Os
serviços de transporte da então Capital Imperial do Brasil sempre acompanharam os
progressos da vanguarda mais atual. Já em 1835 (antes da Maioridade de Dom Pedro II)
inaugurou-se a travessia Rio Niterói, com barcas a vapor. Há cinco anos
anteriores (desde 1830) a cidade já contava com um serviço de tílburis de aluguel, que
eram, por assim dizer, os táxis da época, e entre 1837/38 surgiram os omnibus a cavalo,
uma espécie de diligências ou carruagens coletivas. (Há passagens de Machado de Assis -
"Dom Casmurro" - que nos dão uma noção de como funcionava esse transporte. Um
detalhe interessante era a forma de pedir parada ao cocheiro, que consistia num cordão
amarrado ao braço do mesmo, que o passageiro puxava. O precursor das campainhas e
"cigarras" dos bondes e ônibus automotores era como um "cabresto de
mão".) O primeiro serviço de bondes, organizado pelo britânico Thomas Cochrane
que obteve concessão do governo -, constituiu-se na "Companhia de Carris de
Ferro da Cidade a Boa Vista na Tijuca", cujo funcionamento foi inaugurado em 1859,
com a presença do Imperador. Pelo Decreto Imperial no. 2.828, de 21 de Setembro de 1861,
que autorizava "... o emprego de locomotivas dentro dos limites da cidade em
substituição ao motor animal, no serviço de tração e condução de gêneros"
(HTUB WCS pág. 320), determinou-se a adoção da tração a vapor, iniciada em 1862. Mas o serviço ficou deficitário,
extinguindo-se em 1886. Enquanto isso, a "Cia. Caminho de Carris de Ferro do Jardim
Botânico" já fôra organizada pelo Barão de Mauá, em 1862; o início das obras,
porém, protelou-se, devido ao desinteresse pela compra de ações, por repercussão da
decadência que ocorria na "Carris de Ferro da Tijuca". Por fim, em 1866 Mauá
vendeu a concessão para Charles B. Greenough, que organizou com capital
norte-americano a "Botanical Garden Rail Road Company". O assentamento da
linha ocorreu em 1868, e no dia 9 de Outubro do mesmo ano deu-se a inauguração da
primeira linha, partindo da esquina Ouvidor/Gonçalves Dias, de onde seguia ao Largo do
Machado. O êxito dessa companhia "desencalhou" espantou o "fantasma"
do declínio da "Carris da Tijuca", animando novos investidores a ingressar no
ramo. A primeira tentativa de "eletrificação" um verdadeiro pioneirismo
aventurou-se ao sistema de baterias, um bonde elétrico provido de acumuladores. A
iniciativa partiu da empresa "Força e Luz", formada em 1887. Segundo relato do
engenheiro Cupertino Coelho Cintra Revista "Ilustração Brasileira"
a linha partia "da rua do Ouvidor até Olaria, na Gávea" (não se
confunda com o atual bairro de Olaria), "estação do Jardim Botânico" (HTUB
WCA pág. 316). A inauguração, em 2 de Julho de 1887, contou com a
presença de convidados ilustres, dentre os quais "achava-se o Conde dEu, a
Princesa Isabel, então Princesa Regente, e várias altas autoridades". O veículo
dotado de acumuladores "Julien" rodou bem até a curva do Convento
da Ajuda (atual Cinelândia), onde descarrilou. "Após várias tentativas de penoso
trabalho devido ao grande peso dos acumuladores, conseguiu-se repô-lo nos trilhos.
