CAPITAIS ESTRANGEIROS NA AMÉRICA LATINA

 

 

Bibliografia: História e Energia: A chegada da Light. SP. Patrimônio Histórico/Eletropaulo, 1986.

Investimentos estrangeiros na América Latina 1914.

 

Quer sob a égide dos bancos, como parece ter sido o caso da Alemanha ou da França, quer por iniciativa das grandes empresas oligopolistas dos setores produtivos, aparentemente o caso dos países anglo-saxônicos, o capital financeiro constituído nas economias capitalistas contrais mais desenvolvidas não tardou a voltar a atenção para o exterior e, mais especificamente, para os países e regiões da periferia do sistema. Isto se dava por força da crescente saturação dos mercados Internos daquelas economias o também por causa do crescente protecionismo que passou a vigorar em cada uma delas, tomando cada vez mais difícil a concorrência intercapitalista nas áreas economicamente mais desenvolvidas. Foram, em última análise, essas barreiras que deram origem e consistência à expansão Imperialista das economias capitalistas centrais nos países o nas regiões da periferia do sistema - uma expansão que visava à exportação, não mais apenas de mercadorias, mas também e principalmente de excedentes de capitais sem melhores alternativas de aplicação rentável naquelas economias.

A distribuição espacial dos Investimentos externos daí resultantes era bastante sintomática. As vésperas da Primeira Guerra Mundial, nada menos que 47% dos investimentos externos da Grã-Bretanha estavam localizados em seu império colonial e outros 20% na América Latina. Esse último percentual era equivalente ao dos capitais britânicos aplicados nos Estados Unidos, cuja economia já era naquela época incomparavelmente mais desenvolvida e mais dinâmica que a do conjunto dos países latino-americanos. Uma tendência análoga podia ser observada em relação aos próprios Estados Unidos, que concentravam nada menos do que 40% do total de seus Investimentos externos num único país, o México.

Em termos setoriais, a distribuição desses recursos não chegava a apresentar padrão uniforme, inclusive numa mesma unidade geográfica. Assim, na América na, por exemplo, pode-se distinguir, de um lado, os casos particulares de algumas economias de enclave nas quais o grosso dos investimentos estrangeiros se concentrou preferencialmente na produção - e mais especialmente na Indústria extrativa mineral - e, de outro, o caso mais geral, em que os capitais estrangeiros foram aplicados sobretudo nos canais de comercialização e na Intermediação financeira. Ao mesmo tempo, todavia, houve um elemento comum a ambos os casos: a relevante participação dos investimentos estrangeiros na Infra-estrutura de serviços. Este setor, que era (e é) essencial tanto à produção quanto à circulação de mercadorias, inclui desde o sistema de transportes e comunicações até a manutenção da ordem pública e da justiça, passando pelos chamados serviços de utilidade pública.

Nos países latino-americanos, boa parte destes últimos foram implantados de fora para dentro por meio de capitais estrangeiros e em função das necessidades de integração de suas economias primário-exportadoras na nova divisão internacional do trabalho que estava sendo implantada no contexto da expansão imperialista, fomentada por grupos oligopolistas dos países capitalistas centrais. Nos países latino-americanos, a referida expansão materializou-se pela penetração apenas de grandes quantidades de mercadorias estrangeiras, mas também - e sobretudo - de vultosos empréstimos e investimentos de capitais estrangeiros. Tais fluxos financeiros destinavam-se, de um lado, a facilitar o acesso dos referidos grupos aos produtos de exportação e aos pequenos, porém crescentes, mercados internos da América Latina; de outro lado, procuravam encontrar aplicações rentáveis para os excedentes de capitais que se iam acumulando nos países capitalistas centrais. Seja sob forma de empréstimos aos diversos governos latino-americanos, seja sob forma de investimentos em empresas privadas, nacionais ou estrangeiras, em funcionamento na região, esses capitais não eram transferidos em caráter permanente. Teriam de ser reembolsados mais cedo ou mais tarde, com o devido acréscimo de juros, lucros e royaltes. Por outro lado, sua entrada na América Latina envolvia, como contrapartida, uma série de concessões comerciais, financeiras e institucionais (inclusive de caráter fiscal).

