, em beleza estética e elevação expressiva. Cantadores e Cantadeiras, Poetas, Escritores, “Teatros Revisteiros”, Casas Editoras, “Retiros”, “Casas de Fado” (que alguém chamou de  “Casas de sofrer”!) e, finalmente, a Discografia, foram os amorosos guardiães que o nosso bonito Fado sustentaram, e a ele deram cidadania!Devíamos render um preito especial a cada um destes ‘vigilantes’, mas o  que faço hoje é apenas um apontamento daquilo que a alma de Portugal foi guardando...

            Depois da nossa querida Severa, vieram outros monstros sagrados como a Cesária (não deixem de ir, um dia, à “Cesária”, em Lisboa!), a Vitória (quem não conhece o “ Teatro Maria Vitória” – antigo ABC, no Parque Mayer?), a Cacilda Romero (que, diziam, cantava já um Fado moderno), a Júlia Fernandes (outro atual nome de Teatro, em Lisboa), a Zulmira Miranda, a Hercília Costa, a Berta Cardoso (a “senhora” de Lisboa, quando Amália Rodrigues começou, em 1939), a Maria Alice (a grande inspiradora da mesma Amália),  e as  grandes cantadeiras  que primeiro gravaram discos de fados, entre 1928 e 1936):Emília Ferreira, Madalena Melo, Maria Silva, Maria Torres, Ermelinda Vitória, Celestina Luisa, Adelina Fernandes e Dina Teresa (Lembram-se, Amigos, daquela que veio tentar a sorte no Brasil, depois do seu sucesso no o filme  musical “ A Severa”, em 1931?). Muitos cantadores, homens, podíamos igualmente invocar. Menciono apenas aqueles dois que, primeiro, gravaram discos:  José Porfírio e Alfredo Duarte (de apelido “Marceneiro”, por ser este o seu trabalho: “ Marceneiro na arte e no ofício! – cantará ele mais tarde).Entre as centenas de  grandes guitarristas, menciono apenas duas lendas vivas, da virada do século:  o João Maria dos Anjos e o Armandinho.

            E por estar, agora, o Fado totalmente desligado da dança, é permitido aos cantadores variarem as inflexões de voz, enriquecendo as nuances psicológicas do canto. Do mesmo modo, a guitarra. Livre de ritmo imposto, e afinada em menor,  chega ela a atingir as raias do virtuosismo, com floreios incríveis e “confidências” surpreendentes. Cantadores e guitarristas se profissionalizam. São os novos profissionais duma arte antiga! E bem pagos! (Já lá vai o tempo em que o pedreiro Cesário pagava dez tostões ao guitarrista Carreira para acompanhar, com exclusividade, a sua amante Cesária! Ou quando o Morais Náutico pagava quatro coroas diárias, e jantar, ao Calcinhas e Patusquinho, para alegrarem seus amigos nos serões da Quinta da Pimenteira!).

            Dizíamos nós que os Escritores e Poetas ajudaram a elevar e dignificar o Fado. E é verdade. Antes, as letras (em quadras soltas, de sete sílabas, ou em quadras glosadas por quatro décimas) eram sempre de sabor popular, quando não fruto de  improvisos. Seu valor literário era mínimo; por vezes nulo ou pícaro. Agora não. O Fado ganha cidadania literária. Camilo, faz questão de apresentar o“ Eusébio Macário” orgulhosíssimo de seu filho - o “Fístula”- que “já ganha a vida como fadista! E em “A Ilustre Casa de Ramires” é, agora, Eça de Queirós que nos revela o seu “Vieirinha”, cantando o “Fado dos Ramires” ,“ na dolente melodia dum fado, rico em ais!”. Sabemos que a grande maioria dos Escritores e Poetas, ou simplesmente teorizaram sobre o Fado (Camilo, Eça, Oliveira Martins, Raúl Brandão,Manuel Laranjeira,Ramalho Ortigão, Bulhão Pato, Teófilo Braga etc.), ou para ele escreveram poemas (João de Deus, Pascoaes, Guerra Junqueiro, Fausto Guedes, Afonso Lopes Vieira, Bocage, Gomes Leal, José Régio, João Pena, D.Tomás de Noronha, Correia de Oliveira, Augusto Gil, António Botto, e muitos outros),  ou, ainda, poetaram com alma e crença profundamente “fadistas”(Camões, António Nobre, Fernando Pessoa etc, etc). Vejamos, por exemplo, a beleza com que António Nobre , em seu único livro - o “SÓ” – descreve sua desditada sorte: “Que triste fado!/  Antes fosse aleijadinho/ Antes doido, antes cego...” Que vida negra!/ Foi escrito à luz do raio/ O triste fado que me deu Nosso Senhor!”. Tão triste inveja e desventura, Amigos!, só tem paralelo nos versos do grande cantador e guitarrista José Monteiro que, sendo cego, cantava: “O cego vive em tristeza/ O louco vive contente,/ O cego sente e não vê/ O louco vê e não sente”. Quando Fernando Pessoa diz: “ O louco é que é feliz porque  não pensa”, parece estar em sintonia com tal herança fadista. Só que, para este Poeta, nem a loucura é solução; já que termina o poema,  perguntando: “que é ser feliz sem saber?”.

            Pois é Amigos! O “Fatum”, ou o Destino, não tem porta de saída. Parece ser um “mau jeito” na alma da gente!

            Até à próxima! E não esqueçam: mesmo doendo, o “Fado também é Cultura”.