Prosseguindo na marcha, alguns incidentes se foram registrando até a rua dos Voluntários
onde os acumuladores explodiram, ficando o veículo imobilizado no meio da rua, cercado de
curiosos. Rebocado por muares até a cocheira do Largo dos Leões, mais uma vez a
força animal cantou vitória, diz Coelho Cintra." (HTUB WCS
págs. 316/317). Foi, certamente, um fracasso. Mas foi também um marco. O Brasil foi um
pioneiro na eletrificação do tramway. Conforme cita Stiel, à página 318 (HTUB
WCS), "O primeiro bonde elétrico fora lançado há poucos anos no mundo e já
no Brasil a Cia. Jardim Botânico se propunha a instalá-los no Rio de Janeiro!" Isto
porque, após a tentativa com o bonde a bateria, a "Jardim Botânico", por
iniciativa do já mencionado Cintra, então gerente da empresa, cogitou a instalação de
uma linha eletrificada entre os Largos do Machado e da Carioca, via Rua Dois de Dezembro,
Praia do Flamengo, Ruas do Russel, da Glória, do Passeio, Senador Dantas e Ajuda. O
projeto concretizou-se e foi construído o sistema, desta vez uma eletrificação
propriamente dita, com rede aérea. As primeiras experiências ocorreram em 31 de Agosto
de 1892, e a inauguração em 8 de Outubro. Foi o primeiro bonde elétrico da América do
Sul. Mas o pioneirismo automotor do tramway brasileiro não se restringiu ao Jardim
Botânico. Além do efêmero serviço a vapor da "Carris de
Ferro da Tijuca" (já citado), em 1882 a "Companhia São Cristóvão"
(fundada em 1869, com o nome de "Rio de Janeiro Street Railway Company") fez
experiência com "uma locomotiva Baldwin a vapor, na linha da
Tijuca, visto ter em seu percurso muitas declividades fortes. Os resultados foram
satisfatórios e a companhia foi autorizada a mudar a tração". (HTUB WCS
pág. 322). O bonde a vapor consistia num ou
mais carros reboque tracionado(s) por pequena locomotiva, que substituía a parelha de
animais. A Cia. De São Cristóvão foi autorizada, em 1883 (Decreto no. 8.991) "a
prolongar a linha da rua do Barão de Itapagipe até a frente da Matriz da Freguesia do
Engenho Velho" (trecho do referido decreto HTUB WCS pág. 322).
A bitola da F. C. São Cristóvão era de 1,39 m. nos avanços da automoção, outras duas
empresas destacaram-se, a "Carris Urbanos de Vila Izabel" (bitola de 1,44 m;
serviços iniciados em 29 de Novembro de 1873) e a "Vila Guarany" (bitola de
0,82 m; serviços começados em 18 de Novembro de 1883). Esta (de pequeno porte) uniu-se
à outra (Vila Izabel) em 1906, para fins de eletrificação, agregando também a
"Vila Cachambi". A inauguração desse novo setor da tração elétrica deu-se
em 24 de Fevereiro de 1906 (linha da Aldeia Campista), e em 4 de Maio do mesmo ano foi
"requerido ao Congresso Municipal a unificação dos contratos dos Carris Urbanos de
Vila Izabel e São Cristóvão" (HTUB WCS pág. 326). (Como se vê, as
unificações iam acontecendo, rumo ao posterior monopólio da Light.) Outras empresas iam
surgindo: a "Companhia de Carris Fluminense" (iniciativa de Luiz Bandeira de
Gouveia; bitola de 0,82 m; inauguração em Outubro de 1877; unida à "Carris
Urbanos" em 1878), a "Companhia Ferro-Carril Carioca e Riachuelo" (bitola
de 0,82 m; fundada em 1876; unida à Carris Urbanos em 1878), a "Companhia
Ferro-Carril de Santa Tereza" (ou "Cia. Ferro-Carril Carioca"; trata-se da
empresa que estabeleceu as linhas de Santa Teresa, o único sistema efetivo de
bondes sobrevivente no Brasil, que, por tal importância, merece o nosso Suplemento Especial de
Santa Teresa; a "Empresa
Ferro-Carril Vila Guarany" (bitola 0,82; 18/11/1883 - já citada incorporada
à "Vila Izabel" em 1886), a "Companhia Ferro-Carril de Jacarepaguá"
(bitola métrica; 23/12/1875), o "Tramway Elétrico da Tijuca" (assim como o
setor de Sta. Teresa, trata-se de um caso peculiar, para o qual disporemos do Suplemento Especial do Alto da Boa Vista - aguarde), a "Ferro-Carril de Cachambi" (1879), visando a
ligação entre os subúrbios de Engenho Novo e Engenho de Dentro e a "Companhia de
Carris Urbanos" (1878) - resultante da união das empresas "Cia.