No período que se estende de meados do século XIX ao início da Primeira Guerra Mundial, a maior parte dos capitais estrangeiros que afluíram a este continente procedia da Grã-Bretanha. Embora a hegemonia britânica no plano mundial viesse sendo contestada e ameaçada desde o final da década de 1870, nos países latino-americanos essa hegemonia iria manter-se praticamente inalterada até 1914. Isto se devia fundamentalmente ao profundo enraizamento dos interesses britânicos em nosso continente e à sua presença dominante no comércio exterior desses países desde antes da independência política dos mesmos. Tratava-se de uma situação que só iria mudar, definitiva e irreversivelmente, com a Primeira Grande Guerra, a partir da qual a Grã-Bretanha deixou de ter os meios necessários para conservar sua hegemonia comercial e financeira.

 

MODERNIZAÇÃO DAS CIDADES E DOS COSTUMES

A expansão do intercâmbio comercial e financeiro com o exterior provocou grandes modificações no estilo de vida das principais cidades da América Latina, cujos padrões de consumo de bens e serviços começaram a pautar-se cada vez mais pelos padrões europeus - não mais os das antigas metrópoles dos tempos coloniais, Lisboa e Madri, mas os dos grandes centros urbanos dos países capitalistas centrais, como Paris e Londres. Essa modernização dos costumes, que iria criar novos tipos de demanda econômica e social, apareceu primeira e mais rapidamente, no consumo conspícuo das classes dominantes dos vários países latino-americanos, as quais participavam, em maior ou menor grau, da prosperidade gerada pelo aumento das exportações provenientes do setor primária Suas manifestações abrangiam desde as formas de lazer até à arquitetura das casas.

Um papel muito importante nesse processo de implantação e difusão de novos padrões de consumo foi desempenhado pelos investimentos estrangeiros (em sua maioria britânicos) no chamado setor terciário ou de serviços. Tais investimentos contemplaram, em primeiro lugar, a infra-estrutura de transportes indispensável ao comércio exterior, ou seja, o trinômio ferrovias-portos-navegação marítima. Em segundo lugar, mas não num plano secundário, eles se destinaram aos já citados serviços de utilidade pública, isto é, aos sistemas de transportes urbanos, de iluminação pública, de águas e esgotos, de geração e distribuição de energia elétrica etc.

Embora não tivessem sido tão essenciais do ponto de vista da economia primário-exportadora, nem tão volumosos como os primeiros, essa segunda categoria de investimentos na infra-estrutura foi muito importante pelo menos sob dois aspectos. Do lado da oferta dos produtos de exportação da América Latina, deram origem a uma série de economias externas para a produção e comercialização desses produtos, aumentando a competitividade dos mesmos no mercado mundial. Do lado da demanda, ao criarem novas necessidades, até então inexistentes ou apenas latentes, os investimentos externos em infra-estrutura foram fundamentais para o estabelecimento de novos vínculos comerciais e financeiros entre a periferia do sistema e os países capitalistas centrais. Tanto num caso quanto no outro, contribuíram, e muito, para a maior integração das economias latino-americanas na nova divisão internacional do trabalho que estava sendo gestada pelo capitalismo monopolista emergente.

A demanda de serviços de utilidade pública no meio urbano não se restringia ao âmbito das classes dominantes ou economicamente mais favorecidas. Tendia, pelo contrário, a abranger a maioria dos habitantes das cidades latino-americanas e a crescer paralelamente à expansão de suas áreas e ao incremento de suas populações. Tratava-se, na verdade, de uma demanda de serviços essenciais ao estar e à produtividade dessas populações, e não de uma modalidade de consumo supérfluo 0 atendimento dessa demanda envolvia não apenas a necessidade de investimentos de certo vulto, mas também um esforço conjugado das empresas concessionárias e dos poderes públicos concedentes de tais serviços.

Os interesses em jogo na implantação e expansão desses serviços não eram somente de caráter econômico, mas tinham também importantes aspectos sociais e políticos. Contudo, o vulto e os longos prazos de maturação dos investimentos envolvidos faziam com que os aspectos econômicos e financeiros fossem fundamentais, logo atraindo as atenções e os recursos dos capitais estrangeiros. Estes recursos podiam assumir diversas formas, conforme as necessidades e as conveniências do momento. Quanto aos capitais britânicos, que eram de longe os mais importantes na América Latina durante o período anterior à Primeira Guerra Mundial, costuma-se distinguir, de um lado, os investimentos diretos, feitos em empresas privadas controladas pelos referidos capitais, e, de outro lado, os investimentos do tipo porffofio, efetuados em títulos da dívida pública de governos latino-americanos ou em ações de empresas privadas, de quaisquer nacionalidades, fora do controle dos capitais em questão(6).

