São
Paulo é a cidade dos famosos "camarões", bondes de aparência muito original, devido à pintura
em vermelho vivo, típica e quase exclusiva dos bondes paulistanos. Ao lado de outros
extensos serviços de bondes no Brasil, como o do Rio de Janeiro, o tramway de São
Paulo teve presença marcante no serviço à população local, deixando um traço forte
na história e no folclore da cidade. A primeira iniciativa de instaurar um sistema de
transporte coletivo em São Paulo data de 1871, quando foi concedido ao eng. Nicolau dos
Santos França Leite (ou "a quem melhores vantagens oferecesse") o privilégio
de estabelecer "uma linha de diligências tiradas por animais, sobre trilhos de
ferro, que partindo do centro da cidade se dirija às estações do caminho de ferro"
- HTUB - WCS - pág. 451 - da lei provincial no. 11 de 9 de março de 1871.
Fundou-se, então, a "Companhia de Carris de Ferro de São Paulo", sediada,
porém, no Rio de Janeiro. As obras correram rápidas e os primeiros bondes de São Paulo
começaram a trafegar já em 12 de outubro de 1872, entre a Rua do Carmo e a Estação
Ferroviária da Luz. Seguiram-se as criações da "Cia. Paulista de
Transportes", ligando ao bairro do Ipiranga, e a "Ferro-Carril do Bom Retiro a
Bela Vista", pouco depois chamada "Cia. Ferro-Carril de São Paulo". A
expansão do carril urbano em São Paulo estava, portanto, impulsionada e, sem demora
foram surgindo novas empresas, que expandiam rapidamente os trilhos urbanos nas ruas da
cidade. A "Carris de Ferro São Paulo a Santo Amaro", autorizada em 1880 e posta
em serviço a partir de 1885, marcou o início do bonde motorizado em São Paulo,
adotando, de começo, a tração a vapor, pelo sistema usual
da pequena locomotiva com carro reboque. Eram locomotivas do fabricante alemão Krauss
(veja também na página sobre Bondes a Vapor de Werner Vana). Em 1890
surgia a "Empresa de Bondes de Sant Ana", (outro caso sui-generis,
além do ocorrido em Juiz de Fora, em que o termo "bonde" foi empregado
oficialmente), cuja linha ligava a Ponte Grande ao Alto de Sant Ana. A "Cia
Viação Paulista", formada em 1892, propunha-se a unificar todas as empresas já
criadas, com exceção da "Bondes de Sant Ana" e da "São Paulo a
Santo Amaro", que atuavam fora da região central. O fato de todas as companhias
terem suas vias na mesma bitola (1,05 m) facilitou a unificação, que realmente ocorreu,
estando, já em 1896, a empresa exercendo seu monopólio em quatro seções regionais: 1 -
Bom Retiro (linhas Liberdade a Ponte Grande, Rua Helvétia, Amador Bueno, Palmeiras, Barra
Funda, Av. paulista, Rua da Beneficência Portuguesa e Santo Antônio); 2 - Cambuci
(Ipiranga, Moóca, Rua do Hospício, Jardim, Mercado, Cambuci, Vila Deodoro a Vila
Mariana, via Av. Lins de Vasconcelos); 3 - Santa Cecília (Perdizes, Vila Buarque,
Consolação, Santa Cecília, Vitória, Higienópolis, Alameda Glete, Aurora, Bambus, e
Largo Guaianazes); e 4 - Imigração, Rua Piratininga, Moóca, Hipódromo, Rua Müller,
Marco de Légua e Rua do Oriente). O material rodante compunha-se de 77 carros a tração
animal. Em 1900 a já mencionada "São Paulo a Santo Amaro", em conseqüência
do declínio de seus serviços, foi liquidada e encampada pela "The São Paulo
Tramway Light and Power", que estava começando a implantar vias eletrificadas na
cidade. A concessão para bondes elétricos em São Paulo fôra assinada em 1897, em favor
de Francisco Antônio Gualco e Antônio Augusto de Souza. Gualco residia no Canadá, e lá
mesmo fundou, unindo-se a um grupo de empresários locais, a já citada Light de São
Paulo. Em 7 de Abril de 1899 a carta-patente da empresa foi concedida pela Rainha
Vitória, da Grã-Bretanha, de cuja jurisdição ultramarina fazia parte o Canadá. O
bonde elétrico paulistano foi inaugurado em 7 de Maio de 1900, em linha que seguia à
Barra Funda. Em 1901 a Light encampou, também, a Cia Viação Paulista, seguindo-se,
gradualmente, a substituição da tração animal pela elétrica e a expansão das vias,
com a criação de novas linhas. A última via de bondes a burro a ser eletrificada (1908)
foi a de Santana, e a linha a vapor de Santo Amaro inaugurou o serviço elétrico em 7 de
Julho de 1913, com carros do fabricante americano J. G. Brill, do tipo fechado. Antes da
vinda dos bondes Brill de Santo Amaro, a Light, via de regra, construía seus próprios
carros, importando somente os motores; a primeira chegada de carro elétrico estrangeiro
deu-se, entretanto, em 1906, com a importação de um bonde de luxo, da fábrica americana
St. Louis Car Co. Em 1913 foi construído o último carro de quatro rodas, e em 1917 foram
postos em funcionamento, na Linha da Penha, os primeiros bondes de dois trucks
(oito rodas), de fabricação Brill. Esses carros, que ganharam popularmente o nome da
linha a que serviam (bondes "penha"), funcionaram até 1930. Em 1921 a Light
iniciou nova fase de fabricação própria de material rodante, a começar pelos carros
cujo modelo ficou conhecido pelo ano em que foi lançado (bondes "1921") e em
1925 surgiu o chamado tipo "Rio". Dois anos depois (1927) chegaram do Canadá os
célebres "camarões",
que se tornaram uma espécie de símbolo ou "marca registrada" do bonde
paulistano, muito populares, cuja utilidade foi a de maior duração, pois funcionaram
até à extinção dos bondes de São Paulo, ou seja, aproximadamente 40 anos de serviço.