Locomotora", "Cia. Ferro Carril Carioca" (bondes de Santa Teresa),
"Cia Carioca do Riachuelo" e "Cia. de Carris Fluminense"; essa nova
empresa cresceu amplamente, abrangendo, em 1900, uma extensão de linhas desde a Praia de
Santa Luzia (região atualmente aterrada, próxima à Av. Pres. Antônio Carlos) às
regiões de Gamboa e Saúde, e, mais tarde (1906) fundiu-se às companhias de São
Cristóvão e Vila Izabel, para efeito de eletrificação. Também
nos primórdios do Século XX (1905), surgia a "Linha Circular Suburbana de
Tramways", empresa que teve um lugar destacado na História por ter
"fechado" o tempo dos bondes a tração animal no Rio de Janeiro. Seu trajeto
tratava-se da linha Madureira - Irajá, de 5,7 km, inaugurada em 28 de Setembro de 1911,
com carros originários das linhas, então já eletrificadas, da antiga "Cia. De
Carris Urbanos" (mencionada acima). As condições de serviço dessa linha
tornaram-se progressivamente precárias, e, em fins da década de 1920, o trecho foi
eletrificado pela Light, intensificando o serviço de bondes naquela região. O extinção
definitiva do bonde a burro no Rio de Janeiro deu-se em 28 de Março de 1928. No outro
lado da cidade (extremidade oeste) surgia, em fins do Século XIX, o serviço de bondes, a
princípio entre Santa Cruz e Sepetiba, porém esse primeiro trecho durou pouco, sendo
encampado, em 1911, pela EFCB, que aproveitou seu leito para estender a via permanente da
ferrovia, que constituiu o trecho rumo Itaguaí, ainda hoje existente, da linha de
Mangaratiba. Os bondes da antiga "Zona Rural" (atual Zona Oeste)
estabeleceram-se, contudo, entre Campo Grande e Guaratiba, utilizando os carros a burro da
extinta linha de Sepetiba, a partir de 1911, ocorrendo a eletrificação em janeiro de
1915 ("Empresa Ferro-Carril de Campo Grande a Guaratiba"), adotando-se a bitola
de 1,435 m, que tornou-se universal no Rio de Janeiro, só mantendo-se a bitola estreita
em Santa Teresa, até hoje. O serviço foi inaugurado em 17 de Maio de 1917, e em 1918
inaugurou-se o ramal de Campo Grande ao local denominado "Ilha". Esse sistema
funcionou até 1967. Voltando ao extremo Leste da cidade, observemos os bondes da Ilha do
Governador, sistema exclusivo da ilha, inaugurados em 1922, já com tração elétrica. Os
bondes da Ilha do Governador funcionaram até 1965. Tendo em mente os bondes do Rio de
Janeiro, de um modo Geral, sempre pensamos na Light. Essa empresa Canadense, que
encarregou-se do fornecimento de energia elétrica da cidade, atuou em outros setores,
dentre eles o transporte urbano. A "Light and Power Co. Ltd." entrou no ramo dos
bondes, exercendo, por fim, o monopólio deste serviço no Rio de Janeiro. Formou-se esta
empresa no Canadá, em 1904, com o nome de "The Rio de Janeiro Tramway Light and
Power Company Limited" (Companhia de Tramways Luz e Força do Rio de Janeiro). A
Light adquiriu, gradualmente, o controle acionário e arrendamentos de diversas companhias
de bondes, fez alterações, melhoramentos e acréscimos de trechos e linhas. O
monopólio, por fim, consumou-se e a empresa passou a ser a proprietária do tramway geral
do Rio de Janeiro, passando, inclusive, a fabricar carros em suas próprias oficinas. O
declínio, no entanto, começou, entre as décadas de 1950 e 1960. A Light rescindiu seu
contrato com o governo em 1963, e os bondes passaram ao controle da CTC (Companhia de
Transportes Coletivos), que tratava de adquirir 300 chassis de ônibus diesel para
"substituir" os bondes cariocas. Mesmo assim, a própria CTC reformou dez bondes
tipo "bataclan", transformando-os em carros fechados, para o trajeto da Praça
Saenz Peña ao Alto da Boa Vista. Infelizmente o ótimo resultado desse esforço foi
abolido em 1968, quando extinguiu-se, por fim, a última linha de bitola larga (1,44) do
Rio de janeiro. Os ônibus não tinham como atender plenamente a demanda, não puderam
"substituir" os bondes, e o transporte coletivo no Rio, como em inúmeras
cidades do Brasil e de outros países, ficou privado de um componente fundamental de sua
paisagem, de sua rotina e funcionalidade. O Rio de Janeiro tem, no entanto, o privilégio
de abrigar o único sistema de tramways ainda em funcionamento efetivo no Brasil. Graças
ao esforço de funcionários e moradores, na região de Santa Teresa ainda trafegam os
bondes, agora sob proteção do Patrimônio Histórico. |