Por volta de 1865, os Investimentos de capitais britânicos na América Latina somavam cerca de 81 milhões de libras esterlinas. Eles tiveram um crescimento extremamente rápido a partir daí, atingindo um total de aproximadamente 1,2 bilhão de libras em 1913. Enquanto, na primeira dessas datas, os títulos públicos representavam cerca de 76% do total dos ativos de investidores da Grã-Bretanha em países latino-americanos, às vésperas da Primeira Guerra Mundial, a participação dos mesmos tinha baixado para apenas 38%. Houve, portanto, durante o período em pauta, forte aumento dos investimentos britânicos em empresas privadas, tanto diretos, como de tipo porfolio.

Com o passar do tempo, estes últimos foram assumindo importância crescente, particularmente nos serviços de utilidade pública. Os investimentos britânicos nestes ramos de atividade evoluíram de 800 mil libras em 1865 para nada menos que 139 milhões de libras em 1913. Tais serviços constituíram o segmento de mais rápido crescimento no período em questão, e a importância relativa dos mesmos antes da guerra de 1914-18 só era superada pelas aplicações em títulos da dívida pública e pelos investimentos britânicos em ferrovias. Os primeiros investimentos diretos de capitais britânicos em serviços urbanos de utilidade pública ocorreram no início da década de 1860, com o estabelecimento, em várias cidades do continente, produtoras e distribuidoras de gás de iluminação pública (com base em carvão importado da Grã-Bretanha), de companhias de transporte urbano de passageiros e até de alguns empreendimentos voltados para o saneamento ambiental, ou seja, para o estabelecimento de redes de água e de esgotos. Por volta de 1880, já havia aproximadamente duas dezenas dessas empresas de capitais majoritariamente britânicos. Dez anos mais tarde, esse número tinha dobrado, o mesmo ocorrendo com o valor total dos investimentos.

Na última década do século XIX, a expansão dessas empresas tornou-se mais lenta, especialmente no que se refere a seu número, embora a taxa de crescimento de seu capital agregado também tivesse baixado para "apenas" 50%. Um novo surto iria ocorrer nos primeiros anos do século XX, quando o número de empresas britânicas do setor mais do que dobrou, passando de 50 em 1900 para 112 em 1913, enquanto o capital agregado das mesmas crescia quase três vezes e meia, passando de 41 milhões a 139 milhões de libras esterlinas. Mas isto ocorreu numa época em que as empresas de origem britânica já não estavam praticamente sozinhas no mercado.

Nesta última fase antes da Primeira Guerra Mundial, boa parte da expansão dos capitais estrangeiros investidos em serviços urbanos de utilidade pública ocorreu no ramo da geração e distribuição de energia elétrica e devido a ai umas poucas empresas de grande porte, controladas por grupos financeiros do Canadá e dos Estados Unidos. Embora não fossem oriundas da Grã-Bretanha, tais empresas não tardaram, porém, a atrair e absorver grandes volumes de capitais britânicos, através de investimentos "minoritários" do tipo porfiolio. Isto se deu basicamente quando da abertura do capital de quatro grandes empresas localizadas respectivamente na Argentina, em Cuba e no Brasil. As duas do Brasil e a de Cuba pertenciam ao Grupo Light, enquanto a da Argentina era vinculada a capitais franceses.

Essas três empresas da Light, e mais outra situada no México e também pertencente ao mesmo grupo, tinham sido criadas nos últimos anos do século XIX ou na década inicial do século XX por capitalistas canadenses e norte-americanos, cujas fortunas procediam da construção e operação de ferrovias tanto em seus países de origem como na América Latina (especialmente no México e em Cuba). Elas eram canadenses apenas nominalmente, já que os capitalistas que as controlavam, além de serem parcialmente originários dos Estados Unidos, adotavam métodos de gestão e de financiamento tipicamente norte-americanos, enquanto que a maior parte de seus investimentos não tardariam a provir do mercado financeiro londrino.

 

Bibliografia: História e Energia: A chegada da Light. SP. Patrimônio Histórico/Eletropaulo, 1986.

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