A cidade contava, então, com um extenso, numeroso e ativo sistema de bondes, de extrema
utilidade para a população ("Em 1934 o número total de carros de passageiros era
de 550 unidades para 228.274 Km de linha e para uma população de um milhão de
habitantes" - HTUB - WCS - pág. 458), sobretudo durante a guerra de 1939/45, quando
houve grande escassez de combustível, o que dava ao transporte elétrico a condição de
necessidade primordial. Entretanto, a Light anunciou, em 1937, a decisão de não mais
atuar na área do transporte coletivo, ficando estabelecido que, terminado o contrato em
vigor até 17 de Julho de 1941, a empresa não o renovaria. Porém, em vista do problema
da guerra, já mencionado, o governo federal emitiu decreto lei obrigando a Light a
continuar no ramo. Com o fim da guerra (1945) revogou-se o decreto, e criou-se, em 1947, a
"Companhia Municipal de Transportes Coletivos", a conhecida CMTC de São Paulo,
destinada a assumir o serviço que a Light deixava. O sistema de bondes, porém, já vinha
declinando, "devido à falta de peças e desinteresse total por esse sistema"
(HTUB - WCS - pág. 459), a ponto de serem alguns carros encostados e desfalcados de
peças para reposição em outros veículos. A CMTC, no entanto, agiu no sentido de
revigorar o sistema, adquirindo novas unidades. Esses carros eram do tipo chamado
"Centex", que serviam ao transporte coletivo em Nova Iorque, onde o serviço de
bondes acabara de ser extinto. "Eram bondes modernos, com assentos estofados, grande
parte dos comandos automáticos e o motorneiro trabalhava sentado, sendo prevista a
cobrança de passagens pelo próprio motorneiro, sem necessitar de cobrador, mas esse
sistema não foi usado em São Paulo." (HTUB - WCS - pág. 459). Ocorreu aumento do
preço das passagens, que resultou em agitações populares e "quebra-quebras",
estimulados, inclusive, por ex-proprietários de empresas de ônibus. Os resultados foram
catastróficos, gerando escassez de transporte urbano, que foi apenas parcialmente
remediada pelos serviços de restauração que seguiram. A invasão do transporte
rodoviário a combustão interna estava em ação; os ônibus tomavam conta das ruas
paulistanas ("mais poluição e menor número de passageiros por veículo e
combustível importado" - HTUB - WCS - pág. 460). Vale reproduzir aqui, na íntegra,
o desfecho da história do bonde paulistano, segundo o autor do livro: "Afinal, em
março de 1968, no dia 27 é efetuada a viagem final, na última linha remanescente: a de
Santo Amaro. Nesta linha, que servia como o atual pré-metrô, raramente havia
congestionamento e foi retirada porque, como acontece principalmente nas Américas, era um
obstáculo no caminho dos grandes empreendimentos." (HTUB - WCS - pág.
460). O sistema paulistano de bondes foi um dos mais característicos e ativos do Brasil.
É interessante observar que - exceto pela curta sobrevida da linha do Alto da Boa Vista e
pela perpetuação do sistema de Santa Teresa - o tramway paulistano sobreviveu,
por algum pouco tempo, ao do Rio de Janeiro. O conceito "progressista" que lega
aos bondes a pecha de sistema "obsoleto" tem sua credibilidade um tanto abalada,
se lembrarmos que São Paulo, cidade que se tornou o símbolo brasileiro do progresso e da
industrialização, foi, dentre as metrópoles do País, na época da extinção
generalizada dos bondes, a que por mais tempo os manteve. |